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TV Globo não pode responder por divulgar dados de inquérito sigiloso

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30 de outubro de 2019, 20h22

Não foi gratuita a menção do presidente Jair Bolsonaro (PSL) à concessão para exploração de um canal aberto de televisão da TV Globo em sua diatribe contra o Jornal Nacional, na terça-feira (29/10). Ele sabe que veículos de comunicação e jornalistas não podem ser alcançados pelo segredo de Justiça decretado por juízes, conforme decisões repetidas e recorrentes do Supremo Tribunal Federal. A única retaliação possível, portanto, fica na esfera administrativa do Poder Executivo, e não da responsabilização civil.

Reprodução/Globo
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A reportagem a que o presidente se refere diz que o porteiro do condomínio onde Bolsonaro tem casa autorizou a entrada de um dos suspeitos de matar a vereadora Marielle Franco (PSol-RJ), no dia 14 março de 2018. De acordo com o JN, Élcio de Queiroz foi condomínio e pediu para ir à casa 58, a casa do presidente.

À Polícia Civil do Rio de Janeiro, o porteiro disse ter falado com “seu Jair”, que autorizou a entrada do suspeito, no mesmo dia em que Marielle foi morta, segundo a reportagem.

Nesta quarta-feira (30/10), a promotora de Justiça do Rio Simone Sibilo disse que o porteiro mentiu em seu depoimento. A própria reportagem do Jornal Nacional conta que Bolsonaro estava em Brasília e deu entrada na Câmara dos Deputados no dia do assassinato de Marielle.

As informações constam do inquérito sobre o homicídio da vereadora, que corre em sigilo. Em vídeo publicado ainda na noite da terça, Bolsonaro questiona o acesso dos jornalistas da Globo a informações sigilosas do inquérito.

“Esse processo está em segredo de Justiça. Como chegou na Globo? Quem vazou para a Globo?”, reclama o presidente. “A Globo diz na matéria que teve acesso a uma planilha da portaria. Não é verdade. Tiveram acesso ao processo e foram em cima dessa planilha. E aí constroem uma narrativa e me colocam como suspeito de ter participado do assassinato da senhora Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, do PSol”, completa depois.

São perguntas que o ministro Sergio Moro, da Justiça, quer responder. De ofício, o ministro pediu que a Procuradoria-Geral da República para investigar o cometimento de denunciação caluniosa pelo porteiro — embora Moro mande na Polícia Federal, não na PGR, e não tenha qualquer ingerência sobre a Justiça do Rio de Janeiro; essa discussão está aqui.

Mas o ministro pediu a abertura de investigação porque ele e o presidente sabem que o Supremo não inclui jornalistas e veículos de comunicação. O ministro Celso de Mello, decano, é um dos autores dessa jurisprudência e um de seus maiores defensores.

Na Reclamação 21.504, por exemplo, Celso cassou decisão que havia proibido um jornalista de publicar informações sobre um processo porque ele corria em segredo. “O exercício da jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória, muito menos censória, da liberdade constitucional de expressão e de comunicação, sob pena de o poder geral de cautela atribuído ao Judiciário transformar-se, inconstitucionalmente, em inadmissível censura estatal”, escreveu o ministro.

Para o ministro, submeter o direito à informação e a liberdade de expressão ao segredo de Justiça é “clara transgressão ao comando emergente da decisão que esta Corte Suprema proferiu, com efeito vinculante, na ADPF 130”.

Na ADPF, o Supremo decidiu que a antiga Lei de Imprensa, de 1967, não foi recepcionada pela Constituição Federal, de 1988, por impor limites ao exercício da liberdade de expressão. A lei regulamentava o trabalho dos jornalistas, com regras para o direito de resposta, o exercício da profissão e o sigilo da fonte, por exemplo.

“Preocupa-me, por isso mesmo, o fato de que alguns juízes e Tribunais tenham transformado o exercício do poder geral de cautela em inadmissível instrumento de censura estatal, com grave comprometimento da liberdade de expressão, nesta compreendida a liberdade de imprensa e de informação. Ou, em uma palavra, como anteriormente já acentuei: o poder geral de cautela tende, hoje, perigosamente, a traduzir o novo nome da censura!", afirma o ministro.

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