Opinião

Mistura de conceitos na MP 899 gera ser híbrido de validade questionável

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29 de outubro de 2019, 6h08

Foi anunciada com destaque e publicada no diário oficial a MP 899, chamada de “MP do Contribuinte legal”, que possibilitaria a regularização de dívidas tributárias com descontos e prazo de 84 meses (7 anos) para as empresas e de até 100 meses (8 anos e 4 meses) para pessoas físicas e micro e pequenas empresas.

A MP, contudo, parece misturar conceitos distintos, gerando um ser híbrido cuja validade jurídica pode ser questionada.

É utilizado como paradigma a transação tributária prevista no artigo 171 do CTN. Contudo, a transação é, expressamente, modalidade de extinção do crédito tributário (CTN, art. 156, III e art. 171, in fine), mas a MP diz, textualmente, que a transação que ela propõe não implica em novação (art. 6º, § 3.º) e que a extinção somente se dará com o pagamento total (art. 6º, § 6º).

Na verdade, a hipótese de ser concedido prazo de pagamento do tributo, sem novação, e ser adicionado desconto de multas corresponde à hipótese de parcelamento com anistia. Mas o marco jurídico dessas figuras tem, no aspecto da anistia, o requisito constitucional da lei específica. Veja-se que o artigo 150, § 7.º, da Constituição, faz a mesma exigência formal para as leis que concedem isenção, redução de base de cálculo, anistia ou remissão. Já afirmou o STF ser vedada a delegação externa, isto é, a atribuição, ao executivo, de dispor normativamente sobre a matéria (AADDII 1247 e 1296, MMCC). A MP, ao delegar ao Ministério da Economia, os limites do benefício e suas condições, destoaria desse paradigma, já que a Constituição estabelece os mesmos requisitos tanto para a isenção, hipótese apreciada pelo STF, quanto para a anistia.

Já no que diz respeito ao parcelamento, o marco jurídico estabelece que este, tal como dispõe a MP, não constitui novação. Mas exatamente por não constituir novação, a causa da obrigação continua a mesma, continuamos a ter uma obrigação ex lege, decorrente da ocorrência em concreto de fatos previstos em lei. Quanto a fatos é possível a confissão, mas já quanto à validade e sentido da norma que gera a obrigação a confissão é irrelevante, pois não é a vontade que a gera e sim a lei. Neste exato sentido já se firmou a jurisprudência, como se vê, e.g. no REsp 1.133.027/SP, notadamente item 5 da ementa, julgado como repetitivo pela 1.ª Seção do STJ.

Para que a confissão seja irretratável também no que tange aos aspectos legais, mister que seja a transação que o CTN prevê, pois neste caso ter-se-á uma extinção do crédito tributário e o surgimento de uma obrigação ex voluntatis, contratual, aquela que foi acordada na transação.

Embora talvez não seja a intenção, a MP parece querer por um fim nos “REFIS” que de tempos e tempos batem à porta do Parlamento pela criação de um poder permanente de criar “parcelamentos especiais”, com descontos, mas agora sem o parlamento, apenas no âmbito do Ministério da Economia e, com mais destaque, da PGFN.

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