MP no debate

O fluxo migratório, moradores de rua e o papel das políticas sociais

Autor

  • Ricardo Prado Pires de Campos

    é procurador de Justiça aposentado presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático e professor de Direito com mestrado em Processo Penal. Foi promotor do júri por uma década tendo atuado no 1º Tribunal do Júri de São Paulo.

28 de outubro de 2019, 16h55

Notícia publicada pela imprensa[1] dá conta que o número de pessoas em situação de rua em São Paulo teria atingido cerca de 25 mil. Passou a ser comum encontrar pessoas dormindo nas ruas da cidade, e o fenômeno não se restringe apenas a região central.

Faz muitos anos que o país enfrenta o fenômeno da urbanização acelerada. Em meados do século passado, o Brasil tinha grande contingente da população morando nas áreas rurais. Essa proporção caiu aceleradamente. A mecanização do trabalho agrícola expulsou as pessoas do campo. Há quem sinta falta, acredite que a agricultura familiar deveria ser incentivada. Ainda, há os saudosos da Reforma Agrária.

O Mundo moderno seguiu outro caminho. As lavouras de monocultura se espalharam, os ganhos de produtividade foram imensos, e o Brasil não apenas passou a colher os alimentos necessários para sua população, como passou a ser um dos grandes exportadores de produtos agropecuários. Somos um dos grandes atores globais do agronegócio.

Ganhos de um lado, prejuízos de outro. Grande parte da massa de trabalhadores rurais se viu desempregada e sem qualificação para o trabalho na cidade. A migração em direção aos grandes centros urbanos foi gigantesca, no entanto, a infraestrutura não cresce de um dia para o outro.

O aumento dos moradores de rua tem várias causas e o fenômeno migratório é apenas uma delas. Todavia, sua contribuição é relevante.

A migração do campo para a cidade é perfeitamente justificável diante da melhor infraestrutura urbana, dada a presença de hospitais e demais unidades de saúde, escolas, inúmeras opções de lazer e, também, de trabalho.

No mundo da internet e das redes sociais, a informação passou a circular muito mais rápido, e isso acelerou o fluxo migratório, também, entre áreas urbanas, entre localidades diferentes.

O Brasil tem participado ativamente desses fluxos migratórios, seja exportando mão de obra para a Europa e Estados Unidos; seja importando trabalhadores da Venezuela e demais países da América do Sul. Uma parte do fenômeno pode ser percebido, também, nos cruzamentos das grandes cidades.

A questão é que nem todas as cidades dispõem de infraestrutura adequada para a absorção desses trabalhadores. Aliás, já não são apenas trabalhadores, mas famílias inteiras que têm sido vistas nas ruas, incluindo crianças.

O fenômeno exige que os órgãos públicos se adequem para fazer frente às inúmeras demandas surgidas com esse aumento repentino da população; e em época de escassez econômica, isso fica mais pungente.

Embora a sociedade civil preste uma colaboração inestimável nessa área através das igrejas, clubes sociais e outras organizações, mas o papel do Estado é insubstituível. Há questões de segurança, suprimentos e higiene que não são facilmente resolvidos sem a participação ativa do Poder Público.

Aliás, o Estado foi criado para resolver os problemas sociais que extrapolam o âmbito de meras relações pessoais ou familiares; e para isso cobra infindáveis impostos e contribuições sociais.

A Constituição Federal prevê no artigo art. 182 que: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

Regular e possibilitar a mobilidade urbana, de forma eficiente, é uma das atribuições do Poder Público Municipal, e isso gera uma série de responsabilidades. Propiciar um mínimo de dignidade humana para aqueles que estão em busca de uma melhor oportunidade de vida é uma necessidade desde a remota antiguidade, e continua premente.

As autoridades municipais precisam se darem conta de que, além dos moradores da cidade, de sua população fixa, há os visitantes, há uma população flutuante de grande impacto na vida da sociedade.

Outrora, nas cidades existiam os banheiros públicos que, na grande maioria, desapareceram. Esse serviço passou para o comércio, mas o deslocamento resolve apenas parte do problema. No carnaval, a Prefeitura paulistana acordou para essa necessidade, muito se falou dos banheiros químicos e sua instalação em pontos de ônibus; mas, passadas as festividades, o assunto saiu de pauta. Enquanto isso, a população de rua continua embaixo dos viadutos.

A dignidade humana foi erigida pela Constituição em fundamento da República (art.1º, inciso III), mas ela não será uma realidade enquanto convivermos com a miséria extrema, e com populações flutuantes que se deslocam sem o mínimo de condições humanitárias. É preciso assegurar ao morador de rua o acesso aos serviços assistenciais e de saúde, além de condições de higiene e alimentação que lhe possibilitem viver com o mínimo de dignidade.

Com a palavra, as prefeituras municipais e os gestores públicos, pois, a dignidade humana merece ser prioridade no Terceiro Milênio. 


[1] Jornal Valor, Eu & fim de semana, 25/10/2019, p.16.

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