Opinião

Sobre acordos extrajudiciais com cláusula de quitação geral do contrato

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26 de outubro de 2019, 6h50

A 4ª Turma do TST admitiu recentemente a homologação de acordo extrajudicial com cláusula de quitação geral do contrato de trabalho. Isto significa a solução, ao menos formal, do litígio, o que impede o trabalhador de reclamar, na Justiça do Trabalho, outros direitos que não integraram o objeto do acordo homologado.

Tal decisão reformou acórdão do TRT da 2ª Região (São Paulo), que homologava apenas parcialmente o acordo, pois a referida petição limitava-se a apontar um valor global de pagamento, sem especificar as verbas a que se referia. Contudo, o relator do recurso no TST, ministro Ives Gandra Martins Filho, entendeu que a homologação parcial não é possível.

A controvérsia pertine a um dos aspectos mais polêmicos da reforma trabalhista de 2017: a “jurisdição voluntária” no processo do trabalho. O instrumento, importado da Lei 9.099/95 – que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais – e do art. 725, VIII, do Código de Processo Civil de 2015, introduziu na CLT os arts. 855-B a 855-E. A celebração de acordos, antes restrita ao cenário contencioso das reclamações trabalhistas em curso, passou a contemplar a possibilidade de as partes pedirem a homologação prévia à ação judicial, produzindo quitação em prol do devedor.

Quase 43 mil acordos dessa espécie foram propostos em 2018, e a perspectiva é de alta. Muito embora pareça algo salutar, essa tendência carrega consigo vários aspectos extremamente preocupantes. Diferentemente das relações jurídicas afeitas aos Direitos Civil e Comercial, ramos com os quais tal instrumento se mostra perfeitamente compatível, a relação laboral, mesmo no caso de trabalhadores mais qualificados, é marcadamente assimétrica sob o prisma socioeconômico.

Considerando-se, ainda, que da remuneração ajustada, em regra, depende diretamente a subsistência do trabalhador e de sua família, deriva a irrenunciabilidade da maior parte das verbas devidas por força da execução e do rompimento do contrato de trabalho. Não custa recordar, mais uma vez, que aproximadamente metade das ações trabalhistas em trâmite no País versa sobre o pagamento de verbas rescisórias consubstanciadas em direitos básicos – salários retidos, aviso prévio, 13º salário, férias, FGTS, indenização pela dispensa.

Uma vez premido o trabalhador pela necessidade de receber o que lhe é devido, o mais rápido possível, abre-se caminho a toda sorte de coações e fraudes. Sob tão desfavorável contexto, diversos riscos se apresentam ao trabalhador, como: não compreender a extensão da quitação que está conferindo; a sujeição ao ludibrio por ardis fraudulentos; e o constrangimento à oportunidade de suscitar e discutir questões relacionadas ao contrato que não interessem ao empregador. Riscos estes ainda maiores, quando o trabalhador não dispuser da assistência de seu sindicato e/ou de um advogado.

Trata-se, é bom lembrar, do entendimento de uma das Turmas, não do conjunto do TST. Tal precedente, embora importante e respeitável, não possui caráter vinculante para casos pretéritos ou futuros. Há um longo caminho de análise a se percorrer, até que se consolide um entendimento da Justiça do Trabalho em geral. Seja como for, impõe-se sempre ao juiz do trabalho, como condutor do processo, e no legítimo e transparente exercício de sua independência – garantia constitucional posta a serviço da sociedade -, o máximo rigor na análise de vícios, neste campo, mais que possíveis, presumíveis.

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