Letra da lei

Juiz federal autoriza uso de "empresa veículo" para amortização de ágio

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25 de outubro de 2019, 21h05

O uso de “empesas veículo” para amortização de ágio decorrente de compra de controle acionário é legal se ele foi necessário para a conclusão da operação. Foi como entendeu o juiz Francisco Ostermann de Aguiar, substituto na 2ª Vara Federal de Blumenau (SC), ao autorizar o banco norte-americano Merryl Lynch a abater quase R$ 70 milhões do ágio gerado com a compra da empresa Cremer, em 2004.

A decisão foi tomada no dia 26 de abril deste ano. Houve recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, distribuído ao desembargador Sebastião Ogê Muniz, da 2ª Turma. Mas ainda não houve qualquer andamento.

A Receita queria cobrar Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido sobre o ágio gerado com a compra. No entendimento do Fisco, a operação feita para que o banco pudesse comprar a empresa foi um “artifício contábil sem suporto econômico” – a expressão é uma releitura da tese de que operações societárias devem ter “propósito negocial”, já derrotada na Justiça Federal e no Conselho Administrativo de Recurso Fiscais (Carf).

Os auditores reclamam das trocas de ações entre as empresas. Para viabilizar a operação de compra, a Cremer e o Merryl Lycnh acertaram que seria criada uma terceira empresa, a Cremerpar, para consolidar o controle acionário da Cremer, na época diluído entre a empresa e acionistas minoritários.

Conforme a empresa contou nos autos, o Merryl Lynch aportou R$ 10,9 milhões na Cremerpar para que ela recomprasse seu controle acionário. Depois, o banco aportou mais R$ 87,7 milhões na empresa, para comprar o controle. Desse total, R$ 60,3 milhões foram considerados ágio, já que foram usados para equilibrar o patrimônio líquido da Cremer, na época negativo, e R$ 27,7 milhões foram considerados investimentos.

No entendimento da Receita, tudo isso foi feito para fugir da tributação. Para o juiz, a tese não faz sentido: a reorganização societária e a criação da “empresa veículo” foi feita para que o banco norte-americano pudesse ter o mesmo tratamento tributário que uma empresa brasileira teria se tivesse comprado o controle da Cremer.

Segundo o magistrado, a criação de holdings é legal e, no caso de investidores estrangeiros, é considerada pressuposto para a concretização dos aportes. “Logo, tem-se que ainda que a Cremerpar houvesse sido constituída tão somente para possibilitar a geração de ágio amortizável em favor do Merryl Lynch (e, como visto, não o foi), ainda assim haveria legalidade no ato, pois se constituiria em pressuposto para que o investimento efetuado por sociedade estrangeira obtivesse o mesmo tratamento tributário dispensável ao investimento, acaso houvesse sido realizado por empresa nacional”, afirma o juiz Francisco de Aguiar, na sentença.

"Ágio interno"
O caso é mais uma tentativa da Receita de fazer letra morta da Lei 9.532/1997. O dispositivo autoriza empresas a abater de seus impostos o ágio decorrente de operações societárias, ao limite de 20% ao ano. Desde que a lei foi editada, o Fisco tenta emplacar a tese de que esse ágio só pode ser amortizado nos casos de operações entre empresas independentes. Operações feitas entre empresas do mesmo grupo que geram ágio são chamadas de “ágio interno” e tratadas como evasão pela Receita.

E isso foi feito no caso da Cremer. Mas a Receita se baseou na Lei 12.937/2014, que mudou a lei de 97 para proibir o “ágio interno”. Só que ela foi aprovada dez anos depois da compra da Cremer, como lembra o juiz na sentença.

Na época da operação, vigia a lei de 97, que não faz nenhuma distinção entre “ágio interno” e “ágio externo”. Fala apenas em “ágio”.

“Ao que tudo indica, as alterações societárias relacionadas ao feito desenvolvidas pelas empresas Cremer e Cremerpar obedeceram às formalidades necessárias, e inexistindo prova de ilicitude, o lançamento tributário não pode basear-se apenas em uma interpretação desfavorável ao contribuinte por força de diretrizes contábeis, quando não há indício desta restrição interpretativa na legislação tributária aplicável ao caso concreto”, afirma o juiz Francisco de Aguiar, na sentença.

E conclui: “Ainda que tenham se utilizado da operação societária com a finalidade de reduzir seu passivo fiscal (dentre outros vários motivos também relevantes, do ponto de vista econômico), tem-se que a obtenção de lucro é inerente ao exercício de qualquer atividade empresarial, o que não é proibido”.

Clique aqui para ler a sentença.
Ação Anulatória de Débito Fiscal 5010311-02.2018.40.47205

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