Senso incomum

Interpretação conforme não pode usurpar o papel do legislador!

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24 de outubro de 2019, 8h00

Spacca
A interpretação conforme a Constituição constitui-se em mecanismo de fundamental importância para a constitucionalização dos textos normativos infraconstitucionais. A verfassungskonforme Auslegung quer dizer, segundo Hesse, que uma lei não deve ser declarada nula quando pode ser interpretada em consonância com a Constituição. Veja: quando se inventou a interpretação conforme, sempre se pensou em sede de declaração de inconstitucionalidade. Jamais em declaração de constitucionalidade.

À evidência, aplicar a ICC não significa dizer que o Judiciário se transformará em legislador positivo. A ICC não têm o condão de transformar o Poder Judiciário em um órgão que está acima da Constituição.

Pode-se chamar a uma decisão em ICC de aditiva. O seu contrário é a Nulidade parcial sem redução de texto, chamada de redutiva, como se pode ver em exemplos do TC Espanhol.

Rui Medeiros, grande constitucionalista português, explica que a interpretação conforme a Constituição somente pode ter lugar quando a vontade do legislador não pode ser reconhecida, ou seja, a interpretação conforme a Constituição “não pode contrariar a letra e a intenção claramente reconhecível do legislador, ou, numa versão mais restritiva, a intenção que está subjacente à ‘tendência’ geral da lei ou às opções fundamentais nela consagradas”.

Particularmente, penso que o autor português radicaliza a questão, embora, se pensarmos nos casos de clara intenção legislativa, ele esteja coberto de razão. Em outros casos, talvez pudéssemos contestá-lo, como já fiz em outros tempos.

Já Canotilho arremata: a interpretação conforme a Constituição só permite a escolha entre dois ou mais sentidos possíveis da lei e nunca uma revisão do seu conteúdo. Para Canotilho – em uma posição muito mais ortodoxa que a minha -, a alteração do conteúdo da lei através da interpretação pode levar a uma usurpação de funções, transformando os juízes em legislativos ativos. Em face disso, conclui que, se a interpretação conforme a Constituição quiser continuar a ser interpretação, ela não pode ir além dos sentidos possíveis, resultantes do texto e do fim da lei. Mostra-se, destarte, contrário às possibilidades de, via interpretação conforme, efetuar correções ou adaptações da lei.

A questão da interpretação conforme, embora a abertura que se possa dar a esse instituto a partir da dicotomia “texto-norma”, esbarra, mesmo, quando se está a discutir uma declaração de constitucionalidade.

Sim, porque a ICC é típico mecanismo para salvar leis e não para matar leis. A ICC é uma decisão que é feita para evitar a declaração de inconstitucionalidade.

A interpretação conforme não pode ser usada em ADC, a menos que, como falei no plenário do STF dia 17, declarássemos a Constituição inconstitucional.

Foi isso que falei como coautor da ADC 44. Buscamos uma declaração de constitucionalidade espelhada. A Lei diz o que diz a CF, apenas sendo um pouco mais especifica. Isso faz com que possa acontecer qualquer coisa, menos a de que se faça uma interpretação conforme. Ou se declara o artigo 283 constitucional ou se o declara inconstitucional. Tertius non datur. No futuro, alunos se reunirão para dissecar algumas interpretações feitas sobre o artigo 283 do CPP. Por exemplo, o voto do Ministro Fachin. Esta coluna encerrou exatamente quando terminou o seu voto. A ver os demais – que serão aqui comentados. A coluna é sempre entregue até as 17h.

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