Opinião

As medidas alternativas que viram novas formas de punição e controle

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24 de outubro de 2019, 6h03

A jovem inglesa de 22 anos Rebecca Gallanagh teve seus 15 minutos de fama em fevereiro de 2013 ao receber uma multa equivalente a R$ 1.000. Seu delito: enfeitar com diamantes a tornozeleira eletrônica que havia sido obrigada a usar. Estaria Rebecca lançando uma moda, que um dia chegará ao Brasil? Talvez. A tornozeleira parece ser a nossa rainha das medidas cautelares ou punitivas diferentes da prisão, que já foram aplicadas mais de 700 mil vezes por aqui.

O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em consultoria executada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), revelou que, em 2017, mais de 51 mil pessoas no Brasil foram forçadas a utilizar este aparelho. Cerca de 75% delas cumpriam pena por algum crime e outras 20%, medidas cautelares alternativas. 89% eram homens. Pernambuco apresentara o maior número de pessoas monitoradas (17.946), seguido do Paraná (6.289) e do Rio Grande do Sul (5.146).

O uso destes dispositivos foi introduzido como opção à prisão preventiva através de artigo no Código de Processo Penal, em 2011. Um parágrafo já havia sido incluído na Lei de Execução Penal no ano anterior, determinando que “a ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução”. Estes rapidamente adotaram-na como exigência, com base em artigo daquela Lei que declara que “o juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto”.

Medidas alternativas que visam o enxugamento do sistema penal terminam, muitas vezes, por gerar novas formas de punição e controle dos indivíduos pelo Estado, pois não têm força para conter o crescimento de repressão. A Lei que criou os Juizados Especiais Criminais em 1995 é um exemplo. O número de presos que, supunha-se, diminuiria com a aplicação dos procedimentos ali previstos, aumentou: passou de 148,8 mil naquele ano para 726,3 mil em 2017 – além daquelas 51 mil pessoas portadoras de tornozeleiras.

Embora o Código de Processo Penal estabeleça que a aplicação de medidas cautelares dependa de necessidade e adequação da restrição imposta, a tornozeleira passou a ser remédio para todos os males, assim como o aprisionamento sem respeito à proporcionalidade da pena.

Integrante do panóptico pós-moderno, o monitoramento eletrônico tornou-se um lucrativo Big Brother do Judiciário, fomentando um negócio milionário ao qual são submetidas desnecessariamente inúmeras pessoas.

A informação oficial do DEPEN é que “o Ministério da Segurança Pública mantém uma política de fomento aos serviços de monitoração eletrônica no País. Nos últimos anos, foram investidos R$ 40 milhões no financiamento das Centrais de Monitoração Eletrônica nos estados”.

As oportunidades de ganho não se restringem, porém, aos arredores das decisões judiciais. Se, conforme ensina Loïc Wacquant em seus livros “As Prisões da Miséria” e “Punir os Pobres”, a prisão se inicia com o objetivo de tornar os presos trabalhadores prontos para as fábricas, seu modelo portátil e preso ao tornozelo pode cumprir ainda melhor a missão. Hoje, surgem startups voltadas à inserção desses “monitorados” no mercado de trabalho, de maneira a viabilizar sua exploração econômica, quem sabe na forma contemporânea de portadores para aplicativos de entregas.

Os diamantes com que aquela jovem inglesa decorou sua tornozeleira eletrônica eram, como se sabe, falsos.

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