Opinião

O Fernando Henrique Cardoso pode tirar o Lula da cadeia

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17 de outubro de 2019, 11h02

As ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44 propostas pelo partido PEN e pela OAB pedem que o Supremo declare a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que diz o seguinte:

“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”

Esse artigo estabelece os 3 tipos de prisão que existem legalmente:

  • Flagrante delito;
  • Em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado;
  • Prisão temporária ou prisão preventiva (essas são as chamadas prisões provisórias).

Então para ser preso hoje no Brasil, por lei, ou se está em 1) flagrante delito, ou se tem uma 2) sentença condenatória transitada em julgado ou é decretada a 3) prisão temporária ou preventiva. É o que está expressamente no artigo 283 do CPP.

Depois de uma condenação por um tribunal de segunda instância (que ainda não transitou em julgado) o condenado pode ser preso? Sim. Pode ser preso preventivamente, conforme diz o artigo 283 do CPP, combinado com o artigo 311, também do CPP, que diz o seguinte:

“Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.”

O que o artigo 283 do CPP – que é o objeto das ações declaratórias – não prevê é que haja uma prisão em decorrência de uma sentença condenatória ainda não transitada em julgada. Por quê? Porque foi uma opção do poder legislativo vincular essa espécie de prisão – a decorrente de sentença condenatória – ao trânsito em julgado. Mas existe outra espécie de prisão que a lei não vinculou ao trânsito em julgado – a preventiva -, que pode ser decretada em qualquer fase do processo, como diz o artigo 311 do CPP.

A redação desse artigo 283 foi incluída no Código de Processo Penal em 2011 quando fizeram uma ampla reforma legal. A lei número 12.403, de 2011, incluiu e modificou diversos artigos no CPP e, entre eles, o artigo 283. A alteração feita no artigo 283 é fruto de uma reforma no Código de Processo Penal que começou a ser discutida no congresso em 2001, no projeto de lei número 4208. Esse projeto de lei tramitou de 2001 até 2011, quando foi aprovado e se transformou na lei que mudou significativamente o Código de Processo Penal.

Vejam que essa mudança no CPP, em 2011, veio de um projeto de lei apresentado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. O governo montou uma comissão de notáveis juristas que elaborou o projeto de lei (número 4208), apresentado à câmara dos deputados em 2001. Quando o projeto foi apresentado, o presidente FHC fez publicar no diário da câmara dos deputados a explicação técnica sobre as mudanças que estavam sendo apresentadas no projeto de lei. O presidente disse à época, na explicação publicada no diário da câmara dos deputados (mensagem número 214, páginas 10 e 11), que:

Fora do âmbito da prisão cautelar, só é prevista a prisão por força de sentença condenatória definitiva. Com isso, revogam-se as disposições que permitiam a prisão em decorrência de decisão de pronúncia ou de sentença condenatória, objeto de crítica da doutrina porque representava antecipação de pena, ofendendo o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição Federal). Nesses casos a possibilidade de prisão fica reconduzida às hipóteses de preventiva.”

Portanto, a reforma feita no Código de Processo Penal em 2011 (idealizada e apresentada pelo governo FHC) teve a finalidade expressa de proibir a chamada execução provisória da pena – a prisão em decorrência de sentença condenatória ainda não transitada em julgada. Prender um condenado só depois que a condenação transitar em julgado ou preventivamente – é o que diz a lei e a explicação da lei.

Como se trata de lei federal, eventualmente o congresso poderia mudar o artigo 283 do Código de Processo Penal novamente para dispor de maneira diferente do que está disposto hoje. Mas, como dito na explicação dos motivos do projeto de lei publicada pelo presidente FHC, a mudança no artigo 283 (feita em 2011 e fruto de projeto de lei de 2001) se dava justamente para adequar o Código de Processo Penal ao que diz a Constituição Federal no inciso LVII, do artigo 5º: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” que, por se tratar de cláusula pétrea, não pode ser mudado.

Então, o que o Supremo vai ter que analisar é se esse artigo 283 do Código de Processo Penal está de acordo com a Constituição. E se levarem em conta o que disse o então presidente Fernando Henrique Cardoso em 2001 no sentido de que a mudança no artigo 283 do CPP se daria justamente para proibir a execução provisória da pena, a conclusão terá de ser a de que hoje não é legal nem constitucional a prisão em decorrência de condenação ainda não transitada em julgado

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