Entendimentos Diversos

Súmulas do Carf aprovadas em setembro afrontam entendimentos do judiciário

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16 de outubro de 2019, 7h27

O uso de súmulas nos julgamentos de processos administrativos pelos órgãos fazendários, como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tem sido discutido pela comunidade jurídica, que alega afronta a decisões do Poder Judiciário em pelo menos oito verbetes. 

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Súmulas aprovadas pelo Carf em setembro afrontam Judiciário
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Em setembro, o tribunal administrativo aprovou 33 novas súmulas jurisprudenciais e rejeitou outras três. Estava na pauta a análise de 50 verbetes.

Em outubro, o Ministério da Economia criou e revogou portaria que instituía o Comitê de Súmulas da Administração Tributária Federal. Pelo ato, apenas Receita e PGFN poderiam aprovar os enunciados. 

Súmula 126
Para o tributarista Allan Fallet, do escritório Amaral Veiga, a primeira impressão é de que algumas matérias estão sendo decididas por voto de qualidade ou por maioria, sem que as discussões estejam suficientemente amadurecidas para a aprovação de uma súmula. Além disso, alguns temas estão aguardando definição pelos tribunais superiores.

"O caso da súmula 126 era decidido até o início de 2017 por voto de qualidade. Apenas no final de 2017, com mais uma mudança na composição, o entendimento restou mantido, só que agora por maioria de votos. Contudo, existem vários argumentos levantados por contribuintes e conselheiros contrários às premissas utilizadas, inclusive, aquelas que afastaram a aplicação do instituto da denúncia espontânea com base na Súmula 49 do Carf e no entendimento do STJ", explica o advogado.

A súmula 126 aborda o alcance das denúncias espontâneas, e recebeu atribuição de efeito vinculante em abril deste ano.

Súmula 127
Já com relação a súmula 127, que trata da incidência da Cide na contratação de serviços técnicos do exterior, Fallet explica que o tema ainda precisa ser pacificado pelas cortes superiores. Está em análise no STF o RE 928.943, em que se discute a delimitação do perfil constitucional da contribuição incidente sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente de contratos que tenham por objeto licenças de uso e transferência de tecnologia, serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes.

"E no STJ um caso (REsp 1655415) foi devolvido para o Tribunal de origem para aguardar a publicação do acórdão do respectivo recurso excepcional representativo da controvérsia. Tendo em vista o aguardo do posicionamento do Judiciário, o avanço tecnológico e a dificuldade das autoridades fiscais entenderem essas operações, será que os preceitos da legislação nacional que efetivamente tratavam dessa forma apenas aqueles serviços diretamente relacionados à transferência de tecnologia não vai levar para o Judiciário uma enxurrada de medidas judiciais?", questiona. 

Súmula 148
O tributarista Igor Mauler questiona a súmula 148, que diz que "No caso de multa por descumprimento de obrigação acessória previdenciária, a aferição da decadência tem sempre como base o artigo 173, I, do CTN, ainda que se verifique pagamento antecipado da obrigação principal correlata ou esta tenha sido fulminada pela decadência". 

"A obrigação acessória serve à fiscalização do cumprimento da obrigação principal. Extinta esta última pela decadência, não há sentido em autuar o contribuinte pelo descumprimento da primeira", explica o advogado. 

Súmula 150
Os advogados Thais Veiga ShingaiBreno Vasconcelos, sócios do Mannrich e Vasconcelos Advogados, afirmam que das 33 súmulas, pelo menos quatro vão contra julgados dos tribunais superiores. 

"Sobre a súmula 150, alguns contribuintes têm alegado que o recolhimento do Funrural por subrogação não é disciplinado pela Lei 10.256/2001, de modo que, após a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos das Leis 8.540/92 e 9.528/97, não haveria dispositivo legal em vigor para a exigência da contribuição nesses moldes (por subrogação)", explicam. 

Segundo os advogados, apesar de  a RFB e a PGFN terem se manifestado em sentido contrário a essa tese de inconstitucionalidade, há decisões do TRF da 3ª Região suspendendo a retenção e o recolhimento do Funrural por subrogação. "É importante registrar, contudo, que também há decisões desfavoráveis sobre esse tema", explicam. 

Súmula 154
A súmula 154 determina que "constatada a oposição ilegítima ao ressarcimento de crédito presumido do IPI, a correção monetária, pela taxa SELIC, deve ser contada a partir do encerramento do prazo de 360 dias para a análise do pedido do contribuinte, conforme o art. 24 da Lei 11.457/2007". O advogado Igor Mauler comenta que o Carf também se precipitou sobre esse tema.  

"A matéria está em debate na 1ª Seção do STJ, sendo precipitada a edição da súmula Carf. Se a decisão reconhece que a resistência foi ilegítima por razões de mérito, a correção deve dar-se desde o nascimento do crédito. Se a resistência ilegítima corresponde à própria demora no deferimento, o prazo de 360 dias se justifica, pois só aí ela se verificou", aponta. 

Súmula 156
A súmula 156 trata do prazo quinquenal de decadência do direito de lançar tributos suspensos no regime de drawback, modalidade suspensão. Segundo os advogados Thais Veiga ShingaiBreno Vasconcelos, essa súmula contraria manifestações do STJ de que a constituição dos tributos objeto do drawback ocorre no momento da assinatura do termo de responsabilidade, ficando o crédito tributário com exigibilidade suspensa.

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Súmulas aprovadas pelo Carf em setembro afrontam Judiciário
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"Assim, não haveria prazo decadencial para lançamento, como afirmado na súmula, mas sim prazo prescricional para cobrança. Dessa forma, por exemplo, um contribuinte que sofreu auto de infração nesse sentido pode, depois de cinco anos contados da assinatura do termo de responsabilidade, alegar que a cobrança está prescrita", dizem. 

Carlos Daniel Neto, advogado e ex-conselheiro do Carf, também considera a súmula uma das que mais flagrantemente afrontam a jurisprudência de outros tribunais. 

"A função das súmulas do Carf é sedimentar entendimentos que estão consolidados na sua jurisprudência. Entretanto, a existência de controvérsias não apenas no âmbito dos Tribunais Judiciais, mas também dentro do próprio órgão administrativo, em temas como aqueles tratados nas súmulas 158 (IRRF na base de cálculo da CIDE-remessas) e 156 (decadência para cobrança dos tributos suspensos em regime de drawback), equivale à imposição de um entendimento eventualmente majoritário, o que, longe de pacificar, intensifica a litigiosidade sobre essas matérias", pontua.

A análise também foi feita por Gabriela Firmbach, do Pimentel & Rohenkohl Advogados Associados, em artigo publicado pela ConJur. Ela destaca a grande chance de êxito do questionamento judicial das decisões do Carf tomadas com base na súmula.

Súmula 158
Em relação a súmula 158, Thais e Breno avaliam que, embora essa questão tenha sido pouco explorada na esfera judicial, não havendo ainda precedentes das Cortes Superiores, a crítica que pode ser feita é justamente a de que a consolidação dessa jurisprudência no âmbito do Carf aconteceu muito cedo.

"Vale dizer, ao nosso ver, o Conselho poderia ter aguardado a evolução da discussão na esfera judicial. Sendo editada a súmula, haverá um maior número de julgamentos desfavoráveis aos contribuintes na esfera administrativa e, consequentemente, maior judicialização da questão", pontuam. 

O advogado tributarista Breno de Paula também destaca a controvérsia da súmula. Segundo ele, o verbete afirma que Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) incidente sobre valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração pelas obrigações contraídas, compõe a base de cálculo da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).

"Esse verbete é altamente controvertido e diverge de recentes decisões do próprio Carf e de várias decisões do Judiciário. Em vários julgados, no Carf e em varas conclui-se que o IR representa despesa própria que não pode ser incluída na base de cálculo da CIDE, em atenção ao princípio da interpretação estrita em matéria de incidência tributária", explica. 

Súmula 161
A última súmula citada pelos advogados Thais e Breno é a súmula 161, que, segundo eles, entendimento não está consolidado na esfera judicial, mas há decisões favoráveis aos contribuintes no sentido de que, se a mercadoria foi adequadamente descrita na DI, havendo mera divergência de interpretação quanto à classificação fiscal, deve ser afastada referida multa de 1%. Há poucas manifestações do STJ sobre a matéria, sendo que inicialmente havia entendimento favorável aos contribuintes. 

"Essa súmula sempre chamou nossa atenção por consolidar o entendimento bastante restritivo de que, mesmo se ao final do processo administrativo for concluído que tanto o Fisco como o contribuinte adotaram classificações fiscais incorretas, deve ser mantida a multa de 1% do valor aduaneiro por erro de classificação fiscal, atualmente prevista no art. 711, I do Regulamento Aduaneiro. Esse entendimento incomoda porque as regras de classificação fiscal são muito complexas e se o enquadramento de um produto na NCM gera tanta divergência de interpretação a ponto de haver três ou mais entendimentos divergentes, não é razoável exigir essa multa, que costuma ser bastante gravosa em razão da amplitude da base de cálculo, que corresponde ao valor aduaneiro", diz.

Adriana Seadi Kessler, do Pimentel & Rohenkohl Advogados Associados, também em artigo publicado na ConJur, destacou a tendência dos tribunais em decidir no sentido contrário ao da súmula. "Os tribunais pátrios têm afastado a incidência da referida multa nos casos em que não se verifica má-fé na conduta do importador que caracterize fraude, ou algum elemento concreto que indique vantagem que adviria em favor do contribuinte pelos fatos ocorridos ou inexistente diferença no recolhimento dos tributos devidos", apontou.

"Assim, o enunciado da Súmula Carf 161 vai diretamente de encontro ao entendimento da jurisprudência da maioria dos tribunais judiciais do País, em especial o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tem entendimento pacificado com relação à matéria."

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