Atenção nas cláusulas

"Flexibilidade da arbitragem oferece muitas ferramentas para proteger cliente"

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13 de outubro de 2019, 9h00

Spacca
A arbitragem é um processo absolutamente à parte, e não uma ação judicial privada. Assim, as partes podem combinar como serão as regras processuais. E a própria elaboração dessas cláusulas já é parte da defesa do cliente, antes mesmo de o litígio ocorrer. 

A lição é do advogado e árbitro norte-americano Mark Cymrot. Para exemplificar a importância dessa etapa, o operador do Direito contou em entrevista à ConJur um caso no qual um esquema fraudulento se sustentava no sigilo estipulado nas cláusulas arbitrais. 

Um fundo de investimentos de Londres contratou um agente nos Estados Unidos. Porém, o contratado se envolvia em esquema ilegais. O fundo quis cancelar o contrato e o agente processou na arbitragem por quebra de contrato. Mais tarde, descobriu-se que ele agia dessa forma com todos os clientes, mas os contratos de arbitragem previam sigilo. Então, seu esquema fraudulento permanecia fora dos radares. 

"A corte arbitral decidiu contra a gente. Fomos para o Judiciário de Londres e o juiz achou os acontecimentos tão absurdos que reverteu a decisão. Então acabamos vencendo. Mas ficamos muito próximos de perder por conta da natureza da arbitragem em si", conta. 

Cymrot começou sua carreira no Departamento de Justiça dos EUA lidando com casos de fraude e corrupção. “Recuperando dinheiro para o governo dos EUA”, simplifica.

Deixou o cargo no governo para advogar, passou a atuar em arbitragem e desde 2004 passou a também ser árbitro, atuando geralmente em casos internacionais.

O Brasil cruzou o caminho de Cymrot na figura de Naji Nahas, o empresário libanês que se exilou no Brasil. O advogado defendeu o governo do Peru em processo contra um pool formado por bilionários dos EUA, príncipes sauditas e Nahas. O grupo era acusado de manipular o preço da prata. O Peru saiu vitorioso do processo. 

O advogado esteve no Brasil em setembro para palestrar no evento mensal do Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados). À ConJur, falou sobre as diferença da arbitragem e da ação judicial, dos avanços do Brasil na área e os desafios da arbitragem pelo mundo. 

Leia a entrevista:

ConJur — Vamos começar com aquele exemplo que o senhor já citou sobre como a arbitragem pode ser utilizada de modo a prejudicar uma das partes. 
Mark Cymrot
— Nós representamos um fundo de investimentos de Londres. Eles contrataram um agente nos Estados Unidos que teria a missão de encontrar investidores. O fundo estava preocupado porque na época acontecia muito um esquema chamado “pague para jogar”. Basicamente era fazer uma campanha para um membro do governo investisse o dinheiro de um fundo de pensão em um fundo de investimentos. O pessoal de Londres não queria ter nada a ver com isso e ficaram preocupados. Vieram a descobrir que o cara contratado era sujo e fazia esse tipo de esquema.

Eles queriam cancelar o contrato, mas o agente processou eles por meio da arbitragem. Acontece que ele sempre incluía a clausula de sigilo e seus futuros contratantes não tinham como saber que ele entrava em litígio com literalmente todos que o contratavam. Tivemos então que provar que ele estava envolvido no “pague para jogar”. As cortes de Londres são especialmente dificeís de convencer a reverter uma decisão arbitral. Fomos atrás das informações públicas e de depoimentos de testemunhas e provamos o envolvimento no esquema fraudulento.

A corte arbitral decidiu contra a gente. Fomos para o Judiciário de Londres e o juiz achou os acontecimentos tão absurdos que reverteu a decisão. Então acabamos vencendo. Mas ficamos muito próximos de perder por conta da natureza da arbitragem em si. 

ConJur  Isso é interessante, pois ele fez um esquema criminoso usando o sigilo da arbitragem.
Mark Cymrot
 Exato. É isso que você pode fazer. Você pode criar uma cláusula que é mais para o seu lado. Ou você deve estar ciente que o outro lado pode estar fazendo isso. Empresas de petróleo em contratos bilionários usam cláusulas padrão. 

ConJur  O que o senhor diria para um advogado que irá começar a atuar em processos arbitrais?
Mark Cymrot  O que os advogados que estão chegando agora à arbitragem devem entender é que a arbitragem é um processo privado. É um processo por acordo. Então, as duas partes podem criar o seu próprio processo. Pode ser um com bastante espaço para deliberação, ou pode ser um super rápido e curto. As partes decidem: quando de divulgação do processo teremos? Nenhuma divulgação? Quantos árbitros? Os advogados novos na arbitragem pensam que é uma corte judicial, só que privada. E realmente não é isso, pois você cria seu próprio processo. Por isso é muito flexível e você pode fazer muitas coisas para proteger seu cliente.

ConJur  O senhor pensa que a arbitragem será sempre uma ferramente disponível apenas para empresas e governos ou um dia chegará nas pessoas comuns?
Mark Cymrot  Nos Estados Unidos, várias empresas criaram cláusulas arbitrais para seus clientes. Isso foi controverso, pois são as empresas que elaboram as cláusulas arbitrais e isso dificulta para o consumidor ter um tratamento igual. Pelo menos este é o argumento. Por isso, alguns estados têm vetado isso. É um tema controverso e há um projeto de lei no Congresso dos EUA sobre isso.

ConJur  Existe uma crítica de que poucos árbitros pegam muitos casos, o que atrasa as decisões. O senhor vê isso como um problema?
Mark Cymrot  Sim, é um problema da arbitragem no mundo todo. Isso torna o processo mais vagaroso, o que vai contra todo o propósito da arbitragem. As instituições arbitrais estão tentando expandir a lista de árbitros, tentando trazer mulheres, pessoas jovens. O pouco número de árbitros também encarece muito o processo. É um problema sério.

ConJur  Como vê a arbitragem no Brasil?
Mark Cymrot  Em 2015 o Supremo Tribunal Federal criou jurisprudência favorável à arbitragem. Então agora o Brasil é visto como um país favorável à arbitragem. Agora acho que os empresários têm que se acostumar com a ideia, entender como funciona, pois é diferente de uma ação judicial. O Brasil percorreu um grande caminho nos últimos cinco anos.

ConJur  É muito raro uma decisão arbitral ser contestada na Justiça nos EUA?
Mark Cymrot  Não é tão raro. Nos Estados Unidos todo mundo é muito litigioso. Mas para reverter, é preciso que um direito fundamental tenha sido negado no processo. Mas as cortes não vão rever os fatos do caso.

ConJur  Em geral as decisões arbitrais são absolutamente sigilosas, como todo o processo.  Não é algo ruim não se criar um banco de precedentes para serem analisados, estudados?
Mark Cymrot  A confidencialidade é um dos benefícios da arbitragem para as empresas. Mas você está levantando uma questão que foi levantada pela Suprema Corte da Inglaterra em 2013. A falta de acesso aos precedentes está afetando o desenvolvimento das leis, pois as pessoas não sabem como são as decisões. Então muitas instituições arbitrais estão tentando encontrar esse equilíbrio do quanto divulgar, para que não tire o atrativo do processo, mas que também não afete o desenvolvimento do Direito.

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