Opinião

A unidade do direito e a necessidade de suspensão dos processos

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10 de outubro de 2019, 14h37

A expectativa de que deva ser proferido precedente vinculante acerca de certo tema de direito material gera a incontestável necessidade de que os processos em que se discute o mesmo tema, ou tema que dependa daquele que será objeto de decisão da corte superior, aguardem, ou, em outras palavras, sejam suspensos.

Essa suspensão é decorrência da necessidade de concretização dos princípios basilares do Estado de Direito: isonomia e previsibilidade, ou seja, segurança jurídica.

Toda a concepção do sistema de precedentes vinculantes e de valorização da jurisprudência tem fundamentalmente em vista prestigiar e concretizar o princípio da unicidade: o direito é um só.

Todas as situações idênticas devem ser disciplinadas por uma única norma, na mesma interpretação. Não é desejável, nem mesmo tolerável, que a mesma regra escrita seja entendida de modos diversos por diferentes Tribunais, pela Justiça cível e pela Justiça penal, e pela esfera administrativa. Esta situação compromete definitivamente a isonomia, a previsibilidade, gerando, em última análise, uma sociedade angustiada.

Na verdade, além da vinculação formal, deve-se ter em conta que o precedente vinculante é norma jurídica, e, portanto, deve ser respeitado pelo próprio judiciário, pela administração pública e por toda a sociedade.

Pueril entender-se que o precedente vinculante só obrigaria A ou a B. Se se trata de decisão judicial com expressiva carga normativa, sob pena de ser desrespeitada a unicidade do direito e a isonomia, deve “valer” para todos.

Diante de tal circunstância, pergunta-se: qual tratamento deve ser conferido aos demais processos pendentes de julgamento, nos quais se discute matéria de direito semelhante ou idêntica àquela que será decidida, pelo STF ou STJ, sob o rito dos recursos repetitivos ou da repercussão geral?

A resposta advém da melhor interpretação que se pode dar aos arts. 1.035, §5º, e 1.037, do CPC, a seguir transcritos:

– Art. 1.035. (…) §5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional; e

– Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual: (…) II – determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.

O Código de Processo Civil determina, então, a suspensão de todos os processos pendentes, e não apenas dos processos judiciais cíveis pendentes.

A racionalidade do ordenamento jurídico leva a que se entenda que a determinação de suspensão deve estender-se a TODOS os casos que possam ser influenciados pela norma que será criada pelo tribunal superior, que é individual e concreta para as partes envolvidas no recurso repetitivo, mas geral e abstrata para aquelas que integram os polos ativo e passivo de outros processos (seja qual for a sua natureza).

Esta suspensão se revela imprescindível ainda mais quando se trata de matéria tributária. Isto se deve a que, a nosso ver, o Direito Tributário é uma área do direito a que temos chamado de rígida, ou seja, daquelas em que são relevantíssimos princípios como, por exemplo, o da anterioridade, que se relacionam intimamente com os valores previsibilidade e segurança jurídica.

Do que se disse, depreende-se que a não suspensão dos feitos em discussão na via administrativa põe em risco, no que tange ao sistema jurídico, a:

  • i) racionalidade, pois o Estado, que também é uno, terá um dos seus setores impulsionados (o administrativo) para decidir algo que poderá, no fim das contas, configurar algo diametralmente oposto à posição do STF ou do STJ – ou seja, que não servirá para absolutamente nada.
  • ii) eficiência, pois é totalmente desnecessário e contraproducente conferir impulso a um processo (seja ele qual for e em que âmbito estiver – judicial ou administrativo) sem se saber qual é a conduta que deve pautar o comportamento tanto do particular como do Estado.
  • iii) isonomia, –à luz, inclusive, da legalidade e da segurança jurídica, pois de nada valeria a lei ser igual para todos se a Administração e o Judiciário pudessem interpretá-las de diferentes maneiras, ficando o particular à mercê do acaso daquilo que se se pode chamar de decisões-surpresa.

A força que o novo código de processo civil empresta à jurisprudência e aos precedentes, tendo, inclusive, criado os ditos “vinculantes”, não admite que se chegue a outra conclusão se não a de que se quer, de uma vez por todas, acabar com a inadmissível ofensa à isonomia gerada pela exagerada tolerância de que cada regra escrita possa ser compreendida à luz da livre convicção do intérprete, seja este quem for, dando soluções diferentes a situações substancialmente iguais.

Autores

  • Brave

    é advogada, professora livre-docente da PUC-SP e doutora e mestre em Direito pela mesma instituição, além de professora visitante na Universidade de Cambridge (Inglaterra) e na Universidade de Lisboa (Portugal).

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