Surto anticorrupção

Procurador que esfaqueou juíza tinha carreira brilhante pela frente

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4 de outubro de 2019, 18h56

Ninguém ainda entendeu o que levou o procurador da Fazenda Matheus Carneiro Assunção a querer matar um juiz. Na quinta-feira (3/10), ele foi preso em flagrante depois de dar uma facada na juíza Louise Filgueiras na sede do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo.

O procurador Matheus Carneiro Assunção, preso em flagrante depois de dar uma facada na juíza Louise Filgueiras
Reprodução/Facebook

Quem estava no tribunal no momento da facada e acompanhou os desdobramentos da prisão do procurador, vem demonstrando certo sentimento de pena. Viram um jovem advogado com uma carreira que tinha tudo para ser brilhante em estado de surto, dando importância ao devaneio de um ex-procurador-geral da República sobre matar um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Já quem conhece o procurador ainda parece não acreditar. Colegas que falaram à ConJur, sob a condição de não ser identificadas, lamentaram a “perda de lucidez” de Assunção, que sempre se mostrou centrado e dedicado ao serviço público.

Na audiência de custódia desta sexta-feira (4/10), ficou registrado que Matheus Assunção ainda demonstrava “transtornos mentais” e aparentava estar medicado. À juíza Andréia Silva Sarney Costa Moruzzi, o procurador disse ser alcoólatra.

Dono de uma carreira acadêmica já extensa para a pouca idade, o procurador foi descrito como “qualificado, atencioso, inteligente, preparado e gentil” por quem conviveu com ele na Universidade São Paulo (USP), onde se doutorou.

Assunção é formado em Direito e em Administração pela Federal de Pernambuco, com especializações e pós-graduações na Fundação Getulio Vargas (FGV) e no Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), além de mestre e doutor em Direito Financeiro pela USP.

O doutorado foi sobre a importância do princípio da transparência para a atividade financeira do Estado Democrático de Direito. Segundo o trabalho, a aplicação do princípio da transparência, descrito no artigo 37 da Constituição Federal, deve envolver todos os aspectos da administração financeira do poder público. No entanto, ele identificou “certas áreas de opacidade”.

A tese não foi publicada na internet, apenas está disponível na biblioteca da Faculdade de Direito da USP.

Em 2011, Assunção publicou artigo na primeira edição da Revista da PGFN, onde procuradores da Fazenda Nacional podem publicar seus trabalhos de pesquisa científica.

Três anos depois da crise econômica de 2008, Matheus Assunção concluiu que a política de desoneração fiscal do governo federal serviu para conter os efeitos da crise internacional no Brasil. Mas alertou que, caso essas “políticas indutoras” resultassem em desequilíbrio do pacto federativo, medidas de compensação financeira “para corrigir as assimetrias”.

“Do contrário, poderá restar desvirtuada a finalidade constitucional que embasa a própria intervenção econômica, malferindo-se a legitimidade da sua utilização, na medida em que for ameaçado o custeio de programas sociais a cargo dos municípios e o atendimento das necessidades da população”, concluía Assunção.

O tema do federalismo voltou ao trabalho do procurador em sua dissertação de mestrado, também na USP, defendida em 2013. Na pesquisa, Assunção identificou inconstitucionalidades nos critérios de repartição dos fundos de participação dos estados e dos municípios nas receitas da União. Para o procurador, esses critérios desequilibram o “federalismo fiscal cooperativo” descrito na Constituição Federal —o tempo parece ter dado razão ao procurador, já que o federalismo fiscal é um dos temas que mais ocupam a pauta do Supremo hoje.

Foi também em 2013 que Assunção publicou outro artigo na Revista da PGFN para defender mais justiça fiscal na repartição de receita entre os entes federados. Segundo o texto, para respeitar o equilíbrio fiscal, a repartição de receitas deve levar em conta o "produto da arrecadação", e não apenas o dinheiro recolhido pela administração. "Produto da arrecadação", dizia ele, "se refere anão apenas o pagamento em dinheiro, forma típica de extinção do crédito tributário, mas também os valores referentes a adjudicações e arrematações de bens em hastas públicas".

No mesmo ano, Assunção publicou artigo na ConJur para criticar o que ele chamava de “contabilidade criativa” do governo federal. Ele se referia a decretos do fim de 2012 que remanejaram rubricas da União para que o governo pudesse bater a meta fiscal de superávit descrita na Lei de Diretrizes Orçamentárias daquele ano.

Já nesse texto, o procurador defendia o uso da transparência como “ferramenta de controle social” do governo pela população e pela mídia.

Dois anos antes, também em artigo publicado na ConJur, Assunção defendia a importância da Advocacia-Geral da União para o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Justamente a lei que a ex-presidente Dilma Rousseff foi acusada de desrespeitar no caso da “contabilidade criativa”, o que anos depois foi instruir o pedido de seu impeachment.

São informações que mostram que procurador parecia ter as ideias no lugar. E que o perfil que ele demonstrava até o dia anterior ao atendado à juíza Louise Filgueiras não permitia prever surto de tamanha gravidade.

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