Opinião

Incidência de IR e CSLL sobre valores referentes à Selic na recuperação de tributos

Autores

  • Eduardo de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário MSc candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) conselheiro do CMT (4ª Câmara Julgadora) juiz suplente do TIT professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

  • Michell Przepiorka

    é Mestrando em Direito Tributário (IBDT); especialista em Direito Tributário Internacional (IBDT) Especialista em Direito Tributário Brasileiro (IBDT); professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário; juiz do Conselho Municipal de Tributos da Prefeitura de São Paulo; e sócio de Takano e Przepiorka Advogados.

  • Caio Augusto Takano

    é advogado professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor e mestre em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).

  • Daniel de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário msc. candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) e internacional (IBDT) professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

4 de outubro de 2019, 6h50

Deparando-se com a exigência de tributo inconstitucional, cabe ao contribuinte propor ação judicial visando ao reconhecimento da inexistência da respectiva relação jurídico-tributária, de modo a assegurar tanto a impossibilidade de ser cobrado em relação aos períodos futuros, quanto o direito à recuperação dos valores indevidamente recolhidos a tal título nos últimos 5 anos anteriores ao ajuizamento da demanda judicial.

Tomando-se como exemplo tema muito abordado atualmente, esse é o contexto em que se inserem as ações judiciais ajuizadas pelos contribuintes visando ao reconhecimento do direito à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS. Além de ter sido assegurada a impossibilidade de ser exigido o PIS e a COFINS com a inclusão correspondente à parcela do ICMS, é comum que, em tais ações judiciais, também tenha sido reconhecido o direito à recuperação dos valores pagos pelo contribuinte nos 5 anos anteriores à propositura da ação judicial equivalentes à inclusão do imposto na base de cálculo das referidas contribuições.

Sem prejuízo quanto às problemáticas especificamente inerentes ao tema da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS – as quais serão por nós abordadas em artigo futuro –, é necessário analisar outra problemática igualmente relevante e que se encontra presente em todas as situações em que o contribuinte tenha obtido o reconhecimento judicial do seu direito à recuperação de valores indevidamente pagos a título de tributo ilegítimo: a controvertida incidência de IRPJ e CSLL sobre os valores referentes à Selic na recuperação de tributos.

Isso porque, sempre que o contribuinte obtém decisão transitada em julgado que lhe reconheça o direito à compensação, o indébito a ser restituído será corrigido monetariamente e serão devidos juros de mora em favor do contribuinte, nos termos do artigo 167 do Código Tributário Nacional. Ou seja, o indébito tributário será restituído acrescido da taxa Selic a ele aplicável, daí porque surge o questionamento: a Selic incidente sobre a restituição do indébito tributário é acréscimo patrimonial hábil a atrair a incidência de IRPJ e CSLL?

Sobre o tema, a Secretaria da Receita Federal do Brasil já possui entendimento antigo externado no Ato Declaratório Interpretativo (ADI) nº 25/2003, no sentido de que “Os juros incidentes sobre o indébito tributário recuperado é receita nova e, sobre ela, incidem o IRPJ, a CSLL, a Cofins e a Contribuição para o PIS/Pasep”.

Ocorre que para analisar o tema, faz-se mister estudar a qualificação jurídica do índice Selic. Com efeito, o artigo 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95, estabelece que a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) é o índice aplicável nas hipóteses de recuperação de tributos federais. De acordo com o aludido dispositivo, a Selic é calculada a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da recuperação do tributo, acrescida de 1% relativamente ao mês em que tal recuperação estiver sendo efetuada.

Ao analisar a composição da Selic, o Superior de Justiça já reconheceu que referido índice não pode ser cumulado com qualquer outro, haja vista que já englobaria os montantes equivalentes a juros e atualização monetária[1]. Assim, o posicionamento firmado pelo STJ permite concluir que a Selic: (i) é o único índice aplicável na recuperação de tributos federais; e (ii) é composta por duas grandezas econômicas distintas, quais sejam, juros e atualização monetária.

Portanto, para concluir se, de fato, é legítima a exigência de IRPJ e CSLL sobres os valores referentes à Selic incidente na recuperação de tributos, faz-se necessário analisar a qualificação jurídica dos juros e da atualização monetária, frente à materialidade dos aludidos tributos.

A atualização monetária constitui instrumento para preservação do poder aquisitivo da moeda, com o objetivo de afastar os efeitos danosos do processo inflacionário. Nessa perspectiva, a atualização monetária não traduz riqueza nova, correspondendo a elemento restaurador dos efeitos corrosivos da inflação, já que a atualização monetária é apenas a representação, no momento presente, do valor de um capital passado.

Ora, se o IRPJ e a CSLL incidem sobre o efetivo acréscimo patrimonial e o lucro, respectivamente (artigo 43 do Código Tributário Nacional e artigo 2º da Lei nº 7.689/88), ou seja, riqueza nova, é possível concluir que a atualização monetária é grandeza econômica que não pode ser submetida a sua incidência.

Nesse sentido, ao analisar a incidência de IRPJ e CSLL sobre o lucro inflacionário, o Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de reconhecer que “a correção monetária posto não ser um plus que se acrescenta, mas um minus que se evita, não traduz acréscimo patrimonial, por isso que sua aplicação não gera qualquer incremento no capital, mas tão-somente restaura dos efeitos corrosivos da inflação”[2].

Por sua vez, os juros de mora fazem parte do conceito de perdas e danos estabelecido pelo artigo 404 do Código Civil, razão pela qual é possível afirmar que possuem efeito compensatório ou reparatório dos prejuízos sofridos pelo credor.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.239.203/PR, realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, ao interpretar o artigo 404 do Código Civil, reconheceu que “o dispositivo referido atribui aos juros de mora a natureza indenizatória. Destinam-se, portanto, a reparar o prejuízo suportado pelo credor em razão da mora do devedor, o qual não efetuou o pagamento nas condições estabelecidas pela lei ou pelo contrato. Os juros de mora, portanto, não constituem verba destinada a remunerar o trabalho prestado ou capital investido”.

O referido Tribunal Superior, no julgamento do Recurso Especial repetitivo nº 1.227.133/RS, quando da análise da qualificação jurídica dos juros de mora decorrentes do atraso no pagamento de verbas de natureza trabalhista reconhecidas por decisão judicial, partiu da premissa de que “não incide imposto de renda sobre os juros moratórios legais em decorrência de sua natureza e função indenizatória ampla”.

Por outro lado, não se pode ignorar que, o mesmo Superior Tribunal de Justiça, contrariamente ao que já vinha reconhecendo, quando do julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.138.695/SC, firmou entendimento no sentido de que os “juros incidentes na repetição do indébito tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, se encontram dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa”.

Nessa mesma oportunidade, o Tribunal Superior entendeu que seria legítima a exigência de IRPJ e CSLL sobre os juros incidentes da devolução de depósitos judiciais, sob o fundamento de que possuiriam natureza remuneratória (receitas financeiras).

Importante destacar que o referido acórdão não transitou em julgado, na medida em que foram opostos Embargos de Divergência, os quais se encontram pendentes de julgamento até o momento. Logo, a despeito de se tratar de entendimento vinculante atualmente aplicável, não se pode ignorar que o resultado do julgamento pode vir a ser alterado quando do julgamento dos aludidos Embargos de Divergência.

Entretanto, a despeito do entendimento vinculante do STJ, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 5025380-97.2014.4.04.0000, reconheceu que “A incidência do IR e da CSLL sobre a taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito, via de consequência, afronta o disposto nos arts. 153, inc. III, e 195, inc. I, 'c', da CF”.

Diante da conclusão adotada, o TRF4 declarou a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88, do art. 17 do Decreto-Lei nº 1.598/77, e do art. 43, inc. II e § 1º, do CTN, “de forma a afastar da incidência do imposto de renda (IR) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) sobre a taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito”.

Para reconhecer a inconstitucionalidade da exigência do IRPJ e da CSLL sobre a Selic incidente sobre o indébito tributário, o TRF4 partiu da premissa justamente do “caráter dúplice” da Selic frente à materialidade dos referidos tributos: “em face do caráter indissociável da natureza da Taxa Selic que é composta de correção monetária mais juros de mora, os últimos já definidos como sendo de natureza indenizatória, em anterior incidente de inconstitucionalidade que lhe serve de paradigma, e a primeira por representar mera atualização do padrão monetária, não implicando em riqueza nova, ou seja, acréscimo patrimonial ou renda”.

Além disso, para reconhecimento da inconstitucionalidade, o TRF4 também entendeu que a exigência de IRPJ e CSLL sobre a Selic incidente na recuperação de tributos violaria os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na medida em que se estaria admitindo que o Estado poderia “dar com uma mão” (devolver o tributo pago indevido), mas “tirar com outra” (exigir o pagamento de IRPJ e CSLL sobre a Selic que, em última instância, decorre de um ilícito por si praticado, qual seja, a exigência de tributo indevido): “foge à razoabilidade que se permita que o Estado, ao perpetrar um ilícito, qual seja, a imposição de uma exação indevida, venha, ao ser condenado a restituir esse valor, a tributar o valor relativo à indenização desse seu atuar indevido”.

Trata-se de importante precedente sobre o matéria (e vinculante no âmbito do TRF4), na medida em que, a despeito da legitimidade da exigência do IRPJ e da CSLL sobre a Selic incidente na recuperação do indébito tributário ter sido reconhecida pelo STJ sob o viés de sua suposta legalidade, o TRF4 partiu de premissa diversa, entendendo que a incidência dos aludidos tributos seria indevida sob a perspectiva constitucional.

Em face do acórdão proferido pelo TRF4 que reconheceu a inconstitucionalidade de diversos dispositivos da legislação federal, a União interpôs Recurso Extraordinário, de modo que, com a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, foi reconhecida a repercussão geral da matéria (RE 1.063.187/SC).

Anteriormente, o Supremo Tribunal Federal possuía entendimento no sentido de que tal matéria possuía natureza infraconstitucional, razão pela qual não seria passível de análise no âmbito do Recurso Extraordinário.

No entanto, diante do fato de que o TRF4 reconheceu a inconstitucionalidade dos dispositivos que autorizariam a cobrança, a Suprema Corte entendeu que “tal fato constitui circunstância nova suficiente para justificar, agora, seu caráter constitucional e o reconhecimento da repercussão geral da matéria”.

O pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, sob a sistemática da repercussão geral (e, portanto, vinculante perante todos os órgãos do Poder Judiciário) será capaz de solucionar a controvérsia sobre o tema.

Esperamos que tal solução, a ser desenhada por nossa Corte Constitucional, siga as premissas já fixadas pelo TRF-4, na medida em que o entendimento fixado pelo referido Tribunal Regional Federal está perfeitamente em linha com a real natureza jurídica da Selic, sendo totalmente incabível, a nosso ver, reconhecer-se qualquer tipo de acréscimo patrimonial de riqueza nova em relação à Selic incidente sobre o indébito tributário que pudesse, ainda que remotamente, dar ensejo à tributação pelo IRPJ/CSLL, mormente pelo fato de que a mera recomposição do poder de compra da moeda e a indenização pela mora estatal na restituição, obviamente, não são equivalentes à aquisição de riqueza nova que se traduza em disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou demais rendimentos.


[1] A título de exemplo, cite-se: REsp 1111175/SP, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, julgado em 10/06/2009, DJe 01/07/2009

[2] AgRg nos EREsp 436.302/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 22/08/2007, DJ 17/09/2007, p. 197

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    é sócio do Vieira, Drigo e Vasconcellos Advogados, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), mestrando em Direito Tributário pela FGV-SP, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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    é Mestrando em Direito Tributário (IBDT); especialista em Direito Tributário Internacional (IBDT) Especialista em Direito Tributário Brasileiro (IBDT); professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário; juiz do Conselho Municipal de Tributos da Prefeitura de São Paulo; e sócio de Takano e Przepiorka Advogados.

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    é mestre e doutor em Direito Tributário (USP); Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo; juiz do Conselho Municipal de Tributos da Prefeitura de São Paulo; e sócio de Takano e Przepiorka Advogados.

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    é mestre em Direito Tributário (FGV Direito/SP); especialista em Direito Tributário Internacional (IBDT); especialista em Direito Tributário Brasileiro (PUC-COGEAE); professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário; e sócio de Vieira, Drigo e Vasconcellos Advogados.

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