Opinião

O combate à corrupção deve muito à "lava jato"

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3 de outubro de 2019, 6h30

A operação "lava jato" teve seus primeiros momentos no ano de 2014, quando surgiram denúncias envolvendo a Petrobras e seus diretores. A sociedade assistia estarrecida à progressiva revelação de casos de corrupção na maior estatal brasileira e por inúmeras vezes se pedia a revelação dos escândalos, para que a população pudesse saber quem eram os envolvidos, qual o montante desviado e o modus operandi dos corruptos. A "lava jato" trouxe à tona diversos episódios de desvio de dinheiro público.

As investigações também revelaram uma enorme organização criminosa envolvendo os mais altos políticos do país e grandes empresas. Governadores, ministros, executivos, deputados e senadores foram presos e milhões de reais foram recuperados aos cofres públicos.

Uma detalhada rotina de conluio entre políticos e empresários, unidos pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, veio à tona e o Brasil, entristecido, mas confiante na Justiça e na punição dos corruptos passou a acompanhar todo o desenrolar dos fatos. Nunca, certamente, se deu tanta atenção aos processos que tramitam no Poder Judiciário.

Sempre que instada a se posicionar, a OAB apoiou incondicionalmente as iniciativas de combate à corrupção, notadamente por meio da operação "lava jato", invariavelmente pedindo que a justiça fosse feita, com rigorosa observância ao devido processo legal, previsto como garantia fundamental, na Constituição da República.

Lamentavelmente, todo o questionamento que hoje algumas decisões da "lava jato" sofrem, advém da falta de zelo com o princípio do devido processo legal, pelas autoridades. Entretanto, malgrado denúncias de violação ao princípio da imparcialidade, de uso de provas obtidas irregularmente e do vazamento seletivo de informações, com muita razão estejam sendo debatidas atualmente, é fato que muito do que se produziu em termos de provas e decisões condenatórias, possui suporte em sólidas fundamentações e até mesmo em confissões por parte dos acusados.

O Supremo Tribunal Federal (STF) terá, nesta semana, a oportunidade de analisar os efeitos da violação do devido processo legal, na operação "lava jato". No julgamento do HC 166373, realizado na semana passada, o Supremo reconheceu que a ordem de apresentação de alegações finais, deve seguir o princípio do contraditório, e que, delatores, devem se manifestar antes dos delatados.

Essa é uma regra que vem sendo utilizada há algum tempo pelos magistrados que substituíram o juiz Sérgio Moro, na 13ª. Vara Federal de Curitiba, ou seja, já é reconhecida como regra adequada pela primeira instância. Assim, inobstante as críticas lançadas contra a decisão do STF, é certo que ela não contém nada de extraordinário, consagra algo que já está sendo aplicado e se ampara no antigo princípio do contraditório.

No entanto, argumenta-se que a decisão proferida no HC 166373, poderá anular todo o trabalho realizado pela operação, tornando inócuas diversas condenações, que poderão ser alcançadas pela prescrição. Mas há um detalhe no julgamento do HC 166373 que não pode passar desapercebido: esse HC é fruto de um intenso debate, realizado no momento oportuno pela defesa do delatado, que vinha se insurgindo contra a apresentação das alegações finais na mesma oportunidade reservada aos delatores.

O devido processo legal é, como dito acima, uma garantia constitucional. É uma forma de consagração de duas outras extraordinárias garantias, a ampla defesa e o contraditório. Punir alguém, sem respeitar essas garantias, não há dúvidas, é ato arbitrário e ilegal.

Mas as formas devem ser respeitadas em nome da realização do direito material e a sua proclamação tardia deve levar em conta se se trata de nulidade relativa ou absoluta. É claro que todas as nulidades comprometem o devido processo legal, mas é preciso analisar casuisticamente suas gravidades e intensidades, notadamente para o exercício da ampla defesa. Por isso, nulidades relativas devem ser denunciadas imediatamente, sob pena de preclusão. Já as nulidades absolutas, não se convalidam. Há, no processo penal, regra explícita no artigo 571, do Código de Processo Penal (CPP). E também o artigo 572 diz que se não forem arguidas no tempo oportuno, as nulidades ficam convalidadas (inciso I), bem como se convalidam, caso, tacitamente, tenham sido aceitos seus efeitos (inciso III). Nulidade pela não observância da ordem na apresentação das alegações finais deve ser combatida no mesmo momento em que ocorre.

Portanto, espera-se do STF discernimento, bom-senso e equilíbrio. O alcance da proclamação de nulidade em julgamento no qual houve pedido expresso da parte, nos termos do que a lei infraconstitucional determina, não se pode dar a todo e qualquer caso, especialmente se, nos outros casos, a nulidade foi convalidada pelo silêncio ou pela aceitação tácita. É legítima, portanto, a análise pelo STF do alcance da decisão proferida no HC 166373, porquanto dela dependerá a efetividade de várias decisões e atos de combate à corrupção no país.

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