Opinião

A produção antecipada de prova no Código de Processo Civil

Autores

  • Flavio Quinaud Pedron

    é sócio do Pedron Advogados doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) professor na UniFG (Bahia) na PUC-Minas e no IBMEC editor-chefe da Revista de Direito da Faculdade Guanambi e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional da Associação Brasileira de Direito Processual e da Rede Brasileira de Direito e Literatura.

  • Ana Paula Gonçalves

    cursa o 6° período de direito no IBMEC; e participa do grupo de estudos de Teoria Geral do Processo e Processo Civil.

  • José Romero G S Corrêa

    é estagiário no escritório BLS Law; 6° período de direito no IBMEC; e participa do grupo de estudos de Teoria Geral do Processo e Processo Civil.

  • Renata Estrada Costa

    cursa o 6° período de direito no IBMEC; e participa do grupo de estudos de Teoria Geral do Processo e Processo Civil.

  • Bianca Mendonça Alves

    é estagiária no escritório APA Advogados; cursa o 6° período de direito no IBMEC; e participa do grupo de estudos de Teoria Geral do Processo e Processo Civil.

1 de outubro de 2019, 6h23

O CPC/2015 denota clara preocupação com o princípio da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII, da CR/88) e na busca por instrumentos processuais que proporcionem maior agilidade na conclusão da demanda judiciária, trouxe sob uma nova roupagem e objetivos, uma importante mudança. Com efeito, esse inquestionável avanço foi, sem dúvida alguma, a reformulação da ação de produção antecipada de provas.

Na vigência do CPC/73, a antecipação probatória operacionalizava-se através de procedimento cautelar específico consistente em interrogatório da parte, inquirição de testemunhas ou exame pericial. Mas a grande mudança, de certo inspirada no sistema da Common Law, foi destinar a antecipação de provas para permitir a resolução consensual de conflitos, bem como evitar ou justificar o ajuizamento de ações. Trata-se de um mecanismo importantíssimo posto à disposição dos jurisdicionados na medida em que poderão, produzir uma prova diante do conhecimento e esclarecimento de fatos, analisar, com maior precisão e segurança, os custos, as vantagens e os riscos de se submeterem à decisão de um juiz.

O novo CPC sistematizou o direito autônomo à prova ou direito probatório autônomo, que deriva, em último grau, da garantia fundamental de acesso à jurisdição, assegurada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988. Não é surpresa que a garantia de acesso à jurisdição exige, além do acesso formal aos órgãos do Poder Judiciário, a justa, célere e efetiva tutela jurisdicional. O direito à prova é, portanto, uma garantia constitucional.

A produção antecipada de provas é uma ação cível, iniciada por petição. Possui rito simplificado, com prazos exíguos e limitações às manifestações das partes. O juízo de conhecimento é sumário, cabendo ao juiz apenas atestar o cabimento da medida e a regularidade da prova produzida, sem valorar o seu conteúdo. A prova produzida de forma antecipada é cabível em qualquer eventual demanda, contenciosa ou de jurisdição voluntária, e em qualquer meio de prova, podendo ser documental, testemunhal, ou pericial.Por ter o caráter autônomo, entende-se que não há vinculação entre esta medida processual e uma eventual demanda de mérito que seja ajuizada com base na prova produzida. Trata-se de ação independente, que uma vez realizada, nem previne o juízo.

O advento do CPC/2015 inovou para além das hipóteses de urgência. Ao contrário do art. 846 do código anterior, o novo CPC não delimita qual tipo de prova pode ser antecipado, sendo assim, possível a antecipação qualquer modalidade de prova. Sob essa égide, a produção antecipada de provas reveste-se de natureza cautelar apenas excepcionalmente. Com a mudança, ampliou-se o rol de meios de provas aptos a serem produzidos antecipadamente e dispensou-se a necessidade da propositura de ação principal para manter a sua eficácia. Uma das novas hipóteses de antecipação da prova é quando seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito. Percebemos que essa possibilidade é uma tentativa de ajudar a desobstruir o judiciário, evitando a propositura da ação e optando por outro meio de resolução do conflito. Por meio da produção da prova, as partes entenderão melhor a situação em questão e os possíveis resultados no judiciário, e assim poderão resolver o conflito sem o litígio, sendo mais benéfico para todos.O terceiro inciso do artigo 381 nos traz um último caso em que a produção antecipada é admitida: “Quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação”. Como dito anteriormente, a prova viabiliza que o autor entenda suas chances de sucesso no meio judicial e perceba se há legitimidade para o ajuizamento da ação, assim prevenindo ações que não terão êxito. O parágrafo 5º do mesmo artigo também possibilita a aplicação destes àquele que pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica para simples documento e sem caráter contencioso, que exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção. O § 1º do art. 381 regulamenta a quarta hipótese. É possível, através da antecipação de provas, promover arrolamento de bens “quando tiver por finalidade apenas a realização de documentação e não a prática de atos de apreensão”. O arrolamento de bens no código anterior possuía natureza eminentemente cautelar, uma vez que se aplicava, nos termos do antigo art. 855, quando se verificava fundado receio de extravio ou de dissipação de bens.

No novo diploma, permite-se o arrolamento de bens através da ação autônoma sem o requisito da urgência e sem a necessidade de um processo principal desde que se tenha por escopo apenas a realização de documentação de bens (móveis, semoventes, livros, obras de arte, etc.) e não a prática de atos de apreensão. Todavia, se houver a necessidade de atos de apreensão ou restrição de posse e uso dos bens, caberá ao interessado requerer a tutela provisória de urgência cautelar (CPC, art. 301) e formular, até 30 dias após a sua efetivação, o pedido principal nos mesmos autos (CPC, art. 308), sob pena de os bens serem liberados.

O artigo 382 em seu caput apresenta alguns problemas: Na petição, o requerente apresentará as razões que justificam a necessidade de antecipação da prova e mencionará com precisão os fatos sobre os quais a prova há de recair. Entendemos que é necessário a exposição de um substrato fático mínimo e coerente com a medida que se quer produzir, porque a atividade probatória representa uma forma de invasão na esfera individual. Porém em muitos casos não é possível determinar com precisão os fatos sobre os quais a prova vai recair, já que uma das intenções da produção daquela prova é para que se conheça dos fatos.

Haverá a citação de interessados na produção da prova ou no fato a ser provado, salvo se inexistente caráter contencioso. Assim, será garantida a produção da prova em contraditório para que a mesma possa ser usada na ação futura. Também, os interessados poderão requerer a produção de qualquer prova no mesmo procedimento, desde que relacionada ao mesmo fato, salvo se a sua produção conjunta acarretar excessiva demora. No polo passivo, deve ser incluído aquele que poderá ser demandado ou demandante ou com quem se poderá firmar um acordo em futura ação. Ademais, considerando que autor e réu são igualmente interessados no resultado da ação, de tal maneira que a prova requerida por um pode inclusive beneficiar ao outro, a posição que ocupam na ação antecedente não possui qualquer relevância quanto à posição que poderão ocupar na ação posterior.

A prova é produzida sob o contraditório e homologada pelo juiz, o que a torna legítima e auxilia a parte a embasar de forma consistente seu pedido judicial.

Como é a mera antecipação da prova o juiz não se pronunciará sobre a ocorrência ou a inocorrência do fato, nem sobre as respectivas consequências jurídicas. Ressalta-se que não há parte vencedora e nem sucumbente. Também, de acordo com o código, no procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário.

Por fim, os autos permanecerão em cartório durante um mês para extração de cópias e certidões pelos interessados. Findo o prazo, os autos serão entregues ao promovente da medida. De posse de tais documentos, poderão os interessados ajuizar demanda própria para assegurar eventuais direitos que possam ser extraídos dos fatos provados, ou mesmo optar por uma autocomposição. A ação autônoma de produção antecipada de prova possibilita alcançar a pacificação social de forma mais célere.

Como observam Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira e Cassio Scarpinella Bueno[1], o legislador no CPC atual previu hipóteses de antecipação de prova, sem o requisito de urgência, na busca de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito, bem como quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento da ação[2].

A importância da medida antecipada de prova do artigo 381 do CPC/15, nas hipóteses dos incisos II e III, é reconhecida pelo professor Humberto Theodoro Júnior5 como importantíssima na tarefa de se evitar ações judiciais infundadas.[3] Por exemplo, o artigo 381 do CPC/15, nas hipóteses dos incisos II e III pode ser um grande aliado na busca por uma maior efetividade e eficiência do contencioso administrativo, visto que muitas das vezes a produção de provas no decorrer deste tipo de processo se mostra complicada, sendo verdadeiramente viável apenas no decorrer do procedimento comum que tem como objetivo a anulação do processo administrativo.

Após o fim do processo administrativo, ao não concordar com tal decisão é possível a propositura de ação no procedimento comum, no qual buscará a anulação das decisões proferidas no processo administrativo. Porém, a propositura de ação no procedimento comum pode ser desnecessária se a parte utilizar do pleito de antecipação de prova. Se não for observado o direito constitucional de produção de prova no decorrer do contencioso administrativo pode a parte, nos termos do artigo 381, incisos II e III, do CPC/15, ajuizar pleito de antecipação da prova, sem o requisito da urgência, perante o Poder Judiciário; antecipando-se à fase processual que naturalmente ocorreria no decorrer do procedimento comum que seria distribuído para anular as decisões proferidas no processo administrativo, ou seja, a antecipação da prova nos moldes acima auxiliará a parte a melhor instruir os seus recursos administrativos, bem como a contribuir para a efetividade e eficiência do próprio contencioso administrativo, com fulcro nos artigos 8º do CPC/15 e do artigo 37 da CF/88. Podendo com isso, diminuir o número de ações temerárias no procedimento comum.

Ao ajuizar a ação autônoma de produção antecipada da prova, a petição inicial deverá preencher os requisitos do artigo 319, CPC/15, bem como as razões que justificam a necessidade da antecipação e a indicação precisa dos fatos sobre os quais a prova recairá, conforme artigo 382, CPC/15. [4]

Como demonstrado, tanto por entendimento doutrinário, como pelo próprio texto do artigo 381, não há mais a necessidade do caráter de urgência antes requisitado no CPC/73. Pode o procedimento de produção antecipada de provas ser ajuizado com a mera pretensão de se averiguar existência de eventuais fundamentos para outro processo.

Entretanto, no que toca a aplicação deste mecanismo, é, muitas vezes, controversa sua utilização. Diferente do que mostrado acima, por outros pode ser entendido como necessário um interesse de agir por parte do autor da ação em caso de exibição de documento.

Há de se entender que tal pensamento vai em contramão ao CPC/15, uma vez que os incisos II e III do artigo 381, como restou demonstrado, tratam da possibilidade de autocomposição extrajudicial, ou ainda da eventual inviabilidade da propositura da ação. Portanto, deve-se entender como dispensável o interesse de agir.

É indubitável a transformação trazida ao ditame Processual Civil Brasileiro pela reformulação deste mecanismo, trazendo novas possibilidades para sua aplicação e colocando-o como um processo autônomo. Apesar de equívocos cometidos pelo legislador, como quanto à estipulação dos foros competentes, ou ao cabimento de defesa e recursos no processo, são um grande mérito as mudanças feitas. Uma delas sendo a possibilidade da utilização de tal mecanismo processual para a resolução consensual de conflitos. Assim, tem-se tal instituto como uma forma de evitar o ajuizamento de ações temerárias ou inviáveis, ou ainda que poderiam ser resolvidas de modo extrajudicial. Portanto, a produção antecipada de provas pode ser vista como mais um instrumento, muito necessário para o Poder Judiciário, para assegurar uma justiça mais célere e efetiva.


[1] DIDIER Jr., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de.Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. v.2. p. 140.

[2] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 353.

[3]Como já advertido, acolhendo à moderna visão doutrinária que alarga o conceito de interesse legítimo na produção antecipada de prova para além do simples risco de impossibilidade física da futura instrução no juízo contencioso, o novo código admitiu a medida em duas outras situações: (a) quando a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; e (b) quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação. O novo código reconhece, pois, riscos ou motivos jurídicos distintos da impossibilidade de produção futura da prova, mas que se mostram relevantes para ulterior tomada de decisões pela parte promovente. A falta de prova atual, por si só, pode obstar, dificultar, ou simplesmente comprometer a futura defesa de interesses em juízo. Por isso, antes de decidir sobre o ingresso em juízo, ou mesmo sobre a conveniência ou não de demandar, é justo que o interessado se certifique da realidade da situação fática em que se acha envolvido. Obtendo provas elucidadoras previamente, evitar-se-ia demanda temerária ou inadequada à real situação da controvérsia. Esclarecida a quadra fática, facilitar-se-ia a autocomposição, ou até mesmo se evitaria o ingresso em juízo com demanda desnecessária e inviável.” THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2016. p. 913.

[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. Vol. 1. 56 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. 917 p

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!