Opinião

A (i)legitimidade de PIS/Cofins sobre a taxa de administração de cartões

Autores

  • Daniel de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário msc. candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) e internacional (IBDT) professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

  • Caio Augusto Takano

    é advogado professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor e mestre em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).

  • Eduardo de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário MSc candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) conselheiro do CMT (4ª Câmara Julgadora) juiz suplente do TIT professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

  • Michell Przepiorka

    é Mestrando em Direito Tributário (IBDT); especialista em Direito Tributário Internacional (IBDT) Especialista em Direito Tributário Brasileiro (IBDT); professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário; juiz do Conselho Municipal de Tributos da Prefeitura de São Paulo; e sócio de Takano e Przepiorka Advogados.

29 de novembro de 2019, 6h29

Encontra-se pendente de julgamento, sob a sistemática da repercussão geral, perante o Supremo Tribunal Federal, o Recurso Extraordinário 1.049.811, no qual será analisada a legitimidade da incidência da contribuição ao PIS e da Cofins sobre a taxa de administração retida pelas empresas administradoras de cartões de crédito e débito[1].

No caso concreto que foi afetado para julgamento, o contribuinte busca que os valores retidos pelas administradoras de cartões de crédito e débito sejam excluídos da base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins.

Conforme se verifica do acórdão proferido nos autos do caso paradigma, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região rejeitou a pretensão do contribuinte sob o fundamento de que tal “operação não encontra qualquer respaldo em nosso ordenamento jurídico, até porque as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 não autorizam a exclusão da base de cálculo do PIS e da Cofins dos valores que as administradoras de cartão de crédito descontam das vendas realizadas por meio de cartão de crédito e/ou débito, inexistindo tampouco norma autorizadora de tal dedução”.

Com base nesta premissa, o TRF-5 entendeu que não caberia ao “Poder Judiciário, que não dispõe de função legislativa, desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados,competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes”.

Discordamos da premissa adotada por uma razão muito simples: a exclusão das taxas de administração de cartão de crédito e débito da base de cálculo das citadas contribuições não implica a atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, mas apenas no cotejo entre tais grandezas econômicas e o conceito jurídico de receita. Em outras palavras, excluir tais valores da base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins demanda apenas que se identifique se referidos ingressos se incluem ou não no signo receita — arquétipo constitucional da contribuição ao PIS e da Cofins.

Fosse verdade que tal medida demandasse atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, em igual violação teria incorrido o excelso pretório ao autorizar a exclusão do ICMS da base de cálculo das mesmas contribuições. Premissa que absolutamente não se pode concordar, haja vista a delimitação constitucional dos signos constitucionais, principalmente do signo receita, pacificamente definido pela jurisprudência da Suprema Corte.

É por isso, inclusive, que o contribuinte sustenta que a mera circunstância de o fato gerador da contribuição ao PIS e da Cofins restringir-se ao aferimento de receita já seria suficiente para se admitir conclusão no sentido de que tais tributos somente poderiam incidir sobre os valores efetivamente repassados à empresa contribuinte (“faturamento real”), após a retenção, pelas administradoras de cartões de crédito e débito, das taxas de administração cobradas pelos referidos prestadores de serviços.

A União Federal, por outro lado, entende que o valor da taxa de administração do cartão de crédito e débito, apesar de não ingressar nos cofres do contribuinte, já que é retido pelo prestador do serviço, integra o preço da operação, razão pela qual deve integrar a base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins. Isso porque, o Fisco entende que o preço do produto ou serviço pago é composto de diversas rubricas, todas estas repassadas ao consumidor final, o que englobaria a taxa de administração cobrada pelas empresas administradoras de cartão de crédito e débito.

Diante desta celeuma, o Supremo Tribunal Federal, de forma acertada, reconheceu a repercussão geral da questão, sob o fundamento de que cabe à Corte Suprema, “como fez relativamente a diversos tributos, definir o alcance da base constitucional das contribuições em jogo. O que cobrado por administradora de cartões de crédito e débito integra, para efeito do que previsto no artigo 195, inciso I, da Constituição Federal, a receita ou o faturamento da empresa vendedora de produtos?”

A nosso ver, a resposta a este questionamento é negativa. Explicamos.

De acordo com as leis 9.718/1998[2] (regime cumulativo), 10.637/2002[3] e 10.833/2003[4] (regime não cumulativo), o fato gerador da contribuição ao PIS e da Cofins, independentemente de se tratar do regime cumulativo ou não-cumulativo é“auferir receitas”, as quais comporão o conceito de receita bruta, conforme definido no artigo 12 do Decreto-lei 1.598/1977[5], ponto de partida para delimitação da base de cálculo das indigitadas contribuições.

No regime cumulativo (Lei 9.718/1998), a base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins corresponde ao faturamento do contribuinte, o qual, por sua vez, compreende a receita bruta definida pelo artigo 12 do Decreto-lei 1.598/1977, razão peal qual podemos afirmar que, após a edição da Lei 12.973/2014, referidas contribuições, calculadas sob o regime cumulativo, incidem sobre: (i) o produto da venda de bens nas operações de conta própria; (ii) o preço da prestação de serviços em geral; (iii) o resultado auferido nas operações de conta alheia; (iv) as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nas rubricas anteriores, “considerando-se estas últimas como as decorrentes da atividade típica da empresa, correspondente ao seu objeto social, ou efetivamente verificada no seu cotidiano, quando esta se afaste dos objetivos expressos em seu ato constitutivo”[6].

No regime não cumulativo (Leis 10.637/2002 e 10.833/2003), a base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, é a receita total do contribuinte, o que contempla: (i) o produto da venda de bens nas operações de conta própria; (ii) o preço da prestação de serviços em geral; (iii) o resultado auferido nas operações de conta alheia; (iv) as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nas rubricas anteriores; e (v) todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de se referirem ou não à sua atividade ou ao seu objeto principal.

Ponto comum a ambos os regimes é justamente a exata delimitação do conceito de “receita”, sobretudo se analisarmos esta questão à luz do quanto decidido pelo STF nos autos do RE 574.706 e do RE 606.107.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário 606.107[7], sob a sistemática da repercussão geral, definiu “receita” como sendo todo “ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”.

A contrario sensu, significa dizer que, se existentes quaisquer reservas ou condições atrelados a um determinado valor, não estaremos diante de receita, mas sim de um mero ingresso financeiro, o qual não dá ensejo à incidência das contribuições sob comento.

Por sua vez, nos autos do RE 574.706, julgado sob a sistemática da repercussão geral, o STF firmou tese no sentido de que o “ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”, sob o fundamento de que tais valores, apesar de integrantes do preço do produto/serviço, seriam mero ingressos financeiros a serem repassados aos cofres públicos dos estados.

A ratio decidendi do RE 606.107, aliada ao entendimento do STF firmado no RE 574.706, a nosso ver, evidenciam claramente, que é ilegítima a incidência da contribuição ao PIS e da Cofins sobre a taxa de administração de cartão de crédito/débito suportada pelos comerciantes e prestadores de serviço, na medida em que tais valores são meros ingressos financeiros que são repassados (diretamente, via retenção) a terceiros (as empresas de administração de cartão de crédito e débito).

Tais valores, portanto, não integram o patrimônio do contribuinte na condição de elemento novo, definitivo e positivo, sem reservas e condições, daí porque não se enquadram no conceito jurídico de receita delimitado pelo STF e não representam riqueza dos estabelecimentos comercializadores/prestadores de serviço, sendo verdadeiramente receita de terceiro (das administradoras de cartão de crédito/débito).

Ora, se são receitas destas (administradoras de cartão de crédito e débito), somente poderiam ser meros ingressos financeiros para aqueles (estabelecimentos comercializadores/prestadores de serviço que aceitam os pagamentos de seus produtos/serviços por meio de cartão de crédito/débito).

A bem da verdade, se já foi reconhecido pelo STF que a parcela do preço do produto/serviço referente ao ICMS, por se tratar de grandeza que será repassada aos cofres públicos dos estados, deve ser excluída da base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, já que tais valores seriam meros ingressos financeiros (e, portanto, inexistente a definitividade do ingresso para que tal valor fosse enquadrado verdadeiramente como receita), com muito mais razão devemos reconhecer a ilegitimidade da incidência de PIS/Cofins sobre a taxa de administração de cartão de crédito e débito, já que tais valores sequer chegam a ingressar (nem transitam) nos cofres do comercializador/prestador de serviço.

Por fim, não podemos nos olvidar ao fato de que a empresa administradora do cartão de crédito já recolhe a contribuição ao PIS e a Cofins incidentes sobre a sua remuneração, qual seja, justamente a Taxa de Administração (MDR) cobrada dos comerciantes e prestadores de serviços que aceitam o pagamento de seus produtos/serviços por meio dos cartões de crédito/débito.

Com o julgamento do Recurso Extraordinário sob comento, esperamos que o Supremo Tribunal Federal mantenha íntegra e coerente a sua jurisprudência (RE 574.706 e 606.107), reconhecendo a não incidência da contribuição ao PIS e da Cofins na matéria sob análise.

[1] A taxa de administração, usualmente denominada de Merchant Discount Rate (MDR), é cobrada a título de remuneração pelo serviço prestado às empresas (comerciantes ou prestadores de serviços) que recebem pagamentos por meio dos indigitados cartões.

[2] Art. 2° As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei.

Art. 3º O faturamento a que se refere o art. 2º compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977.

[3] Art. 1º A Contribuição para o PIS/Pasep, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. § 1o Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

[4] Art. 1º A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. § 1o Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os seus respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

[5] Art. 12. A receita bruta compreende: I – o produto da venda de bens nas operações de conta própria; II – o preço da prestação de serviços em geral; III – o resultado auferido nas operações de conta alheia; e IV – as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III.

[6] MINISTÉRIO DA FAZENDA. Receita Federal do Brasil. Solução de Consulta 4.005 – SRRF04/Disit. Data 06 de maio de 2016.

[7] O STF analisou questão relativa à (i)legitimidade da inclusão dos créditos de ICMS decorrentes de exportação transferidos a terceiros na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS não-cumulativas. (Cf. RE 606107, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 22/05/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-231 DIVULG 22-11-2013 PUBLIC 25-11-2013).

Autores

  • é sócio do Vieira, Drigo e Vasconcellos Advogados, mestre em Direito Tributário (FGV Direito/SP); especialista em Direito Tributário Internacional (IBDT) e em Direito Tributário brasileiro (PUC-COGEAE), professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário e membro efetivo da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB – Seção Central de São Paulo e Subseção de Pinheiros.

  • é mestre e doutor em Direito Tributário (USP); Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo; juiz do Conselho Municipal de Tributos da Prefeitura de São Paulo; e sócio de Takano e Przepiorka Advogados.

  • é sócio do Vieira, Drigo e Vasconcellos Advogados, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), mestrando em Direito Tributário pela FGV-SP, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro efetivo da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB – Seção Central de São Paulo e Subseção de Pinheiros.

  • é Mestrando em Direito Tributário (IBDT); especialista em Direito Tributário Internacional (IBDT) Especialista em Direito Tributário Brasileiro (IBDT); professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário; juiz do Conselho Municipal de Tributos da Prefeitura de São Paulo; e sócio de Takano e Przepiorka Advogados.

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