Opinião

Aspectos tributários relevantes de uma possível privatização dos Correios

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24 de novembro de 2019, 6h33

Foi publicado em 16 de outubro o Decreto 10.066/19, que dispõe sobre a qualificação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência (PPI) da República.

O PPI tem como escopo promover a interação entre o governo federal e a iniciativa privada para a realização de investimentos relacionados a empreendimentos públicos de infraestrutura e a projetos de desestatização.

O objetivo do ato ao incluir a ECT neste programa é iniciar a elaboração de análises sobre alternativas para melhorar a eficiência e sustentabilidade econômico-financeira da empresa.

Para tanto, o decreto criou um comitê interministerial, que ficará responsável por coordenar os estudos e reportar as atividades à Presidência. O comitê interministerial será composto por membros da Casa Civil, dos ministérios da Economia e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, bem como por convidados do Bndes e da própria ECT.

Obviamente no momento não há como prever as soluções que serão propostas, de toda forma certamente dentre as potenciais iniciativas está a alienação total ou parcial da ECT para o setor privado.

Sendo esse o caminho, a estratégia impõe diversos desafios.

Nessa análise nos limitaremos a abordar aspectos de natureza fiscal que deverão ser levados em consideração na modelagem econômico-financeira de eventuais soluções. Não serão comentados, portanto, aspectos constitucionais, regulatórios e administrativos.

Como se sabe, as agências dos Correios estão presentes, se não em todos, na larga maioria dos mais de 5.500 municípios brasileiros. Além disso, atualmente os Correios prestam uma gama diversificada de serviços e negócios, que compreende desde entregas postais e soluções logísticas até determinados serviços financeiros.

Tamanha capilaridade e pulverização da estrutura física e logística é hoje um enorme ativo da ECT, que assim consegue atingir um público enorme e diversificado. Seguramente esse ativo está no radar dos players interessados e serão levados em consideração nos estudos realizados para que não se percam.

Ocorre que a existência desse ativo se sustenta hoje em muito por conta de vantagens tributárias que desoneram significativamente suas atividades.

Referimo-nos mais precisamente à imunidade recíproca, que tem sido aplicada pelo Supremo Tribunal Federal para afastar a incidência de determinados impostos sobre os Correios, tais quais o ISS (ACO 811), ICMS (RE 627.051, com repercussão geral), IPTU (ACO 1075) e IPVA (ACO 919).

Em linhas gerias, a imunidades recíproca veda a instituição de impostos pela União, estados, Distrito Federal e municípios sobre os respectivos patrimônios, rendas ou serviços. Trata-se de um mecanismo de proteção que visa a garantir certa isonomia entre os entes federativos e salvaguardá-los de possíveis conflitos e interferências de um sobre outros.

Em regra, a imunidade recíproca não se aplica (i) ao patrimônio, à renda e aos serviços (tanto da administração direta quanto da indireta) relacionados à exploração de atividades econômicas (a) sob regime de direito privado ou (b) em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário; e (ii) ao imóvel (de propriedade de ente imune) que seja objeto de compromisso irretratável de compra e venda (artigo 150, parágrafo 3º, da Constituição).

As empresas públicas e as sociedades de economia mista, por sua vez, a princípio tampouco se beneficiam, pois sua personalidade jurídica de direito privado as impede de gozar de privilégios fiscais não extensivos às pessoas jurídicas do setor privado (artigo 173, parágrafo 2º, da Constituição), sob pena de se estabelecerem situações de concorrência desleal.

Na prática, porém, tem sido admitida a aplicação da imunidade recíproca a determinadas empresas públicas e sociedades de economia mista, a exemplo da ECT, cuja natureza é de empresa pública.

Especificamente no caso da ECT, entende-se que ela é uma empresa pública prestadora de serviço público obrigatório e exclusivo do Estado, o que lhe atribuiria características de entidade merecedora da imunidade.

Assim, em razão das peculiaridades do serviço postal prestado pelos correios, seria irrelevante o exercício simultâneo de outras atividades em regime de concorrência com a iniciativa privada, aplicando-se-lhe a imunidade recíproca integralmente sobre os seus serviços (RE 601.392, com repercussão geral).

O grande argumentos suscitado foi a ideia do “subsídio cruzado”, segundo o qual o exercício de determinadas atividades com caráter econômico (virtualmente tributáveis) deveria se beneficiar da imunidade, pois suas receitas são revertidas para custear e tornar viáveis serviços públicos obrigatórios e exclusivos, os quais são, via de regra, deficitários.

Ocorre que a depender da solução encontrada, poderá haver tanto a perda da natureza pública da ECT quanto o “descruzamento” entre os serviços de caráter eminentemente público e as atividades de caráter mais privado, o que ensejaria potencialmente a perda de vantagens tributárias hoje aplicáveis.

Naturalmente essa perda de vantagem fiscal deverá ser quantificada e endereçada nos estudos realizados, de forma a ser compensada ou neutralizada com os eventuais ganhos de sinergia e eficiência que os negócios gerarão para os seus interessados.

Por outro lado, sob o ponto de vista da administração pública, a venda de ativos dos Correios (inclusive linhas de negócios hoje não segregadas) tem o potencial de gerar receita com a arrecadação de impostos que hoje não recolhidos, além da arrecadação direta decorrente da alienação dos ativos em si.

Enfim, a alienação dos Correios ou seus ativos suscita complexos debates, dentre os quais se incluem determinados aspectos tributários, que deverão ser analisados com atenção tanto pelos interessados que vierem a assumir suas atividades, quanto pela própria administração pública (inclusive estados e municípios), que poderão ampliar sua arrecadação.

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