Opinião

O contexto da Resolução 295/2019 do Conselho Nacional de Justiça

Autores

  • Rachel Leticia Curcio Ximenes

    é mestre e doutora em Direito Constitucional especialista em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista da Magistratura (EPM) presidente da Comissão de Direito Notarial e de Registros da OAB-SP e especialista em Direito Notarial e Registral.

  • Tiago de Lima Almeida

    é vice-presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-SP especialista em Direito Notarial e Registral e Direito Tributário pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) MBA em Gestão Tributária pela Fundace-USP e mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP.

  • Maria Luiza Xavier Lisboa

    é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito (EPD) especialista em assessoria e consultoria para startups e advogada do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.

23 de novembro de 2019, 7h02

O Conselho Nacional de Justiça, através da Resolução 295, de 13 de setembro de 2019, passou a permitir que crianças e adolescentes de até 16 anos possam viajar desacompanhadas, de seus responsáveis, no território nacional, sem necessidade de autorização judicial.

De acordo com o artigo 2º, III, da Resolução 295/2019, basta a apresentação de uma simples autorização, por um dos genitores ou pelo representante legal da criança ou adolescente, mediante escritura pública ou documento particular com firma reconhecida, para que a criança ou adolescente viaje dentro do país.

Referida normativa teve como motivação alterações feitas à Lei 8.069/1990 — o Estatuto da Criança e do Adolescente —, no tocante às regras concernentes às viagens realizadas por menores de idade. Até a publicação da Lei 13.812/2019, adolescentes — aqueles acima de 12 anos —, podiam viajar desacompanhados, até mesmo sem autorização judicial. Após a publicação, a norma aumentou a proteção, de modo a permitir que as viagens desautorizadas pudessem ser feitas apenas pelos adolescentes maiores de 16 anos, obrigando os pais a adquirirem autorização judicial para todas as crianças e adolescentes abaixo desta idade.

A alteração legal acabou trazendo efeitos práticos nem tanto positivos. Demandas judicias cresceram significativamente, lesionando um sistema que já sofre com processos em demasia e lentidão processual. Visando corrigir esta situação, a Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo — primeira a se debruçar sobre o tema — publicou o Provimento CG 35/2019, facilitando o trâmite da locomoção de menores.

Assim, antes mesmo da publicação da Resolução 295/2019 pelo CNJ, a CGJ-SP passou a permitir que crianças e adolescentes de até 16 anos pudessem viajar desacompanhadas no estado de São Paulo, com simples autorização dos pais mediante reconhecimento de firma ou escritura pública, o que provavelmente motivou também a publicação de normativa pelo CNJ acerca da temática.

Referidas medidas ampararam-se, para tanto, em algumas outras normas vigentes em nossa legislação.

Primeiro, destacamos a permissão dada pela Lei 13.726/2018 — que trata da desburocratização da administração pública —, para que menores viajem desacompanhados, desde que munidos de autorização com firma reconhecida e com a presença dos pais no embarque.

Citamos abaixo o artigo que trata desta questão:

Art. 3º Na relação dos órgãos e entidades dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com o cidadão, é dispensada a exigência de:

(…)

VI – apresentação de autorização com firma reconhecida para viagem de menor se os pais estiverem presentes no embarque.

A desnecessidade de autorização judicial resta clara no artigo citado acima. Todavia, podemos observar que tal regra é anterior à alteração feita ao ECA, que trouxe uma norma mais rígida quanto às viagens realizadas por menores de idade. Diante disto, é possível vislumbrar um impasse quanto a aplicação da norma mais antiga, que poderia estar prejudicada frente à nova publicação. Todavia, tanto o Provimento da CGJ-SP quanto a Resolução do CNJ, ao apresentarem seus pareceres sobre o assunto, entenderam que a norma antiga não estaria revogada pela Lei 13.812/2019, que alterou o ECA, pois que não modificou a realidade existente anteriormente.

Tanto que, mesmo diante da obrigatoriedade de autorização judicial para crianças viajarem desacompanhadas — que já vigia mesmo antes da Lei 13.812/2019 —, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 131/2011, possibilitando viagens de crianças e também adolescentes ao exterior apenas com autorização dos pais com firma reconhecida.

Nesse sentido, em plena atenção aos ditames da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (artigo 2º, parágrafo 2º, da Lindb), os órgãos entenderam que nem a Resolução 131/2011, nem a Lei 13.726/2018, estariam revogadas pela Lei 13.812/2019.

Tendo isso em vista, não há plausibilidade em manter regra mais branda para deslocamentos ao exterior, enquanto que os deslocamentos dentro do país apresentam mais rigidez. Em observância também aos princípios da desburocratização dos serviços públicos, documento com firma reconhecida ou mediante escritura pública já seria suficiente para comprovar a autorização dos genitores.

A importância da Resolução 295/2019 do CNJ se dá na aplicação, no âmbito nacional da medida, uma vez que o Provimento 35/2019 da CGJ-SP abrangia apenas as viagens dentro do estado de São Paulo. A suposta regra geral continuava vigendo, até então, nos demais territórios, exigindo-se a devida autorização judicial para os menores de 16 anos que pretendessem viajar sozinhos.

Paralelo à publicação do CNJ, a fim de dirimir quaisquer controvérsias sobre o tema, o deputado federal Augusto Coutinho (Solidariedade-PE) apresentou o Projeto de Lei 4.291/2019, que flexibiliza a autorização de viagens para menores de 16 anos. Caso seja transformado em lei, a abrangência da regra será nacional e poderá apaziguar eventuais dúvidas que pairem sobre a legalidade das normas expedidas pelo CNJ e CGJ-SP.

Importante ressaltar que a Lei 13.812/2019 foi criada com o objetivo de combater o desaparecimento de pessoas. Ao limitar as hipóteses em que o menor pode viajar sozinho, a lei estaria justamente dificultando que a criança ou adolescente esteja exposto a risco de desaparecimento, e, dessa maneira, em condição de vulnerabilidade. O menor desaparecido tem mais chances de ser vítima de exploração sexual, tráfico de pessoas, trabalho ilegal, agressões físicas, envolvimento em atividades delituosas, dentre outras circunstâncias.

Nesse sentido, a rigidez no tocante às regras se mostram necessárias para evitar com que os números de desaparecimentos cresçam no país, e, também, para provocar sua diminuição. De 2007 a 2016, foram registrados 693.076 boletins de ocorrência por desaparecimentos, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (Plid), dos ministérios públicos de São Paulo e Rio de Janeiro, realizou em 2016 pesquisa que constatou que a cada dez pessoas desaparecidas no estado de São Paulo nos últimos três anos, quatro são crianças ou adolescentes[1].

Os dados são preocupantes e realmente merecem a devida atenção das autoridades. Os delegatários de serviço público podem auxiliar nesse combate, certificando devidamente as autorizações, considerando serem dotados de fé pública.

[1] https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/brasil-registra-8-desaparecimentos-por-hora-nos-ultimos-10-anos-diz-estudo-inedito.ghtml

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