Dano colateral

Mesmo sem prova de origem do disparo, Estado responde por "bala perdida"

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20 de novembro de 2019, 20h15

Ao decidir promover operação policial baseada no confronto em área densamente habitada, o Estado assume que podem ocorrer danos colaterais. Por isso, responde objetivamente por danos causados por “balas perdidas”, ainda que não seja possível provar que o disparo saiu de uma arma empunhada por policial.

Fernando Frazão/ Agência Brasil
Ao ordenar invasão com uso de força, Estado assume risco de produzir danos 
Fernando Frazão/Agência Brasil

Com esse entendimento, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça fluminense, por maioria, condenou o estado do Rio de Janeiro a pagar R$ 160 mil aos familiares de um paraplégico que morreu em operação policial. A decisão é de 5 de novembro.

Vanderson de Jesus Lessa da Silva, de 27 anos, foi atingido durante confronto, em julho de 2017, entre policiais e traficantes na favela Vila Aliança, em Bangu, zona oeste do Rio. Ele morreu em decorrência dos ferimentos causados pelos tiros.

A mãe e a irmã dele foram à Justiça, argumentando que o estado do Rio era responsável pela morte de Silva. No entanto, o pedido foi negado em primeira instância. O juiz argumentou que, sem saber de onde partiram os disparos, não há como responsabilizar o estado pela morte.

O relator da apelação, desembargador Carlos Santos de Oliveira, usou o mesmo argumento para negar o recurso. A seu ver, só haveria dever de indenizar se ficasse provado que os tiros que vitimaram Silva partiram de armas de policiais e ou que os agentes deixaram de prestar socorro a ele.

Mas prevaleceu o voto do desembargador Rogerio de Oliveira Souza. Ele sustentou que, ao optar por fazer uso da força em operações de segurança pública, o Estado assume a responsabilidade objetiva por qualquer dano causado a terceiro nesses atos, conforme estabelecido pelo artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.

“O combate ao crime organizado nos dias de hoje exige planejamento detalhado da operação que será realizada, exigindo um especializado trabalho de inteligência prévia, a fim de se identificar o objetivo, os alvos, o método de ação e, especialmente, prever os danos que poderão advir da execução da operação de segurança. O trabalho de inteligência, junto com a organização operacional, tem o dever constitucional de detalhar os possíveis danos que a ação estatal poderá causar”, apontou Souza.

De acordo com ele, a morte de um policial em ação não gera o dever de indenização do Estado. Afinal, trata-se de um dano direto, previsível, aceitável e lícito, decorrente da atuação profissional do agente de segurança, para a qual ele foi treinado.

Porém, quando um terceiro alheio ao combate é atingido em uma operação policial, há um dano direto (ou indireto), previsível, inaceitável e ilícito, avalia o desembargador. Esse é o dano colateral. “O dano colateral não é juridicamente aceitável porquanto o terceiro atingido não tem qualquer relação com a decisão estatal de levar adiante a operação de segurança pública; não pode o terceiro, particular e individualmente, suportar as consequências maléficas do atuar estatal que ultimou por atingi-lo pessoalmente em sua integridade física, sua saúde ou mesmo sua vida, supostamente em prol de toda a coletividade”, argumenta o magistrado.

O Estado decide, em sua atuação administrativa, realizar uma operação policial dentro de uma comunidade habitada por cidadãos comuns e, especialmente, crianças, provocando um confronto armado e violento com os grupos criminosos que controlam a área, o Estado também assume, diretamente, o dano colateral que de tal decisão possa advir, pois tais danos são previsíveis de ocorrer”.

Dessa maneira, pouco importa se Vanderson Silva morreu devido a disparos feitos por policiais ou traficantes. A decisão do Estado de “invadir” a favela já lhe traz responsabilidade objetiva pelos danos que ocorrerem na operação, destaca o desembargador.

Seguindo o entendimento de Rogério Souza, a 22ª Câmara Cível aceitou parcialmente a apelação e condenou o estado do Rio a pagar R$ 80 mil tanto para a mãe quanto para a irmã da vítima.

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Processo 0037430-51.2018.8.19.00001

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