Direto do Carf

Carf discute pontos pouco explorados sobre decadência

Autor

  • Fernando Brasil de Oliveira Pinto

    é conselheiro da 1ª Turma Câmara Superior de Recursos Fiscais auditor fiscal da Receita Federal e professor em cursos de especialização na Unisinos Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUC-RS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela USP (Universidade de São Paulo).

20 de novembro de 2019, 8h00

Nesta semana, o tema ser analisado é a decadência, mas com um viés um tanto distinto quanto ao que estamos acostumados a nos deparar.

Spacca
A discussão é antiga e, aparentemente, não ensejaria maiores discussões ante a entendimento vinculante do STJ[1] e Súmulas editadas pelo Carf[2].

O prazo ordinário para que o lançamento realizado de ofício não seja fulminado pela decadência está previsto no artigo 173, I, do CTN[3], qual seja, o primeiro dia do exercício seguinte ao que o lançamento poderia ser realizado, entendimento referendado pela citada Súmula Carf nº 101.

O STJ, por sua vez, exarou entendimento vinculante nesse mesmo sentido no julgamento do processo representativo de controvérsia REsp 973.733/SC, esclarecendo que a contagem do prazo decadencial com base no artigo 173, I, do CTN aplica-se nos casos em que a lei não prevê a antecipação do pagamento tributo ou quando essa antecipação não é realizada. Também estaria sujeito à mesma contagem de prazo nos casos em que o contribuinte tenha agido com dolo, fraude ou simulação[4].

Por outro lado, o artigo 150, § 4º, do CTN[5], tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação — assim entendido aquele cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa —, o prazo decadencial para lançamento de ofício é de cinco anos contados a partir da data da ocorrência do fato gerador.

A compatibilização entre a contagem do prazo decadencial prevista nesses dois artigos acabou sendo pacificada no julgamento do citado REsp 973.733/SC, concluindo-se que, para aplicação do artigo 150, § 4º, do CTN, faz-se necessário o pagamento antecipado do tributo e a ausência de dolo, fraude ou simulação, ao passo que, ausente uma dessas duas condições, o prazo decadencial será elastecido segundo os termos do artigo 173, I, do CTN.

A respeito do pagamento antecipado, as Súmulas Carf números 123, 165 e 138 esclarecem que o imposto retido na fonte relativo a rendimentos sujeitos a ajuste anual, no caso de pessoas físicas, ou a receitas auferidas por pessoa jurídica, sujeitas a apuração trimestral ou anual, assim como o pagamento de estimativas mensais de IRPJ ou CSLL, atraem a aplicação da regra decadencial prevista no art. 150, §4º, do CTN.

Pois bem, uma vez expostas as balizas teóricas sobre o tema, convém agora avançar sobre ponto não abordado em todos os julgados sobre decadência, e, talvez, em acórdãos que destoam do precedente vinculante do STJ, ao menos em um aspecto: se não houve recolhimento antecipado, mas há débito declarado de determinado tributo, havendo lançamento de ofício para exigência de diferenças desse tributo, e na ausência de dolo, fraude ou simulação, aplica-se também o artigo 150, § 4º, do CTN para contagem do prazo decadencial? Veja-se excerto da ementa do REsp 973.733/SC a esse respeito:

“O prazo decadencial qüinqüenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício) conta­se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito.” [grifo nosso]

Esse entendimento vem sendo adotado pela 1ª Turma da CSRF, como se pode observar, por exemplo, no Acórdão 9101-004.410[6]. Nesse caso, houve lançamento para cobrança de PIS e Cofins e, caso fosse aplicado o artigo 150, § 4º, do CTN, o crédito tributário deveria ser extinto em razão da decadência. O contribuinte alegara que esses valores estavam declarados em DIPJ e que, portanto, não poderia ser aplicado o artigo 173, I, do CTN para fins de contagem do prazo decadencial. Em razão desse argumento, em assentada anterior, por meio da Resolução 9101-000.060[7], aquele colegiado havia convertido o julgamento em diligência a fim de que a unidade de origem esclarecesse se houvera pagamentos antecipados de PIS e de Cofins, ou declaração em DCTF, relativos aos períodos de apuração objeto de lançamento. Em atendimento à requisição do Carf, a unidade de origem esclareceu que houve declaração de débitos de PIS e Cofins em DCTF relativos aos períodos de apuração em debate nos autos. A par dessa informação, o colegiado, por unanimidade de votos, confirmou o decidido em sede de acórdão de recurso voluntário, embora, naquela oportunidade, o colegiado de piso houvesse aplicado o artigo 150, § 4º, do CTN, sem aferir o pagamento antecipado (ou declaração prévia) pelo simples fato de tratar-se de tributo sujeito a lançamento por homologação, entendimento superado pelo citado precedente do STJ e também pelas já abordadas Súmulas Carf.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio pode-se citar os Acórdãos 1001-001.392[8], 1201-002.722[9].

É importante ressaltar que, em relação a esse julgado da 1ª Turma da CSRF, pelo teor da Resolução antes proferida, para o colegiado, aparentemente a informação do débito em DIPJ[10], por não constituir confissão de dívida, não seria apta a atrair a aplicação do art. 150, § 4º, do CTN.

Do mesmo modo, no Acórdão 1302-001.490[11], apesar de o colegiado entender que a declaração prévia seria suficiente para aplicação do art. 150 do CTN, tal declaração deveria ter o caráter de confissão de dívida, exigindo-se, portanto, a confissão via DCTF, e não por meio da DIPJ ante a seu caráter estritamente informativo.

Por outro lado, a respeito da informação do débito em DIPJ, há uma corrente no Carf que entende que além do pagamento antecipado e da declaração prévia do débito, sujeita­-se à homologação em cinco anos contados da ocorrência do fato gerador, a informação prestada  pelo sujeito passivo, em DIPJ, de que não apurou base tributável no período. Nesse sentido, pode-se citar o Acórdão 1101-001.013[12], que, ao considerar que o contribuinte houvera informado em DIPJ a apuração de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL, entendeu ser aplicável o artigo 150, § 4º, do CTN para contagem do prazo decadencial. No voto condutor do aresto, esclareceu-se que no REsp 973.733/SC não se aprofundou o debate sobre a decadência na forma do artigo 150 do CTN porque discutiu-se, naquele caso, a impossibilidade de aplicação conjunta dos prazos previstos nos artigos 150 e 173 do CTN em casos de lançamento de contribuições sociais. Nesse contexto, o colegiado acompanhou o entendimento da relatora no sentido de que não seria possível o contribuinte declarar em DCTF qualquer débito de IRPJ ou de CSLL em face da apuração de prejuízo fiscal/base negativa de CSLL, não se enquadrando o caso uma hipótese na qual a lei não prevê o pagamento antecipado da exação, nem mesmo naquela onde, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre (conforme decidido no precedente do STJ), isso porque haveria uma situação intermediária em que, embora a lei preveja o pagamento antecipado, admite-se que esse não seja realizado caso a apuração do sujeito passivo não redunde em tributo devido, havendo de se aplicar, nessa hipótese intermediária, o art. 150 do CTN para contagem do prazo decadencial, uma vez que o Fisco fora informado dessa apuração.

Essa mesma interpretação foi aplicada no Acórdão 1302-001.796[13]. Apresentado recurso especial pela Fazenda Nacional, a 1ª Turma da CSRF, no Acórdão 9101-002.872 e por maioria de votos, confirmou a decisão de piso, concluindo que se aplica o prazo decadencial de cinco anos à revisão do prejuízo fiscal e base negativa da CSLL, cuja determinação, documentação e escrituração foram legalmente atribuídas ao sujeito passivo, a partir de sua formação, cabendo ao Fisco realizar o lançamento conforme previsto no § 4º do art. 9º do Decreto nº 70.235/72[14]. No mesmo sentido há também o Acórdão 1302-003.624[15], concluindo ser aplicável o artigo 150 do CTN nos casos em que, ausente hipóteses de dolo, fraude ou simulação, haja pagamento antecipado, a confissão de débitos ou o levantamento de balanço de suspensão.

Contudo, a mesma 1ª Turma da CSRF, no Acórdão 9101-004.265[16], por maioria de votos, concluiu que o fato de haver apuração de prejuízo fiscal ou base negativa de CSLL informado em DIPJ não alteraria o cenário de ausência de pagamento antecipado ou declaração prévia do débito, entendendo ser o caso de aplicação do artigo 173, I, do CTN para contagem do prazo decadencial.

Retornando ao cerne do problema, qual seja, equipar declaração prévia do débito a pagamento antecipado para fins de aplicação do artigo 150 ou 173 do CTN, há ainda outras linhas de entendimento no âmbito do CARF a respeito dos efeitos de débitos já declarados no que diz respeito à decadência e a aplicação da interpretação firmada no REsp 973.733/SC.

No Acórdão 1301-002.1630[17], por exemplo, o conselheiro relator entendeu que a inexistência de declaração prévia a que se refere o precedente do STJ indica que, existindo aquela declaração, o lançamento é dispensável, porquanto o crédito tributário já estaria constituído por confissão de dívida, sendo assim desnecessário qualquer ato do Fisco nesse sentido, a teor do que dispõe a Súmula 436 do STJ[18], e que a leitura do voto condutor da decisão proferida no REsp 973.733/SC deixaria claro que nenhuma afirmação existiria ali no sentido de que a mera declaração de débito se equipararia a pagamento para fins de aplicação da norma contida no §4º do art. 150. Contudo, tal entendimento não foi acompanhado pelo colegiado, prevalecendo a interpretação de que a declaração prévia do tributo equivaleria a pagamento antecipado para fins da contagem do prazo decadencial.

Já nos Acórdãos 2102-02.129[19] e 3003-000.290[20], tratando de lançamento com base em auditoria de DCTF, com débitos já confessados nessa declaração, mas parte compensados indevidamente, aplicou-se o artigo 173, I, do CTN, não havendo qualquer referência ao REsp 973.733/SC no que diz respeito à declaração prévia de débitos.

Nos Acórdãos 1302-003.391[21] e 1302-003.399[22], por sua vez, embora tenha se acolhido a tese de decadência, a contagem do prazo decadencial se deu com base no art. 173, I, do CTN por ausência de pagamento antecipado do tributo, ainda que não se tenha constatado ausência de dolo, fraude ou simulação por parte do contribuinte e de haver declaração em DCTF de tributo que foi, inclusive, deduzido no próprio lançamento.

Por fim, cabe que ressaltar que o STJ editou súmula que não deixa mais dúvida sobre a melhor interpretação do RESP 973.733/SC, restando assim vazado o enunciado nº 555: “Quando não houver declaração do débito, o prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário conta-se exclusivamente na forma do art. 173, I, do CTN, nos casos em que a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa”. [grifo nosso]

Conforme se observa, embora todos os colegiados do CARF apliquem o entendimento firmado pelo STJ no recurso representativo de controvérsia —REsp 973.733/SC, há ainda algumas turmas que, a despeito da ausência de dolo, fraude ou simulação, e embora haja declaração prévia do mesmo tributo referente ao período de apuração objeto de lançamento de ofício, entendem não ser aplicável o artigo 150, § 4º, do CTN na contagem do prazo decadencial, uma vez que, segundo essa corrente, a declaração prévia não equivaleria a pagamento antecipado.

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 


[1] REsp 973.733/SC, julgado no rito do art. 543-C do CPC/1973.

[2] Súmula CARF nº 72: Caracterizada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação, a contagem do prazo decadencial rege-se pelo art. 173, inciso I, do CTN.

Súmula CARF nº 101: Na hipótese de aplicação do art. 173, inciso I, do CTN, o termo inicial do prazo decadencial é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

Súmula CARF nº 123: Imposto de renda retido na fonte relativo a rendimentos sujeitos a ajuste anual caracteriza pagamento apto a atrair a aplicação da regra decadencial prevista no artigo 150, §4º, do Código Tributário Nacional.

Súmula CARF 135: A antecipação do recolhimento do IRPJ e da CSLL, por meio de estimativas mensais, caracteriza pagamento apto a atrair a aplicação da regra decadencial prevista no art. 150, §4º do CTN.

Súmula CARF 138: Imposto de renda retido na fonte incidente sobre receitas auferidas por pessoa jurídica, sujeitas a apuração trimestral ou anual, caracteriza pagamento apto a atrair a aplicação da regra decadencial prevista no art. 150, §4º do CTN.

[3] Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; […]

[4] Nesse mesmo sentido, vide Súmula CARF nº 101.

[5] Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.

[…]

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

[6] Conselheira Relatora Viviane Vidal Wagner, sessão de 11/09/2019.

[7] Conselheiro Relator Flávio Franco Corrêa, sessão de 07/06/2018.

[8] Conselheira Relatora Andréa Machado Millan, sessão de 03/09/2019.

[9] Conselheiro Relator Luis Henrique Marotti Toselli, sessão de 20/02/2019. Nesse caso, além da declaração prévia, consta no voto condutor do aresto que houve compensação dos débitos confessados, equivalendo também a pagamento antecipado.

[10] Segundo a Súmula CARF nº 92, a “DIPJ, desde a sua instituição, não constitui confissão de dívida, nem instrumento hábil e suficiente para a exigência de crédito tributário nela informado”.

[11] Conselheiro Relator Waldir Veiga Rocha, sessão de 28/08/2014.

[12] Conselheira Relatora Edeli Pereira Bessa, sessão de 03/12/2013.

[13] Conselheira Relatora Edeli Pereira Bessa, sessão de 01/03/2016.

[14] Art. 9º  A exigência do crédito tributário e a aplicação de penalidade isolada serão formalizados em autos de infração ou notificações de lançamento, distintos para cada tributo ou penalidade, os quais deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito. […]

§ 4º  O disposto no caput deste artigo aplica-se também nas hipóteses em que, constatada infração à legislação tributária, dela não resulte exigência de crédito tributário.

[15] Conselheiro Relator Paulo Henrique Silva Figueiredo, sessão de 11/06/2019.

[16] Conselheira Relatora Edeli Pereira Bessa e Redator Designado o Conselheiro Demetrius Nichele Macei, sessão de 09/07/2019.

[17] Conselheiro Relator Roberto Silva Junior, sessão de 06/10/2016. Redator do voto vencedor o Conselheiro José Eduardo Dornelas Souza.

[18] Súmula 436. A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.

[19] Conselheira Relatora Roberta de Azeredo Ferreira Pagetti, sessão de 20/12/2012.

[20] Conselheiro Relator Vinícius Guimarães, sessão de 24/05/2019.

[21] Conselheiro Relator Paulo Henrique Silva Figueiredo, sessão de 19/02/2019.

[22] Conselheiro Relator Paulo Henrique Silva Figueiredo, sessão de 20/02/2019.

Autores

  • é conselheiro presidente da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf, auditor fiscal da Receita Federal, instrutor da Escola de Administração Fazendária (Esaf) e professor em cursos de especialização na Unisinos, Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUCRS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo.

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