Pacote de Guedes

Limites a benefícios fiscais evitam abusos, mas engessam Estado em tempos de crise

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18 de novembro de 2019, 8h23

As Propostas de Emenda à Constituição 186 e 188/2019, apresentadas na quarta-feira da semana passada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, proíbem a criação, ampliação ou renovação de benefício fiscal pela União se o valor anual correspondente aos incentivos superar dois pontos percentuais do produto interno bruto. Além disso, vedam a concessão de inventivos tributários se forem descumpridos indicadores da “regra de ouro” — que proíbe o Executivo de se endividar para pagar despesas com pessoal.

Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
Ministro Paulo Guedes (Economia) quer limitar incentivos fiscais a 2% do PIB
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Para especialistas em Direito Tributário e Financeiro ouvidos pela ConJur, a limitação de benefícios fiscais é benéfica, tendo em vista os incentivos exagerados que foram concedidos nos últimos anos. No entanto, apontam, a restrição pode engessar a atuação do Estado em momentos de crise econômica e dificultar a recuperação.

Para o juiz e professor de Direito Financeiro da USP José Mauricio Conti, a restrição aos incentivos tributários é uma medida positiva. Mas não é inédita, e precisa ser efetivamente cumprida, alerta.

“A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) já limita a criação e ampliação de benefícios fiscais. Essas regras deveriam ser suficientes para evitar problemas. Mas as normas não são cumpridas. Se elas não estavam sendo cumpridas, quem garante que, ao criar outra norma, ela passará a ser respeitadas?”, questiona Conti.

O tributarista Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, aponta que a falta de controle dos incentivos fiscais fez com que o instituto fosse injustamente demonizado nos últimos anos. "Com uma inspeção mais rigorosa, o mecanismo pode ser usado de forma mais eficaz", avalia.

“O que faltou foi uma fiscalização do que se fez com as renúncias fiscais, se elas foram efetivamente aplicadas nas finalidades que ensejaram a criação dos benefícios — por exemplo, geração de emprego. A redução da contribuição previdenciária sobre folha de salários deveria ser uma força motor de geração de empregos. Mas isso precisa ser efetivamente fiscalizado”, diz Bichara.

Por sua vez, o procurador da Fazenda Nacional e professor de Direito Tributário e Financeiro Gilson Bomfim ressalta que a proposta é positiva, já que, atualmente, os benefícios fiscais representam cerca de 4% do PIB — devido ao seu uso, com controles frouxos, pelo governo Dilma Rousseff para gerar empregos e estimular a atividade econômica e industrial.

“A concessão de benefícios fiscais implica (muitas vezes) tratamento desigual entre contribuintes que têm a mesma capacidade econômica, devendo, portando, estar alicerçada em sólida justificativa constitucional. A análise da efetividade dos benefícios fiscais, quanto ao atingimento dos objetivos que justificaram sua concessão, é algo imprescindível, porque somente aqueles que têm se mostrado efetivos devem ser mantidos”, destaca Bomfim, lembrando que, hoje, o governo federal não faz nenhuma análise da efetividade dos incentivos.

Ainda que se possa discutir se o limite de 2% do PIB é adequado ou se convém constitucionalizá-lo, há um “descontrole absoluto” no uso de incentivos tributários no Brasil, opina o advogado Fernando Raposo Franco. “Num quadro em que a atividade política se tornou muito permeável às pressões de grupos de interesse, a concessão de incentivos fiscais, que deveria ser exceção, acabou sendo banalizada, prevalecendo frequentemente os interesses políticos (muitas vezes não republicanos) em detrimento da avaliação técnica”.

“Portanto, é indispensável que se faça periodicamente esse escrutínio retrospectivo, eliminando todos aqueles benefícios fiscais cuja eficiência não for demonstrada, respeitada, é claro, a segurança jurídica, em especial o artigo 178 do Código Tributário Nacional. A manutenção de incentivo fiscal que não serve ao propósito que justificou a sua instituição acaba por transformar a medida em privilégio odioso”, analisa Franco.

Política econômica
Benefícios fiscais são usados por governos para estimular a atividade econômica e gerar empregos em momentos de crise. Dessa maneira, a limitação dos incentivos a 2% do PIB e em cenários de descumprimento da regra de ouro pode deixar o governo sem muitas armas para retomar o desenvolvimento, avalia Fernando Facury Scaff, professor de Direito Financeiro da USP.

Ele também avalia que as restrições podem gerar insegurança jurídica a investidores. “Imagine que o governo concedeu uma vantagem fiscal qualquer, de forma legal. Como deixar esse direito ser condicional a um evento macroeconômico futuro? O empresário não vai investir. Ou depois vai dizer que tem direito adquirido à isenção. A lógica macroeconômica não prevalece sobre a microeconômica."

Ainda que, no geral, seja favorável à criação de limites aos incentivos tributários, Conti diz que o endurecimento das regras pode deixar o governo engessado em momentos de crise. Por outro lado, ele ressalta que a concessão irresponsável de benefícios fiscais pode aprofundar recessões e depressões econômicas.

Por outro lado, Bomfim opina que o governo não fica de mãos atadas, uma vez que pode continuar fazendo os gastos públicos que entender necessários por meio de despesas diretas. Nesse caso, haveria até mais transparência, afirma o procurador da Fazenda Nacional.

Nessa mesma linha, Fernando Raposo Franco destaca que os incentivos fiscais se submetem a visibilidade e escrutínio consideravelmente menores do que as dos gastos públicos diretos. Além disso, os benefícios tributários não são alcançados pelos mecanismos à disposição dos gestores públicos para adequar as despesas previstas em orçamento a quedas na arrecadação verificadas no decorrer do exercício financeiro, afirma o advogado.

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