Aniversário da reforma

"Honorário de sucumbência trouxe responsabilidade ao processo do trabalho"

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17 de novembro de 2019, 8h25

Spacca
No última dia 11, a reforma trabalhista completou dois anos de vigência. Seu efeito prático foi a queda acentuada no número de ações. Levantamento mais recente do Tribunal Superior do Trabalho apontava queda em 34%. No mesmo dia, o advogado Luiz Eduardo Amaral de Mendonça, sócio no Focaccia, Amaral e Lamonica Sociedade de Advogados, e o professor Ricardo Calcini lançaram das mais importantes obras sobre a mudança na lei até o momento. 

A dupla aponta a questão da possibilidade do trabalhador pagar honorários para o advogado da empresa em caso de derrota como fator mais significativo da lei. Para eles, a mudança implementou um senso de responsabilidade maior nas partes e deu celeridade, pois menos pedidos são feitos. Isto também dá mais tempo para o juiz deliberar e as decisões se tornam mais sólidas

O livro Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista reúne 196 operadores do Direito que propuseram e responderam perguntas que surgiram com a reforma. 

Organizadores do livro, Calcini e Amaral concordam que agora a mudança legislativa mais necessária é o fim da unicidade sindical. Inclusive, afirmam que o negociado sob o legislado deu força aos sindicatos. "Ao bons sindicatos", afirmam. 

Ambos entendem que a reforma foi positiva e trouxe serenidade ao processo do trabalho, mas rechaçam o discurso que pede o fim da Justiça do Trabalho. "É a Justiça mais competente do Brasil e exemplo para as outras." 

Leia a entrevista abaixo: 

ConJur — Qual foi a maior mudança que a reforma produziu na prática?
Luiz Amaral —
O risco de pagar honorários para a outra parte. Quer dizer, eu estou entrando com a ação, eu posso não ganhar nada e ainda perder? Isso desanimou, sem dúvida nenhuma. Mas não mediações, não acho que diretamente. Quem tem segurança e está revoltado entra, continua entrando. A questão é que acho que diminuiu o número de pedidos. Antigamente ele colocava lá mais uns três pedidozinhos a mais. “Eu vou colocar um dano moral lá porque facilita de fazer acordo depois. Vou colocar…”. Com isso o dano moral virou batata frita. Acompanha dano moral? Agora não, o cara parou de pedir essas coisas. Se tenho uma ação para julgar, se sou juiz e vou julgar menos pedidos, julgo mais rápido. Então faço mais sentenças, produzo mais, levo mais processos para o tribunal. Nesse ponto processual, ganhou muito com a reforma, celeridade.

Ricardo Calcini — O pagamento de honorários tem duas finalidades primordiais. Primeiro deles é você criar essa conscientização em relação àquele que litiga. Para ele saber que ele está litigando com responsabilidade, isso tem um custo. A máquina judiciária tem um custo, então para os dois lados, inclusive também para quem se defende tem que também ter uma responsabilização naquilo que você vai alegar para se defender. Esse é o primeiro ponto. E segundo, que é o que os tribunais superiores aqui hoje já entendem. Na medida em que você estabelece essa responsabilização, você torna o processo judicial, um processo caro e ao mesmo tempo o processo judicial em que você só vai discutir efetivamente reais condições disso. Porque se você tiver dúvida ou de repente a sua prova não é tão boa, talvez o caminho melhor seja esses métodos alternativos, seja com a mediação ou seja com uma conciliação fora do tribunal. A mesma questão agora desse acordo extrajudicial que é ser justo. Então, na dúvida melhor você recorrer a métodos extrajudiciais. E na certeza dentro do possível naturalmente você vir a litigar dentro do judiciário. Essa é a lógica.

ConJur — O livro mostra que uma questão bastante abordada é o negociado sob o legislado.  
Ricardo Calcini —
 Tem muita pergunta sobre isso. Então na época que teve a história da MP do governo federal, do presidente da República falando sobre as receitas sindicais. Devo pagar? Não devo pagar? Até hoje as empresas têm sofrido, por parte dos sindicatos, uma pressão muito grande para fins de dedução do recolhimento da contribuição assistencial, confederativa, sindical, etc. E lá está sendo questionado, por exemplo, se eu poderia estabelecer via negociação coletiva, esse tipo de pagamento e autorizar a dedução dentro do contracheque do funcionário. E aí a pessoa que se prontificou a responder seguiu a linha, por exemplo, dizendo que esse procedimento, mesmo que negociado, ele é reputado ilegal dado ao que o Supremo Tribunal Federal decidiu também lá em 2018 sobre essa impossibilidade de se negociar a não ser que se faça diretamente, individualmente de forma escrita com o funcionário.

ConJur — Você sente que as empresas já estão bem familiarizadas com o que elas podem fazer diante das novas regras que a reforma trouxe, ou ainda falta muito?
Ricardo Calcini —
 Falta bastante porque nós não temos ainda uma uniformização de entendimento. E como nós não temos uniformização de entendimento não dá para garantir que aquele procedimento que ela vem a adotar ou já adotou no passado, esse procedimento amanhã seja reputado legal. A lei só tem dois anos. Então é muito pouco tempo ainda para a gente colocar um ponto final que determinadas questões que estão na reforma vão vingar. É pouco tempo. Então a gente tem que aguardar um pouquinho mais para poder ter a convicção de que determinada questão está sendo mais bem vista ou não pelo judiciário. Nós precisamos da judicialização, ela está hoje em infelizmente com o patamar bastante reduzido.

ConJur — Qual é a pacificação mais importante que está para vir de TST e STF relacionada à reforma?
Ricardo Calcini —
 Honorários advocatícios sucumbenciais. Hoje inclusive nós temos duas judicializações. Uma que está no Supremo, que está lá desde 2018, só que tem recente agora no TST, o ministro Augusto Cesar de Carvalho reconheceu uma questão de inconstitucionalidade pela 6ª Turma, isso foi um fato pleno recentemente do tribunal. Então se confirma essa inconstitucionalidade, é o que eu venho falando já há algum tempo. Vai vir um verdadeiro tsunami de novas ações trabalhistas.

Luiz Amaral — O trabalho do intermitente. Em que pese o TST ter reconhecido recentemente o caso da Magazine Luiza. E reconheceu que era válido, tem alguns temas na jornada do intermitente que são meio complicados ainda. Por exemplo, o recolhimento previdenciário de um cara que trabalhou dois dias em um mês. O mínimo que se recolhe, tem um valor fixo, e o cara vai recolher mais INSS do que ele recebeu de diária? Quer dizer, tem umas incongruências ainda. Acho eu que o STF ainda vai ter que solucionar isso aí.

ConJur — Se o entendimento for de não ser cabível a cobrança de honorários, a expectativa é que o número de ações volte ao tamanho que era?
Ricardo Calcini —
 Voltar a um patamar de ações que inclusive superariam até a questão do advento da reforma. É uma questão de lógica. Como nós temos esse medo, essa questão temerária de você entrar com uma ação e perder e ainda ter que pagar os honorários, quem está entrando hoje em tese está entrando com mais certeza e com pedidos mais responsáveis. Só que dois anos para cá muitas empresas adotaram entendimentos desvirtuados ou equivocados sobre a lei da reforma e foram construindo passivos, que é como eu chamo. A hora que liberar, se confirmar essa decisão da inconstitucionalidade, essas novas ações, naturalmente nós vamos ter de novo o patamar anterior porque agora eu não vou ter mais aquela amarra inicial de entrar com a ação e ter que pagar. E principalmente discutir tudo aquilo que o passivo foi sendo criado ao longo dos últimos dois anos. Então eu tenho a perspectiva de que uma vez conformada essa questão da inconstitucionalidade, o passivo trabalhista vai ser muito maior do que antes.

ConJur — Com o fim da contribuição sindical obrigatória, alguns sindicatos querem condicionar o benefício do acordo coletivo à contribuição individual do trabalhador. Como veem isso?
Luiz Amaral —
Isso é ilegal. O direito de se beneficiar do sindicato não decorre do sindicato, decorre da Constituição Federal. Toda categoria tem que ter um sindicato da categoria que tem que lutar pela classe toda. Se o sindicato for bom, tem que ir lá e contribuir mesmo. Inclusive, eu acho que a negociação sindical saiu fortalecida com a reforma. Os sindicatos, as empresas têm que buscar o sindicato para negociar. O negociado vale mais do que o legislado. E eles estão carentes, porque estão interessados em fazer alguma coisa. Mas eu acho que o futuro do sindicato é a aproximação com as empresas mesmo, porque agora o acordo, pela reforma, prevalece sobre a convenção coletiva.

ConJur — O atual contexto tem dado força para vozes que pedem o fim da Justiça do Trabalho. Como veem isso?
Ricardo Calcini —
 Toda vez, historicamente falando, toda vez que se tentou um movimento para eliminar ou fragilizar a Justiça do Trabalho, ela se mostrou cada vez mais forte em movimento reacionário. A questão ideológica por trás naturalmente no debate do trabalho, dizendo que a Justiça do Trabalho dá prejuízo, que não arrecada absolutamente nada. Que talvez sem a Justiça do Trabalho nós teríamos então de repente uma regra de mercado muito melhor, inclusive para fins de contratação e assim sucessivamente. O problema é que, de novo, a moeda sempre tem os dois lados. Se esquece que sem a Justiça do Trabalho, da forma como eles estão querendo colocar, nós vamos ter, aí sim, nenhum tipo de segurança em relação ao procedimento que as partes vão poder adotar daqui em diante. Porque imaginar que simplesmente extingo juízo do trabalho, função do desembargador, a função do ministro e de repente coloco tudo isso dentro da justiça estadual comum. Porque não dá nem para pensar na Federal, por mais que Justiça do Trabalho seja um ramo da Justiça Federal porque ela não tem nem estrutura para poder absorver essa quantidade de pessoas. E colocar isso dentro da Justiça comum estadual acaba sendo um verdadeiro retrocesso.

Agora, o que dá para fazer, e é o que o governo está se propondo a fazer, é uma atualização da legislação. Aí sim. Essa atualização era necessária. Só que ela vai demandar tempo. Infelizmente governos anteriores não conseguiram mexer na legislação também por uma questão ideológica. E nesse atual contexto em que se comunga pela extinção ou eventualmente deixar de existir de forma operacional nosso trabalho, melhor seria, como está sendo feito, que a legislação seja atualizada. Isso naturalmente vai fazer com que o juiz do trabalho comece a aplicar a lei tal como posta. E aquela insegurança que existia até então passe a ser mais reduzida.

Luiz Amaral  Acho que a justiça do trabalho está pagando o preço pelo fato de ter sido a justiça mais competente do Brasil. Por que ela é tão odiada? Porque o mal empresário brasileiro, é importante separar o joio do trigo, ele sofre, porque consegue penhorar do sócio da empresa. Ela é muito rápida. A justiça comum e aí seria um tipo de crítica, ela não tem essa mesma efetividade, não é tão competente e, por isso não é tão criticada. Se atingir o bolso do sócio da empresa que não pagou as verbas decisórias, ele vai rapidamente se preparar. Vejo que agora com a reforma e com a minirreforma, acho que nós vamos simplificar um pouco a relação, deixar as partes mais responsáveis pelo que fazem. Desde o hiper suficiente que tem poder para decidir de fato, o juiz vai ter que fugir um pouquinho. E vai ter que falar: olha, só se precisar de mim vocês venham aqui, se vocês tiverem um acordo, vocês não precisam de mim.

ConJur — Em que você acha que ainda precisa avançar em relação à legislação trabalhista?
Luiz Amaral —
O essencial é acabar com unicidade sindical. Não faz mais sentido algum, já cumpriu seu papel lá no passado. Hoje em dia se deve ter poder ter a liberdade de procurar o sindicato e o trabalhador também poder procurar quem vai lhe representar. Porque hoje ainda é muito cômodo para o sindicato.

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