Opinião

Quais são os pontos centrais das propostas de reforma tributária?

Autores

  • Eduardo de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário MSc candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) conselheiro do CMT (4ª Câmara Julgadora) juiz suplente do TIT professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

  • Daniel de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário msc. candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) e internacional (IBDT) professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

  • Tathiane Piscitelli

    é professora da FGV Direito-SP coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB-SP doutora e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo e co-coordenadora do Grupo de Pesquisa "Métodos Alternativos de Resolução de Disputa em Matéria Tributária" do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito-SP.

16 de novembro de 2019, 7h02

O presente texto é resultado das discussões promovidas pelo subgrupo de reforma tributária da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB-SP, com o objetivo de qualificar o debate em torno da reforma tributária. Para atingir tal objetivo, é necessário analisar, de maneira geral, as mudanças sugeridas nas principais propostas que tramitam no Poder Legislativo.

A proposta mais avançada é a PEC 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP). Segundo o texto proposto, haveria a substituição de cinco tributos incidentes sobre o consumo (ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins) por apenas um, o IBS, o imposto sobre bens e serviços. A competência para a criação do novo tributo seria de uma lei complementar nacional.

A PEC 45/2019 também estabelece a competência da União para criar um imposto seletivo, “com finalidade extrafiscal, destinado a desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos”. Não há clareza, porém, quanto ao critério da seletividade ou mesmo quanto aos fatos geradores possíveis para tal tributo.

Em síntese, o IBS teria as seguintes características: (i) base ampla de bens, serviços, direitos (tangíveis e intangíveis) e quaisquer utilidades destinadas ao consumo, independentemente dos critérios de seletividade atualmente vigentes para o ICMS e IPI (artigo 152-A, parágrafo 1º, IV, e parágrafo 3º); (ii) cobrança em todas as etapas de comercialização e produção; (iii) não cumulatividade plena; (iv) desoneração das exportações; (v) legislação nacional e uniforme; (vi) alíquota única para todas as operações realizadas com bens, serviços e direitos no espaço territorial de um determinado ente federativo, com o intuito de “simplificar” a arrecadação tributária e evitar que seja necessária a classificação dos bens e serviços em diversas categorias; (vii) tributação no destino; (viii) nenhuma isenção, benefícios fiscais ou regimes especiais; e (ix) finalidade puramente arrecadatória (ausência de caráter extrafiscal).

Como se trata de tributo que unifica competências tributárias de diferentes níveis na federação, há a previsão da criação de um comitê gestor, via lei complementar, que seria responsável pela arrecadação e distribuição das receitas entre União, estados, Distrito Federal e municípios. A autonomia política e financeira dos entes seria assegurada pela possibilidade de modificação da alíquota referente às parcelas federais, estaduais ou municipais do IBS. Nesse sentido, a PEC prevê competência do Tribunal de Contas da União para indicar as “alíquotas de referência”, que podem ou não ser utilizadas pelos entes federativos. Ainda que não haja previsão expressa, cogita-se que a alíquota total seria fixada entre 20% e 25%.

Por fim, diante das profundas mudanças, há a previsão de um período de transição de 10 anos para a implementação completa do IBS, e um outro período de 50 anos para a consolidação da nova forma de repartição da arrecadação tributária proveniente do imposto. Durante o período de 10 anos, dois modelos conviverão: os contribuintes seguirão com o dever de recolher PIS, Cofins, IPI, ISS e ICMS, ao lado do novo dever relativo ao IBS.

A PEC 110/2019, por sua vez, tem como objetivo também criar um IBS com as características de um IVA, diferenciando-se daquele concebido na PEC 45/2019 em relação às incidências que seriam objeto de unificação. No IBS da PEC 110/2019 seriam incluídos os seguintes tributos: IPI, Cofins, Cofins-Importação, PIS, PIS-Importação, IOF, salário-educação, ICMS e ISS.

Embora a competência para disciplinar o IBS seja do Congresso Nacional, a inciativa dos projetos de lei complementar seria atribuída à competência de governadores, assembleias legislativas e câmaras de vereadores; bancadas estaduais de deputados federais ou senadores; ou de comissão mista de deputados federais e senadores instituída para esse fim.

Em resumo, o IBS teria as seguintes características: (i) alíquota padrão; (ii) não incidência sobre a mera movimentação ou transmissão financeira, sobre a prestação de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita; (iii) o produto da arrecadação pertenceria ao Estado de destino; (iv) tributação favorecida para uma lista restrita de produtos.

A despeito de também determinar o fim dos benefícios fiscais, a PEC 110/2019 garante a manutenção da Zona Franca de Manaus, mediante a concessão de crédito presumido que cubra as diferenças de custo de logística e transporte dos empreendimentos localizados na região.

Além disso, referida PEC também prevê a criação do denominado “imposto seletivo” (IS), o qual incidiria sobre energia, telecomunicações, veículos e derivados do petróleo e do tabaco, com as seguintes características: (i) incidência sobre as importações; (ii) possibilidade de alíquotas diferenciadas; (iii) não incidência sobre exportações; (iv) não poderá ter alíquota superior à do IBS, exceto no que se refere a cigarros, produtos de fumo e bebidas alcoólicas; (v) incidência monofásica; e (vi) não integrará a base de cálculo do IBS.

Diferentemente da PEC 45/2019, que é omissa sobre o tema, a PEC 110/2019 pretende incorporar a contribuição social sobre o lucro líquido ao imposto sobre a renda. Ademais, prevê a possibilidade de uma alíquota adicional de IBS em substituição à contribuição previdenciária patronal, como uma tentativa de desoneração.

Por fim, no que tange à tributação sobre o patrimônio, ainda (i) alarga a incidência do IPVA para também alcançar a propriedade de embarcações e aviões, bem como transfere o produto de sua arrecadação aos municípios; e (ii) propõe que a competência do ITCMD seja transferida à União, porém destinando a arrecadação aos municípios. Embora não trate especificamente do IPTU e do ITBI, a proposta estabelece a possibilidade de os municípios serem obrigados a efetuarem reajustes mínimos da base de cálculo, com o objetivo de evitar sua subvaloração.

Também tramita no Congresso Nacional a PEC 128/2019, de autoria do deputado Luis Miranda (DEM-DF). Embora se valha das principais premissas da PEC 45/2019, a PEC 128/2019 possui algumas diferenças notáveis.

A primeira delas diz respeito à previsão de que o IBS será desmembrado em dois: (i) IBS federal, abrangendo PIS, Cofins e IOF; e (ii) IBS de competência dos estados e municípios, abarcando ICMS e ISS, de modo que estaríamos diante de um “IVA dual”.

O IBS federal da PEC 128/2019 não abarcará o IPI: tal imposto continuaria existindo de maneira autônoma, porém com alterações relacionadas à sua sistemática de incidência, para assumir feição exclusivamente extrafiscal. O IPI passaria a ser um imposto eminentemente seletivo, pois teria como objetivo desestimular o consumo de determinados bens ou serviços em razão de riscos à saúde pública e à segurança pública, ou para dar efetividade ao tratamento preferencial à Zona Franca de Manaus.

Em relação ao IBS estadual e municipal, a PEC 128/2019 prevê: (i) a arrecadação pertencerá ao estado e ao município de destino; (ii) haverá uma alíquota de referência e que a alíquota final será formada pela soma das alíquotas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios; (iii) as alíquotas dos estados e dos municípios será formada pela soma das alíquotas singulares vinculadas a determinadas destinações (ex: saúde, educação etc.), enquanto que parte da alíquota poderá ser fixada de modo não vinculado; (iv) não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros; (v) não cumulatividade plena.

Na esfera federal, a PEC 128/2019 prevê a extinção do IOF e institui o imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira (IMT). A alíquota do IMT seria calculada com o objetivo de compensar, juntamente com o IBS, o produto da arrecadação do IOF, IPI, PIS/Cofins e PIS/Cofins-importação.

Quanto ao período de transição, determina que a alíquota do IBS-federal e IBS-estadual/municipal aumentaria gradativamente ao longo de seis anos, com o decréscimo dos tributos substituídos. E, no que tange à distribuição de receitas, a transição seria de 50 anos.

Em relação à tributação sobre a renda, a proposta estabelece a tributação, exclusivamente na fonte, de lucros ou dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas à alíquota de 4%. Em contrapartida, também determina que a alíquota do IRPJ será reduzida proporcionalmente, a fim de que o produto arrecadado seja equivalente à estimativa de arrecadação do imposto cobrado sobre lucros e dividendos.

Finalmente, acrescenta o parágrafo 14 ao artigo 195 da Constituição, para estabelecer que lei poderá definir os segmentos econômicos para os quais seria possível a substituição da contribuição previdenciária sobre a folha de salários (CPP) pela contribuição incidente sobre a receita ou faturamento.

Ao lado das PECs acima descritas, há, ainda em tramitação alguns projetos de lei relativos ao imposto sobre a renda, sendo que os PLs 3.129/2019, 2.015/2019 e 604/2019 são os principais sobre o tema. Em síntese, pretendem: (i) atualizar a tabela progressiva do imposto sobre a renda da pessoa física, a fim de ampliar o limite de isenção; (ii) estabelecer a incidência do imposto sobre dividendos; (iii) reduzir ou extinguir a dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio; e (iv) reduzir proporcionalmente a alíquota do IRPJ em função de tais alterações. A análise de cada um desses pontos será feita em texto a ser oportunamente publicado.

As disposições das PECs parecem incorrer em diversos vícios de inconstitucionalidade, sendo a violação ao pacto federativo o principal deles. A limitação da competência tributária dos estados, do Distrito Federal e dos municípios em favor da União compromete a autonomia financeira e orçamentária[1], ao lado da impossibilidade de realização de política tributária.

Nesse sentido, de acordo com relatório produzido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, a carga tributária bruta em 2017 atingiu 32,43%, sendo que: (i) 22,06% corresponde a tributos do governo federal; (ii) 8,34% a tributos estaduais; e (iii) 2,03% tributos de competência dos municípios[2]. Se, dentre as premissas que justificam uma reforma tributária, encontra-se a redução da carga tributária, elementos empíricos demonstram que alterações na tributação federal já seriam de grande valia, as quais, inclusive, dispensariam alterações no texto constitucional.

A instituição de alíquotas uniformes também não se mostra adequada, haja vista que resulta na oneração desproporcional da população menos favorecida e, consequentemente, aumenta as desigualdades sociais.

Além disso, as disposições das PECs que pretendem extinguir os benefícios fiscais merecem reflexão mais detida. Em um país com dimensões continentais como o Brasil, a extinção total de benefícios fiscais pode impedir a autonomia política dos estados e municípios e acirrar as indesejáveis disparidades regionais.

Reformas tributárias pautadas em profundas modificações do sistema tributário nacional a nível constitucional podem, ao final, se mostrar inócuas – ou até inadequadas – para o fim a que se destinam, no caso, o equilíbrio das contas públicas.

Grandes impactos já poderiam ser percebidos com a edição de legislações infraconstitucionais, garantindo a celeridade e a flexibilidade necessárias ao sistema tributário. Além disso, com exceção da PEC 110/2019, as propostas em debate preocupam-se excessivamente com a tributação sobre o consumo, sendo que a tributação sobre a renda e sobre o patrimônio também devem ser contempladas, principalmente diante do fato de que a tributação sobre o consumo é insuficiente para promover a justiça fiscal.

O IBS previsto nas PECs surge sob a roupagem de um IVA, cuja suposta utilização por diversos países legitimaria sua instituição no Brasil. No entanto, é importante destacar que não há um único tipo de IVA no plano internacional, sendo possível a existência de diferentes IVAs, os quais são desenhados em função de características específicas do País. E, o IBS, tal como hoje concebido, pode não ser o IVA adequado às particularidades do Brasil.

Também é necessário refletir sobre os contribuintes destinatários das propostas de reforma tributária. Da forma como concebidas, contribuintes prestadores de serviços suportariam carga tributária proporcionalmente maior em relação a outros segmentos, o que não parece ser adequado frente ao cenário econômico nacional; o setor de serviços participa de maneira expressiva no PIB brasileiro e na geração de empregos.

É importante esclarecer que não se pretende negar a necessidade de uma reforma tributária. Pelo contrário, é evidente que o atual sistema tributário é disfuncional, complexo, juridicamente inseguro, com custos de conformidade elevados e preponderantemente regressivo.

Entretanto, o debate que se pretende estimular diz respeito à forma pela qual a reforma tributária deve ser implementada, sendo certo que toda reforma tributária deve ter como objetivo a construção de um sistema tributário justo, eficiente, flexível, transparente, progressivo e que vise à redução das desigualdades sociais.

[1] Nesse sentido, confira-se: https://oglobo.globo.com/economia/reforma-tributaria-rio-sao-paulo-podem-ter-arrecadacao-reduzida-em-12-bi-23961093

[2] Disponível em: http://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria-2017.pdf

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    é sócio do Vieira, Drigo e Vasconcellos Advogados, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), mestrando em Direito Tributário pela FGV-SP, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro efetivo da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB – Seção Central de São Paulo e Subseção de Pinheiros.

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    é e sócio do Vieira, Drigo e Vasconcellos Advogados, mestre em Direito Tributário (FGV Direito/SP); especialista em Direito Tributário Internacional (IBDT) e em Direito Tributário brasileiro (PUC-COGEAE), professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário e membro efetivo da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB – Seção Central de São Paulo e Subseção de Pinheiros.

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    é professora da FGV Direito SP e coordenadora Núcleo de Direito Tributário Aplicado do mestrado profissional dessa instituição. Doutora e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo. Academic visitor na Universidade de Oxford. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP.

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