Reflexões trabalhistas

Risco da atividade empresarial gera responsabilidade por doença ocupacional

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

15 de novembro de 2019, 8h00

Spacca
Para os danos causados ao meio ambiente do trabalho (CF, art. 225, § 3º) a responsabilidade civil do empregador é objetiva, diferentemente do que ocorre em relação aos danos à saúde dos trabalhadores decorrentes dos acidentes de trabalho, imperando, neste caso, a responsabilidade subjetiva, baseada na culpa do agente, o que vem desde suas origens no nosso direito e hoje está prevista no art. 7º, inc. XXVIII da Constituição Federal.

O tema da responsabilidade civil do empregador nos acidentes de trabalho sempre foi controvertido. O Decreto n. 7.036/1944 (art. 31) dizia que havia responsabilidade civil do empregador nos acidentes de trabalho no caso de dolo. A jurisprudência, com apoio na doutrina, marchando adiante dos códigos legais, levou à edição, pelo STF, em 1963, da Súmula 229, com o seguinte teor:

“A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”.

Houve um abrandamento com a inclusão da culpa grave, uma vez que não era fácil provar dolo do empregador.

Mesmo assim, também era tarefa difícil provar a culpa grave do empregador, razão pela qual a Constituição Federal de 1988, evoluindo sobre o tema, reconheceu no art. 7º que:

São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: … XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa” (grifados).

Pelo inc. XXVIII do art. 7º da Constituição Federal a responsabilidade do empregador nos acidentes de trabalho existe em qualquer situação de culpa, mesmo a mais leve (negligência, imperícia e imprudência), embora continue, em regra, subjetiva, como reconhece parte da jurisprudência (Proc. TRT2 01748-2007-482-02-00-7, AC. 20081048844; 4ª Turma).

Todavia, a regra da responsabilidade civil subjetiva do empregador vem sendo abrandada com o reconhecimento de importantes casos de de responsabilidade objetiva pela doutrina e pela jurisprudência, especialmente a do C. TST. A base dessa flexibilização está nos fundamentos modernos da responsabilidade civil, entre os quais a proteção da vítima (e não mais do causador do dano, como nos tempos passados), a proteção da dignidade humana (CF, art. 1º), a valorização do trabalho (CF, art. 170) e a sua finalidade exemplar, pedagógica, punitiva e preventiva.

Nessa nova ótica, visando à melhoria da condição social do trabalhador, à responsabilidade civil decorrente de acidente do trabalho, quanto ao fundamento, aplicam-se, além do inc. XXVIII do art. 7º da Constituição Federal outras disposições legais, reconhecendo-se, pois, casos de responsabilidade objetiva.

Nessa evolução são considerados casos de responsabilidade civil objetiva nos acidentes de trabalho, entre outros, aqueles nas atividades de risco (Código Civil, art. 927, § único), nas doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente (§ 3º, do 225, da CF e art. 14, § 1º da Lei 6938/81), no transporte fornecido pelo empregador, no serviço público e nos acidentes decorrentes de ato de terceiro (terceirizações).

Nesse sentido decidiu a 3ª Turma do C. TST que o transporte urbano é sabidamente visado por criminosos, constituindo atividade de risco, condenando uma empresa de ônibus a indenizar um cobrador de ônibus que ficou incapacitado para o trabalho em razão de distúrbios psíquicos decorrentes de sucessivos assaltos. A Turma concluiu que a responsabilidade da empregadora decorre do risco acentuado inerente à atividade empresarial e é objetiva.

No caso, o cobrador teria sido vítima de pelo menos cinco assaltos durante o expediente, com uso de armas de fogo, facas e outros objetos e as agressões físicas e ameaças de morte resultaram para ele em doença ocupacional equiparada a acidente do trabalho, conforme laudo pericial produzido no processo. De acordo com o laudo, o cobrador ficou incapacitado para o trabalho em razão dos distúrbios psíquicos decorrentes de sua atividade na empresa, registrando o perito que, segundo a esposa do empregado, ele “é uma criança”, totalmente dependente dos familiares para todos os atos, com desorientação espaço-temporal, insônia, dificuldade de alimentação sem ajuda, delírios e impossibilidade de permanecer sozinho. O diagnóstico foi de episódio depressivo grave e transtorno de pânico.

Por isso, o relator do caso no TST, ministro Agra Belmonte disse que o dever do Estado de promover a segurança pública não exclui a responsabilidade civil da empresa decorrente do risco acentuado inerente à atividade que expõe seus empregados à potencialidade de danos no desempenho de suas funções e, nessas circunstâncias, segundo o ministro, o dano independe de demonstração do abalo psicológico sofrido pelo empregado e exige somente a comprovação dos fatos que deram motivo ao pedido de indenização, uma vez que a atividade econômica da empresa oferece risco acentuado à integridade física de seus empregados, vez que o transporte urbano é sabidamente visado por criminosos, ante a facilidade de acessar o dinheiro do caixa (Proc. n. TST-RR-1000334-86.2017.5.02.0342).

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    é consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e professor titular do Centro Universitário UDF e da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), além de membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros, Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador e Ações acidentárias na Justiça do Trabalho.

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