2ª instância

Mudança de jurisprudência do STF impõe desafio ao sistema penal brasileiro

Autor

10 de novembro de 2019, 12h03

Stokkete
Sistema de Justiça terá que conviver com discurso punitivista e a realidade da superlotação carcerária no Brasil
Stokkete

A mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação à execução antecipada da pena pode ser entendida como uma vitória da ortodoxia constitucional e da presunção de inocência. No entanto, a nova realidade impõe desafios ao sistema penal da Justiça brasileira.

Segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça no último dia 16 de outubro, havia na época 4,9 mil pessoas condenadas à prisão em segunda instância que poderiam ser beneficiadas com a decisão do STF.

De acordo com o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), constam 4.895 mandados de prisão expedidos pelo segundo grau das justiças federal e estaduais. Números demasiadamente menores do que os divulgados por parte da imprensa e por membros do Ministério Público.

Lideranças políticas foram os primeiros beneficiários pela mudança de jurisprudência no Supremo. O ex-presidente Lula, o ex-ministro José Dirceu e ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo foram libertados ainda nesta sexta-feira (8/11). O destino de outros detentos ainda será decidido por juízes das varas de execuções penais, que analisam caso a caso.

O trabalho desses magistrados é que está agora sob escrutínio da sociedade. A discussão continua e, como definiu o jurista Lenio Streck, a “batalha epistêmica” segue sendo travada. Ainda na sexta, milhares de pessoas pediram a libertação do DJ Rennan da Penha nas redes sociais.

Rennan está preso no Complexo de Gericinó, em Bangu, no Rio de Janeiro. Ele foi acusado pelo Ministério Público de associação ao tráfico. Foi absolvido na primeira instância e condenado a seis anos e oito meses após recurso do MPE. Em sua decisão, o desembargador Antônio Carlos Nascimento Amado afirma que o DJ era “olheiro” do tráfico e que ele seria o responsável por avisar a movimentação dos policiais no Complexo da Penha, localidade que sediava o “Baile da Gaiola”, criado por ele.

O processo é ancorado em mensagens que o DJ repassava por WhatsApp para avisar que a polícia estava subindo o morro. O segundo motivo seria que a festa criada por Rennan promovia o uso de drogas. Os defensores do DJ alegam que o esse tipo de comunicação sobre a movimentação dos policiais é comum nas favelas cariocas. E que o entendimento que a mera existência da festa promoveria o tráfico é uma tentativa de criminalização do funk.

Nem todos os 4,9 mil que cumprem pena após condenação em segunda instância são líderes políticos ou músicos conhecidos como Rennan. A maioria dessas pessoas é anônima. E é aí que a “batalha epistêmica” definida por Streck ganha corpo. É importante lembrar que os juízes das varas de execução irão analisar caso a caso e é razoável intuir que nem todas essas pessoas vão ser libertadas.

A percepção de que a impunidade no sistema judicial é um produto destinado às elites é a regra para parcela significativa da sociedade brasileira. Uma visão simplista para um tema complexo.

Por outro lado, o caso de Rennan evidencia ainda mais as incômodas estatísticas do nosso sistema prisional quando se analisa os recortes sociais e raciais. Segundo dados do Infopen, do Departamento Penitenciário Nacional, entre os 700 mil presos, 61,7% são negros ou pardos. E dentro do dado geral, 337.126 são presos provisórios que não foram condenados sequer na primeira instância. A superlotação carcerária é uma tragédia brasileira.

Pesquisa mais recente do BNMP aponta, com dados referentes ao ano de 2018, que a população carcerária brasileira é da ordem de 813 mil pessoas, sendo 41,6% destes são presos provisórios. Os números integram o relatório “O Fim da Liberdade", produzido pelo IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) em parceria com o CNJ, que analisa a eficácia das audiências de custódia. E o diagnóstico é que ainda é preciso melhorar muito esse instrumento.

Em artigo publicado na ConJur, o presidente do IDDD, Hugo Leonardo, e o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias definem de modo certeiro a questão prisional no Brasil ao constatarem que o “caminho rumo à civilização é realmente longo”.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!