Jurisprudência defensiva

Elevado número de processos não pode ser subterfúgio para não julgar

Autor

9 de novembro de 2019, 10h09

Spacca
É preciso combater a prática da jurisprudência defensiva, adotada pelos tribunais — principalmente nas cortes superiores — de não conhecer os recursos em razão de apego formal e rigidez excessiva. A medida é um desserviço à prestação jurisdicional, conforme analisa o advogado Renato Cury, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp). 

De acordo com o advogado, o elevado número de processos não pode ser usado como "subterfúgio para não julgar". A frequente cobrança por celeridade dos tribunais, diz Cury, poderia ser sanada se o Estado, como principal litigante, cumprisse suas obrigações.

"Enquanto o Poder Público não entender e se conscientizar de que, para resolver o problema do Judiciário, o grande protagonista dessa mudança é o próprio Poder Público, a gente não vai ter nenhum resultado efetivo", afirma em entrevista à ConJur

Com o elevado e reconhecido número de recursos que chega aos tribunais superiores, o advogado diz que é preciso ter controles maiores para "filtrar" as demandas que serão apreciadas. "Longe de querer ser elitista, mas existem temas que não faz sentido o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça se debruçarem. Isso acaba atravancando e consumindo o tempo dos ministros que lá estão", explica.

Cury é especialista em Processo Civil e mestre em Direitos Difusos e Coletivos, com ênfase nas relações de consumo pela PUC-SP. Na Aasp, ocupou os cargos de vice-presidente, secretário e tesoureiro. É sócio do escritório IWRCF Advogados.

Leia a entrevista abaixo:

ConJur — A Aasp assinou um manifesto junto de outras entidades de classe em que critica a jurisprudência defensiva. Isso foi resolvido?
Renato Cury —
A Aasp está trabalhando de forma incansável nessa campanha da jurisprudência defensiva. Sabemos que o número de recursos que chega aos tribunais superiores é muito grande, então é preciso ter controles para que só chegue lá o que realmente merece apreciação. Ao longo dos anos ficou nítido que a introdução do processo eletrônico foi um avanço, mas precisa ser ainda aprimorado. 

ConJur — Como filtrar o que chega aos superiores?
Renato Cury —
Já há algumas soluções como o regime de repercussão geral, o regime das ações repetitivas. O Athos e o Victor, sistemas de inteligência artificial do STJ e do STF, respectivamente, estão sendo concebidos para tentar facilitar e dar uma vazão maior. Mas a questão é melhorar o processo de conscientização e modernização da prestação jurisdicional. 

ConJur — Uma crítica frequente é sobre o número de ações penais originárias. Como o senhor avalia?
Renato Cury —
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Penal 450, por exemplo, virou um tribunal penal. Por um ano eles ficaram julgando um caso só. Então parou a principal corte do país para o julgamento de temas penais por força de uma competência constitucional que precisaria ser revista. Ainda que o foro privilegiado seja importante objeto de debate, há outras pautas de temas previdenciários e tributários, por exemplo, que estão aguardando julgamento do STF há anos. 

Em um sistema federativo é comum ter divergências entre tribunais estaduais, mas isso gera insegurança jurídica. No fundo, o que se espera do Poder Judiciário — e acho que esta é a discussão que precisa ser incentivada —, diz respeito à segurança jurídica. A partir do momento que o STF der uma resposta final sobre o tema, tem que ser seguido. O que estou dizendo é que não tem tempo para se debruçar e dar essa resposta a temas que estão travados.

ConJur — As instituições precisam dialogar mais?
Renato Cury —
O diálogo tem sido muito mais fácil com a gestão dos últimos anos no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal de Justiça de São Paulo. O Conselho Nacional de Justiça também é um importante veículo para conseguir esse debate entre protagonistas, porque lá tem representantes da sociedade, da Câmara, da Ordem dos Advogados, do Ministério Público. A contribuição nos debates é que deve ser estimulada e não o encastelamento. 

ConJur — Qual é o problema da PEC 108, que desobriga profissionais a fazerem inscrição em conselhos?
Renato Cury —
A preocupação com a PEC é porque ela atinge frontalmente a advocacia, que sofre com a baixa qualidade do ensino jurídico no Brasil. Há um contingente de bacharéis que não estão aptos a exercer a advocacia e daí a importância do Exame de Ordem e da OAB. 

ConJur — A crise empregatícia vivida pela advocacia é reflexo dessa "derrama de bacharéis"? 
Renato Cury —
O Exame de Ordem separa as pessoas que efetivamente têm as condições e estão habilitadas ao exercício da advocacia. A educação no Brasil como um todo é muito ruim. Especificamente no caso dos cursos de Direito eles exigem que o aluno tenha uma formação educacional básica para que consiga acessar uma universidade de qualidade. Existe um verdadeiro estelionato educacional no país, em que as pessoas são estimuladas a fazer uma matrícula numa determinada universidade e o interesse maior é o recebimento da mensalidade e não uma preocupação específica com uma formação de qualidade. 

ConJur — O que fazer para mudar isso?
Renato Cury —
Cabe uma fiscalização maior do MEC nas faculdades, sendo proibida a criação de novos cursos que não tenham qualidade. Não somos contra a abertura de cursos jurídicos, desde que respeitem os requisitos mínimos de qualidade que se espera. Hoje não existe esse controle. 

ConJur — Qual o impacto das novas tecnologias nas advocacia, como inteligência artificial? 
Renato Cury — O advogado deve procurar se atualizar. Por exemplo, aquele que não souber a Lei Geral de Proteção de Dados vai ter muita dificuldade para sobreviver. Nós, advogados, somos diariamente instigados e estimulados a tentar responder demandas que estão inseridas no contexto da tecnologia.

A Aasp acaba de lançar o Theo, que é uma ferramenta à disposição do advogado para o gerenciamento de processos. A ideia é que ele funcione como um escritório virtual para que o advogado não precise comprar vários programas. É uma que mostra se houve um andamento ou não no fórum por conta do processo eletrônico. É algo que já está interligado Tudo para facilitar a vida do advogado.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!