Opinião

O perigoso discurso apocalíptico dos procuradores da "lava jato"

Autor

  • Marcelo Aith

    é advogado latin legum magister (LLM) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa (IDP) especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca mestrando em Direito Penal pela PUC-SP e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP.

7 de novembro de 2019, 7h02

Estamos próximos do desfecho dos julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que discutem a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal em cotejo com o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal definirá a questão da prisão em segunda instância e o futuro da "lava jato". Em síntese, o artigo 283 estabelece que as prisões em decorrência de decisão condenatório apenas poderão ter início com o trânsito em julgado.

Muito foi dito a respeito da constitucionalidade ou não do mencionado artigo do Código de Processo Penal e tudo indica que o julgamento final será pena inequívoca adequação do preceito normativo ao texto constitucional. Entretanto este artigo caminhará por outras sendas! O objetivo será discutir e afastar o discurso apocalíptico dos procuradores da República atuantes na "lava jato", que insistem, inadvertidamente, em lançar falsa ideias sobre as consequências da decisão do Plenário do Supremo.

A nova moda dos procuradores da República em Curitiba é afirmar que a decisão pela constitucionalidade do artigo 283 do CPP impedirá a decretação da prisão em segunda instância, o que resultará na perpetuação da impunidade, especialmente em relação aos criminosos do “colarinho branco”. Uma imoralidade intelectual e jurídica, para dizer o mínimo!

Como é de conhecimento notório no meio jurídico — cada vez mais acessível à qualquer cidadão pela facilidade de alcançar as informações corretas, escoimadas dos ideologismos — todos os réus podem ser presos cautelarmente durante a instrução ou após encerramento dessa, em qualquer instância, desde que preenchidos os requisitos legais previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.

O artigo 312 estabelece os seguintes requisitos permissivos do encarceramento cautelar: “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.

Dessa forma, presentes os pressupostos e os requisitos para a decretação da prisão, o réu poderá sim ser preso em decorrência de acórdão condenatório ou confirmatório de condenação proferido em segunda instância (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais — quando não foram instâncias com competência originária por prerrogativa de foro).

Destarte, o discurso dos procuradores não corresponde à verdade. São argumentos de terror — ad terrorem — para induzir os leigos a pensarem que a Suprema Corte do país está do lado da impunidade. Uma deslealdade sem precedentes no período da redemocratização do Brasil.

Aqui cabe trazer, para ilustrar o comportamento dos representantes do Ministério Público Federal atuantes na "lava jato", a passagem do Evangelho de Lucas, que reproduz uma parábola do fariseu e do publicano — cobrador de impostos, que eram considerados imorais, corruptos naquele período histórico. “Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro, publicano. O fariseu, em pé, orava em seu íntimo: ‘Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: roubadores, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este cobrador de impostos. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho’. Entretanto, o publicano ficou à distância. Ele sequer ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, confessava: ‘Ó Deus, sê benevolente para comigo, pois sou pecador’. Eu vos asseguro que este homem, e não o outro, foi para sua casa justificado diante de Deus. Porquanto todo aquele que se vangloriar será desprezado, mas o que se humilhar será exaltado!” (Lucas 18:9-14)

Com efeito, nesta parábola temos a oposição radical entre dois orantes e dois tipos de oração: a oração arrogante e autossuficiente do fariseu e a oração confiante e humilde do publicano. O fariseu “agradece” por ser um justo, observante, diferenciado e separado dos “pecadores”, colocando-se diante de Deus em uma atitude de senhor e não de servo. Toma uma posição de igualdade com Deus, na medida em que se sente com direitos diante do Altíssimo. Por outro lado, o publicano tem a atitude humilde. Ele, humilhado e excluído pelo sistema religioso que o considera um pecador, é consciente de sua pequenez e de sua dependência de Deus.

Devem estar a pensar: qual a pertinência deste excerto bíblico com os fatos narrados acima? Absolutamente tudo.

Os discursos apocalípticos de Deltan Dallagnol e de seus “soldados” os aproximam, ainda mais, dos fariseus da parábola, pois se colocam acima do bem e do mal, como se fossem os únicos detentores das armas para combater a corrupção no Brasil, imputando aos ministros que julgaram de acordo com o texto constitucional a pecha de inimigos da pátria.

Ora, senhores procuradores, sejam humildes como os publicanos, não soberbos como os fariseus. Vossas excelências não estão acima do bem e do mal, são “pecadores” como os “cobradores de impostos” da parábola contada por Jesus Cristo, haja vista a recentíssima tentativa da aberrante criação do malsinado fundo privado para gerir recursos públicos e os espúrios diálogos trazidos ao conhecimento de todos pelo site The Intercept Brasil. Vossas excelências, como seres humanos que são, podem errar, são falíveis, embora alguns pensem o contrário.

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