Defesa sob ataque

Em dia decisivo no STF, advogados sofrem nova tentativa de intimidação

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7 de novembro de 2019, 13h54

O mais recente episódio da escalada de ataques a advogados no exercício de sua profissão coincidiu, na manhã desta quinta-feira (7/11), com as portas de um dos julgamentos mais importantes do ano, no qual o Supremo Tribunal Federal vai decidir se volta a aplicar o que diz a Constituição ou se mantém sua interpretação atual sobre o marco temporal para execução da pena nas condenações judiciais.

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O alvo de boataria na internet foi o escritório do ex-ministro Asfor Rocha
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Às 6h32, a assessoria de imprensa da Polícia Federal em São Paulo divulgou a falsa informação de busca e apreensão no escritório Asfor Rocha, do ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça. Logo depois, a nota foi suprimida do grupo de WhatsApp em que se depositam os releases da PF. Mais tarde, quando a notícia da falsa informação estava nos principais portais noticiosos, a nota foi reposta, com o texto original alterado.

O escritório informou que vai registrar notícia-crime na Procuradoria-Geral da República. "Não é verdade que o escritório César Asfor Rocha Advogados tenha sido alvo de busca e apreensão, como se divulgou. Palocci dissemina mentiras com base no que diz ter ouvido falar. Por falta de consistência e provas, essa mesma ‘delação’ foi recusada pelo Ministério Público Federal. Pelas falsidades, agora repetidas, o ex-ministro César Asfor Rocha registrará notícia-crime na Procuradoria-Geral da República e moverá ação penal contra o delinquente, além de ações cíveis por danos causados à sua imagem e à do escritório."

Episódios com características semelhantes, todos em torno de falsas informações, são comuns às vésperas de votações importantes, como a desta quinta no STF. Foi assim com a investigação fraudulenta da Receita contra Gilmar Mendes e com o episódio atribuído a Marcelo Odebrecht para atingir Dias Toffoli — antes do julgamento sobre a criminalização da homofobia.

As investidas contra os advogados, no entanto, da forma como vêm sido feitas, estão atingindo patamares inauditos. Segundo estimativas da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, só este ano já foram emitidas mais de 200 autorizações judiciais para buscas em escritórios de todo o país.

Em outubro, um procedimento de busca na sede da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro) apreendeu contratos firmados entre advogados e a federação. No total, contratos de cerca de 50 bancas foram apreendidos, entre os de alguns dos maiores escritórios do país, segundo informações do colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo.

Em relação às notícias desencontradas sobre as buscas desta quinta, o criminalista Alberto Toron manifestou perplexidade e espanto. "Confesso que me parece um absurdo. Mesmo porque, se houvesse corrupção, e eu tenho certeza que não há, isso se deu há dez anos ou mais. Então, que vestígios vai se encontrar de uma suposta corrupção? Me parece mais uma operação destas para chamar atenção e encobrir fatos do que operação que efetivamente busque alcançar resultados com a diligência levada a efeito. É lamentável que se enxovalhe, que se exponha um homem como o ex-ministro Cesar Asfor Rocha, que hoje engrandece a advocacia brasileira, sem fundamentos mais sólidos que a delação de um sujeito que já comprovadamente mentiu para obter benefícios."

O jurista e colunista da ConJur, Lenio Streck, afirma ver esses ataques com muita preocupação. “Há uma escalada de busca de intimidação da função de advogado. Mesmo que o STF tenha decisões preservando a privacidade dos escritórios, ainda assim os casos aumentam. Procuradores de municípios processados por fazerem o seu trabalho: eis aí também um componente desse fenômeno que criminaliza uma profissão. Parece que se inspiraram em Henrique 6º, peça de Shakespeare, em que o açougueiro grita: kill all the lawyers — matem todos os advogados."

Para o advogado Marcos da Costa, ex-presidente da OAB-SP, "a divulgação de operações policiais por si só já causam imenso prejuízo à imagem do investigado, pois parecem representar, em alguma medida, e equivocadamente, juízo de culpa sobre aquele que é investigado". "Quando essa notícia recai sobre o nome de um advogado, ex-magistrado, o prejuízo é ainda maior, pois afeta não apenas sua credibilidade pessoal, mas a própria imagem da Justiça, agravado em muito esse dano pelo fato de sequer ser verdadeira a notícia."

Leonardo Isaac Yarochewsky, advogado criminalista e doutor em Direito, também alerta para os riscos de atacar os fundamentos democráticos da nossa sociedade. “A criminalização da advocacia com violação de direitos e garantias fundamentais e das prerrogativas da profissão constitui um atentado contra o Estado democrático de direito e, portanto, contra a própria sociedade. Não é demais martelar que sem advogado não há justiça e sem justiça não há democracia.”

Para o criminalista Mariz de Oliveira, a tentativa de intimidação da advocacia faz parte de um cenário ainda maior, de eventual tentativa de instalação de um estado autoritário no Brasil. “A violação poderá, numa escalada, atingir outras garantias individuais até atingir a destruição da democracia que vem se construindo e se desenvolvendo no país nos últimos 30 anos."

Diante desse cenário, continua, "os advogados devem, mais uma vez, resistir ao despotismo, como já fizeram durante períodos autoritários anteriormente". “A única arma do advogado é a palavra. Apenas através da palavra escrita e falada podemos, por um lado, denunciar os ataques, e, por outro, conscientizar a sociedade de que qualquer um de seus membros pode ser vítima de violações”, conclui.

Reclamação
Mas a quinta-feira também registrou uma reação aos justiceiros do Judiciário. Deputados do Partido dos Trabalhadores apresentaram ao Conselho Nacional do Ministério Público uma reclamação disciplinar contra Deltan Dallagnol e outros procuradores da força-tarefa da "lava jato" no Paraná. O fato gerador foi o fundo bilionário que seria montado com dinheiro da Petrobras e gerido pelo próprio Ministério Público.

A reclamação foi composta com base na relação espúria, denunciada pela ConJur, entre o acordo e o advogado dos acionistas da Petrobras, Modesto Carvalhosa. “O objeto principal desta reclamação é a destinação aparentemente de dinheiro público de metade dos recursos advindos das multas pagas pela Petrobras diretamente aos representados pelo advogado Modesto Carvalhosa”.

"Sem nenhum argumento republicano", segue o documento, "o “Acordo de Assunção de Compromissos” previu a destinação de aproximadamente R$ 1,5 bilhão de reais aos representados pelo referido causídico, sem contudo, proteger em nada a Petrobras."

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