Abordagem policial

STJ considera ilegal busca e apreensão coletiva em comunidades pobres do Rio

Autor

5 de novembro de 2019, 19h32

É ilegal a decisão judicial que autoriza busca e apreensão coletiva em residências, feita de forma genérica e indiscriminada. A decisão é da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao anular decisão que autorizou a medida em duas favelas do Rio de Janeiro.

Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Helicóptero da PM em ação em comunidade. Defensoria Pública do Estado do Rio

"A carta branca à polícia é inadmissível, devendo-se respeitar os direitos individuais. A suspeita de que na comunidade existam criminosos e que crimes estejam sendo praticados diariamente, por si só, não autoriza que toda e qualquer residência do local seja objeto de busca e apreensão", disse o relator do habeas corpus, ministro Sebastião Reis Júnior.

Em seu voto, o ministro também afastou a necessidade de indicar os nomes de cada paciente, uma vez que a própria decisão não faz a identificação.

Segundo o relator, a falta de individualização contraria diversos dispositivos legais, como os artigos 240, 242, 244, 245, 248 e 249 do Código de Processo Penal, bem como o artigo 5°, XI, da Constituição Federal, que traz como direito fundamental a inviolabilidade do domicílio.

Em seu voto, o ministro citou doutrina segundo a qual é indispensável que o mandado de busca e apreensão tenha objetivo certo e pessoa determinada, não se admitindo ordem judicial genérica. "Reitero, portanto, o meu entendimento de que não é possível a concessão de ordem indiscriminada de busca e apreensão para a entrada da polícia em qualquer residência".

Ao aderir ao voto do relator, o ministro Rogerio Schietti Cruz ressaltou que a medida de busca e apreensão coletiva "é notoriamente ilegal e merece repúdio como providência utilitarista e ofensiva a um dos mais sagrados direitos de qualquer indivíduo — seja ele rico ou pobre, morador de mansão ou de barraco: o direito a não ter sua residência, sua intimidade e sua dignidade violadas por ações do Estado, fora das hipóteses previstas na Constituição da República e nas leis".

Schietti ressaltou que o estado do Rio de Janeiro vive tempos sombrios na economia e na política, com reflexos na Justiça criminal e no sistema penitenciário, além de altos índices de violência. Para ele, não é possível "sacrificar ainda mais as pessoas que, por exclusão social, moram em comunidades carentes, submissas ao crime organizado, sem serviços públicos minimamente eficientes, sujeitando-as, além de tudo isso, a terem a intimidade de seus lares invadida por forças policiais".

Com o habeas corpus, concedido de forma unânime, a 6ª Turma anulou a decisão que decretou a busca e apreensão coletiva — o que afeta eventuais provas e ações penais decorrentes das diligências.

Ação em comunidades
A decisão questionada autorizou a busca e apreensão em domicílios nas comunidades de Jacarezinho e no Conjunto Habitacional Morar Carioca, no Rio de Janeiro, sem identificar o nome de investigados e os endereços a serem objeto da abordagem policial.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro impetrou o habeas corpus coletivo em benefício dos moradores dessas comunidades pobres, argumentando que, além de ofender a garantia constitucional que protege o domicílio, o ato representou a legitimação de uma série de violações gravíssimas, sistemáticas e generalizadas de direitos humanos.

Segundo a DP, a medida foi tomada, em agosto de 2017, após a morte de um policial em operação das forças de segurança nas favelas de Jacarezinho, Manguinhos, Mandela, Bandeira 2 e Morar Carioca, o que levou à concessão da ordem judicial de busca e apreensão domiciliar generalizada na região. A ordem era para que a polícia tentasse encontrar armas, documentos, celulares e outras provas contra facções criminosas.

Na decisão que autorizou a revista indiscriminada de residências nas áreas indicadas pela polícia, a juíza responsável fez menção à forma desorganizada como as comunidades pobres ganham novas casas constantemente, sem registro ou numeração que as individualize. Segundo ela, a revista coletiva seria necessária para a própria segurança dos moradores da região e dos policiais que ali atuam. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o voto do ministro Sebastião Reis Júnior.
Clique aqui para ler voto do ministro Rogerio Schietti Cruz.
HC 435.934

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!