Caso Marielle

Não dá para acusar Bolsonaro de obstrução de Justiça, dizem especialistas

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5 de novembro de 2019, 15h23

Felipe Lampe
Alberto Toron não enxerga crime por enquanto na conduta do presidente
Felipe Lampe

Com base nas informações disponíveis, o presidente Jair Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ) não cometeram crime de obstrução de Justiça ao pegar as gravações da portaria de seu condomínio na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro. Esse é o entendimento da maioria dos especialistas ouvidos pela ConJur sobre o tema.

A dúvida surgiu no último fim de semana, quando o presidente revelou que pegou as gravações que estão no bojo das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ) e de seu motorista Anderson Gomes.

O presidente disse no último sábado (2/11) que pegou as gravações “antes que elas fossem adulteradas”.  A declaração motivou uma notícia-crime protocolada por deputados do PDT, PSB, PT e PC do B no Supremo Tribunal Federal na noite desta segunda-feira (4/11).

Em um jantar promovido pelo site Poder360, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, saiu em defesa do chefe e disse não enxergar nenhuma ilegalidade no comportamento do presidente. “Seria obstrução de Justiça destruir a prova. Tirar cópia não é obstrução de forma nenhuma, comentou.

Para o criminalista Alberto Zacharias Toron ainda é prematuro se falar em obstrução de Justiça. “Em primeiro lugar, essa imputação pressupõe a acusação de organização criminosa. E não me consta que se faça essa imputação contra o presidente ou seus filhos. Ademais, a fita foi pega às claras e com ampla divulgação pelo próprio filho. Portanto, não se está obstruindo a justiça, até porque, quando pedida, poderá ser entregue. Ao menos, por ora, não vejo esse crime no horizonte em relação ao presidente”, comentou.

Sergio Tomisaki/IDDD
O criminalista Augusto de Arruda Botelho acredita que o crime de obstrução de Justiça ainda é pouco estudado
Sergio Tomisaki/IDDD 

O especialista em direito penal Augusto de Arruda Botelho tem opinião parecida. “O crime de obstrução de Justiça é pouco analisado pela doutrina e pela jurisprudência. É um crime que abre espaço para criminalizar uma série de condutas que não são necessariamente criminosas. No caso específico do presidente […] Pela informação isolada dele, pode se entender ter havido obstrução de Justiça. Mas, acredito que para se afirmar categoricamente se houve obstrução de Justiça é preciso investigar a real intenção do presidente na manipulação dessa prova. Se a intenção dele foi retirar essa prova da investigação ou adulterá-la, aí estaremos diante de um crime”, explica.

Apesar de não enxergar crime na conduta do presidente, o advogado Conrado Gontijo vê o episódio com preocupação. “A atitude do presidente Jair Bolsonaro em acessar o conteúdo de mídias eletrônicas nas quais armazenadas provas de interesse de uma investigação criminal, na qual o seu nome foi mencionado, precisa ser investigada e mais bem compreendida. Não parece adequado que pessoas mencionadas em investigações criminais, sejam inocentes ou não, manipulem elementos de prova, à revelia das autoridades incumbidas da investigação”, diz.

Para Gontijo, esse tipo de comportamento contamina as provas e pode gerar interferências indevidas no curso das apurações. “É fundamental a investigação dos fatos, para que se compreenda com profundidade o que aconteceu e se há algum tipo de ilegalidade praticada”, argumenta.

Apesar de não encontrar na atuação do presidente Bolsonaro e do seu filho uma caracterização clara de obstrução de Justiça, o professor de Direito Processual Penal Fernando Castelo Branco acredita que a situação é sui generis.

“Um presidente da República intervindo na apuração de prova de um processo que — ainda de uma forma indireta — ele está vinculado. Aconteceu dentro do condomínio residencial dele. É um processo que merece investigação e principalmente a não intervenção do Bolsonaro. É absolutamente anormal essa participação dele e essa tentativa de conduzir a investigação da maneira que melhor lhe aprouver”, comenta.

O mesmo olhar crítico de Castelo Branco é compartilhado pelo advogado criminalista Welington Arruda. Com a diferença de que Arruda enxerga elementos que configuram crime de obstrução de Justiça na conduta do presidente. “Tenho a impressão de que o presidente cometeu, no mínimo, o crime de obstrução de Justiça capitulado no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 12.850/2013. E ainda que tenha afirmado em entrevista recente que não manipulou o sistema de gravação do condomínio, apenas seu contato com esses sistemas antes da realização das perícias pode ser considerado embaraço à investigação que busca esclarecer a morte de Marielle, notadamente por se tratar de organização criminosa, e é disso que trata a Lei 12.850/2013”, explica.

Arruda também lembra que na legislação vigente basta o contato com a prova por pessoa não autorizada para que a quebra da cadeia de custódia seja verificada. “Alegar que não manipulou os dados ou que apenas gravou os áudios para se defender não tem a força necessária para descriminalizar a conduta, em tese, típica, que foi perpetrada pela autoridade máxima do país”, diz.

Por fim, a advogada criminalista Marcela Fleming S. Ortiz considera extremamente preocupante a conduta do presidente. "O crime de obstrução de justiça, previsto na Lei das Organizações Criminosas, trata-se de delito que, para sua configuração, é necessário que ocorra o resultado de impedir ou embaraçar investigação que envolva determinada organização criminosa. Seria leviano dizer, neste momento, que o Presidente cometeu referido delito, uma vez que sequer é um dos investigados no inquérito policial. De todo modo, é extremamente preocupante para o Estado Democrático o fato de o presidente ter em sua posse uma prova importantíssima de uma investigação criminal (que tramita em segredo de justiça) e na qual, inclusive, seu nome foi citado", completa.  

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