Justiça tributária

Inconsistências na tributação dos Planos de Previdência Privada PGBL

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

4 de novembro de 2019, 9h59

Spacca
Existem certas situações do quotidiano que são invisíveis para nós, e que, somente quando despertados por algo ou alguém, se revelam em sua inteireza. É o caso que relato nesta coluna.

Os planos de previdência privada são uma modalidade de investimento criada para que as pessoas façam uma poupança para sua velhice ou para situações específicas em seu futuro. A ideia é que seja complementar ao regime geral de previdência pública, gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, com o qual não possui ligação.

Nesta modalidade privada, a pessoa física poderá escolher o valor da contribuição e a periodicidade em que será feita, sendo que o valor a ser resgatado será proporcional ao investimento, acrescido dos juros.

A depender do plano escolhido, será diversa a forma de cobrança do Imposto sobre a Renda – IRPF quando ocorrer o resgate do dinheiro. Existem dois tipos de planos de previdência privada, o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL).

No VGBL, quando o dinheiro é resgatado, o imposto cobrado incide apenas sobre os rendimentos, isto é, sobre os juros, pois os valores aportados pela pessoa física não podem ser abatidos nas declarações anuais do IRPF.

No PGBL pode ser abatido de IRPF um montante limitado em até 12% (doze por cento) da renda bruta do declarante. Porém, quando o dinheiro é sacado, a base de cálculo do imposto de renda é a totalidade do valor existente no fundo, isto é, o principal e os juros.

Vamos centrar nossa atenção neste ponto específico da tributação dos planos de previdência PGBL, pois pode ocorrer em situações específicas que o resgate do montante seja tributado pelo IRPF sobre um valor descasado com as normas vigentes, uma vez que incidirá sobre todo o dinheiro colocado no fundo e não apenas sobre os rendimentos gerados.

Existe um pressuposto de que o abatimento de 12% da receita bruta de cada indivíduo seja suficiente para compensar a tributação no resgate, porém nem sempre isso ocorre. A regra é aplicável a todos os declarantes, porém a equação matemática só se revela adequada quando o declarante adquire ao longo dos anos de investimento renda tributável correspondente aos valores acumulados, o que não ocorre quando grande parte (ou a totalidade) advém de rendimentos isentos ou não tributáveis.

Um exemplo pode tornar mais clara a argumentação. Suponhamos a seguinte situação: Uma pessoa recebe uma herança, rendimento que é considerado isento ou não tributável (art. 35, VII, “c”, RIR-18) e coloca o valor integral em um fundo de previdência privada sob o regime PGBL, e não possui rendimentos anuais tributáveis equivalentes a esse aporte de recursos. Neste caso, quando ocorrer o resgate, sob qualquer alíquota, será pelo valor integral, englobando o principal e os rendimentos, e não apenas sobre os rendimentos (juros), o que viola o art. 153, III, da Constituição e o inciso II do art. 43 do CTN. Afinal, patrimônio não é renda, e, no caso, a tributação será sobre todo o patrimônio investido.

O exemplo acima pode ser projetado e ampliado para outras situações, como no caso de rendimentos sobre dividendos, que são igualmente isentos ou não tributáveis (como diversos outros listados no art. 35 do RIR-18), mas que, investidos acumuladamente no plano PGBL serão tributados na íntegra, quando vier a ocorrer o resgate do investimento.

Não é necessário ser tributarista para saber que patrimônio não é renda, e que o imposto sobre a renda deve incidir sobre os rendimentos, e não sobre o montante principal investido, pois, o principal corresponde ao patrimônio da pessoa, sendo renda apenas os juros que advierem do investimento. É bem verdade que também existe a tributação sobre os proventos de qualquer natureza, o que engloba salários e pensões, porém este é um aspecto que refoge à análise aqui realizada.

Observa-se tal inconsistência na análise de casos concretos, não havendo uma tese geral aplicável à generalidade dos casos. Exatamente por isso que não é uma alegação de inconstitucionalidade da norma, que, em diversas situações, pode estar sendo aplicada de forma adequada. Trata-se de uma inconsistência a ser apurada em casos concretos, nos quais se poderá identificar que o volume resgatado é vastamente superior ao uso do limitador de 12% estabelecido para o abatimento sobre a receita bruta na aquisição dos rendimentos pelo declarante.

Insisto que a regra geral parte do pressuposto de que as receitas a serem investidas no PGBL se equivalerão, ao longo do tempo, ao montante anual de rendimentos tributáveis do declarante, o que não ocorrerá se houver um alto volume de rendimentos isentos. Quando esta equação não ocorrer, a tributação será realizada no resgate sobre a íntegra do montante investido, violando a regra do imposto sobre a renda, pois estará sendo tributado o patrimônio, e não a renda.

Na teoria a explicação é simples, embora na realidade o problema se encontre na identificação dos casos concretos, tantas são as variáveis na composição das receitas havidas pelas pessoas físicas ao longo do tempo. Somente uma perícia é que permitirá identificar se os 12% de abatimento sobre a receita bruta do declarante, ao longo do tempo, serão suficientes para compensar a tributação sobre o montante integral realizada no resgate nos planos PGBL.

Alguém, com pouco conhecimento jurídico, poderia argumentar que se trata de uma opção do investidor, pois, ao escolher o Plano PGBL sabia que a tributação ocorreria desta forma. Todavia, tal argumentação não resiste a um sopro de análise jurídica tributária, em face do Princípio da Reserva Legal, que limita quanto o Fisco pode tributar em cada situação, sendo que, na tributação pelo Imposto sobre a Renda, o Fisco só pode tributar a renda, ou seja, os rendimentos (= juros), e não o patrimônio.

A quem for analisar sua carteira de investimentos em PGBL e constatar esse tipo de problema, aviso logo que, processualmente, será uma luta renhida, com muitos percalços em face da perícia que necessariamente deverá ser realizada. Porém, pode valer a pena. Façam suas contas.

Registro, por fim, que fui alertado para tais inconsistências por dois eminentes amigos e colegas advogados em Santarém, no Pará, cidade às margens do belíssimo rio Tapajós, cujas praias em Alter do Chão permanecem com areias brancas e sem derramamento de óleo.

Autores

  • é Professor Titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados.

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