Opinião

José Roberto Batochio: A sabedoria de Minerva no STF

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1 de novembro de 2019, 14h17

Naquele que é considerado o primeiro julgamento da História da Grécia antiga, a genialidade de Ésquilo concebe na obra A Orestia, de 458 a.C., a deusa Palas Atena a presidir o julgamento de Orestes, nobre helênico que matara a própria mãe, a rainha Clitemnestra, e o amante dela, Egisto, por haverem ambos tramado e executado o assassinato do seu pai, o grande general Agamenon.

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O matricídio, a despeito das circunstâncias, abalara o Olimpo, e a tradição determinava a punição de seu autor com a morte. Quando do julgamento, todavia, dividiu-se o tribunal em quatro votos contra e quatro a favor de Orestes. Coube então a Palas Atena, divindade da sapiência, decidir a controvérsia.

Esse determinante desempate por parte de quem presidia o Areópago tornou-se mais tarde conhecido como voto de Minerva — manifestação que transcendeu o impasse aritmético porque Minerva, nome romano de Palas Atena, era na mitologia latina a deusa da sabedoria. E foi revestida dessa condição distintiva que absolveu Orestes ao fundamento de que, no caso de empate em julgamento criminal, a decisão do presidente do colegiado deve sempre favorecer o réu, como civilizada indicação de clemência amparada na irresolução da dúvida.

No Brasil, o voto de Minerva tem lugar também no Supremo Tribunal Federal, cuja composição de 11 ministros eventualmente provoca empates nos julgamentos — obrigando o presidente, último a votar, a determinar a decisão final.

A sabedoria de Minerva sobrepaira no momento presente à majestosa e honrada toga do ministro Dias Toffoli, em face da possibilidade de terminar empatado o corrente julgamento da constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que veda a prisão resultante de condenação penal em segunda instância.

A marcha da tramitação, votos anteriores, posições manifestadas e o perfil dos ministros indicam um placar de cinco a cinco, o qual, se confirmado, obrigará o presidente da Corte Máxima a proferir o voto que celebrizou Minerva.

A sabedoria como conhecimento da verdade cintila na história da jurisdição desde Salomão, rei que milenarmente antecedeu a Cristo, o qual julgava pendências com “discernimento extraordinário e uma abrangência de conhecimento tão imensurável quanto a areia do mar”, dádiva proporcionada diretamente por Deus (Reis, 4:29).

A evolução do Direito ao longo dos séculos conduziu a sapiência dos magistrados para a fidelidade à lei. Quanto mais respeita e aplica as normas que contém a vontade geral da nação, mais sábio é o juiz. A fonte de saber, no ponto, resplandece no artigo 5.º, inciso LVII, da Constituição, que estatui: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, e por isso o artigo 283 do Código de Processo Penal é definitivo ao estabelecer que um condenado não poderá ser preso antes de sentença condenatória imutável, é dizer, transitada em julgado.  

Claros, meridianos, cristalinos e vítreos, os textos legais consagram no ordenamento jurídico do Brasil o vetusto instituto da presunção de inocência — um direito fundamental que protege a sociedade dos erros e dos excessos — tão frequentes — do Estado.

Somente e apenas quando o réu condenado não dispuser mais de recursos para demonstrar sua inocência é que poderá iniciar a expiação e ser preso. Se o for antes, haverá antecipação da pena.

Quanto mais clara e taxativa é a lei, menos sujeita a interpretações, porque também mais sábia se mostra, e assim repugna as exegeses políticas e ideológico-conjunturais dos hermeneutas. E, caso seja de se hipertrofiar a interpretação, a única aqui admissível é a que emerge em favor dos direitos fundamentais da pessoa humana, como bem sinalizou à organização sócio-política dos Homens a vetusta sabedoria de Minerva. Em uma única e civilizada palavra: a dúvida não deve e nunca pode ser resolvida contra as liberdades.

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