Opinião

Valores decorrentes de plano de opção de compra de ações não são salário

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1 de novembro de 2019, 6h03

Os planos de ações foram criados nos EUA na década de 60 como forma de atrair e reter talentos. A ideia foi criar comprometimento dos colaboradores com os resultados das empresas, recompensando-os financeiramente na hipótese de resultados positivos e compartilhando as perdas em caso de resultados negativos.

No Brasil, os planos de ações chegaram na década de 70, juntamente com as empresas multinacionais e, em 1976, foram introduzidos pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, através da redação do artigo 168, parágrafo 3º, da Lei das Sociedades Anônimas, que estabelece que “o estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite do capital autorizado, e de acordo com o plano aprovado pela assembleia geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou à sociedade sob seu controle”.

Esse instituto foi tão bem aceito que, em 2015, um terço das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo possuía algum tipo de plano de ações. Dentre as diversas espécies de planos de ações destacam-se os planos de opção de compra de ações. Nessa modalidade, quando o colaborador adere ao plano, são fixados o preço e a quantidade de ações que poderá adquirir. Após um período de carência, o colaborador pode exercer a opção e realizar a compra nas condições pré-estabelecidas.

Obviamente, o colaborador se esforçará para atingir o melhor resultado, pois, caso as ações se valorizem, auferirá um ganho correspondente à diferença entre o preço pré-fixado das ações que poderá adquirir e aquele corrente na Bolsa de Valores. O problema tributário surge, justamente, quando ocorre esse ganho.

A Receita Federal tem entendido que esse ganho constitui uma retribuição pelo trabalho, tendo natureza remuneratória e, portanto, sujeito à incidência do imposto de renda, como rendimento do trabalho, e das contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários.

Já os contribuintes entendem que esse ganho decorre de uma relação comercial. Seria uma recompensa pela assunção de um risco e, portanto, somente ensejaria a tributação pelo imposto de renda sobre o ganho de capital, quando houvesse a venda dessas ações com lucro.

Para a Justiça do Trabalho, o assunto não é novo. A jurisprudência trabalhista sempre entendeu que nem todos os valores recebidos em razão de um contrato de trabalho possuem natureza salarial. Existem ali parcelas indenizatórias, prêmios e abonos, que não podem ser caracterizados como uma retribuição pelo trabalho. E, nesse contexto, também devem ser incluídos eventuais ganhos auferidos em razão da adesão aos planos de opções de compra de ações.

São necessários, então, três elementos essenciais para caracterizar um plano de opção de compra de ações: (i) a voluntariedade, ou seja, a adesão deve ser facultativa; (ii) a onerosidade, o empregado deve efetivamente pagar pelas ações adquiridas; e (iii) o risco, as ações adquiridas devem estar sujeitas às oscilações do mercado de ações. O fato de o plano ser ofertado somente aos colaboradores da companhia é irrelevante para a caracterização de sua natureza comercial.

Ocorre que, ante a necessidade de convergência internacional das normas contábeis, foi criado o Comitê de Pronunciamentos Contábeis, que, em 2010, publicou o Pronunciamento Técnico 10, prevendo, em seu item 12, a forma de contabilização das opções de compra de ações. Logo em seguida, em 2014, foi publicada a Lei 12.973, que, em seu artigo 33, tratou do momento de contabilização dessa “remuneração”.

Vale notar que o termo remuneração foi utilizado nestes dispositivos em seu sentido amplo, não em seu sentido técnico. Tais dispositivos não possuem força para alterar a natureza jurídica mercantil dos ganhos auferidos em razão dos planos de opção de compra de ações.

No entanto, após a publicação desses dispositivos, a Receita Federal passou a autuar as empresas que possuem tais planos, tendo o assunto ganhado relevância perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e o Poder Judiciário. Segundo um levantamento feito pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, até junho de 2016, 20 casos envolvendo planos de opção de compra de ações haviam sido julgados pelo Carf e somente quatro em favor dos contribuintes. Ora, alguma coisa está errada!

Ou a Justiça do Trabalho, que possui um viés nitidamente social e protetivo ao trabalhador, vem julgando a matéria de forma equivocada desde a década de setenta, ou a Receita Federal, com um claro interesse fiscal, vem buscando receber valores que não lhe pertencem. O que não se pode admitir é que, para fins trabalhistas, esses ganhos não componham o salário dos trabalhadores, mas, para fins arrecadatórios, sim.

Nos Tribunais Regionais Federais, responsáveis pelo julgamento dessas autuações, a situação parece se inverter. Em nossa pesquisa, identificamos decisões dos TRFs da 2ª (RJ e ES), 3ª (SP e MS) e 4ª Regiões (RS, SC e PR), todas elas em favor dos contribuintes, com especial destaque para o TRF da 3ª Região, no qual identificamos doze decisões e nenhuma delas em favor da Receita Federal.

Mas o caso que está mais próximo de uma decisão final encontra-se no Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do ministro Francisco Falcão. Trata-se do Recurso Especial 1.737.555, proposto pela PGFN contra acórdão do TRF-3 que reconheceu a natureza mercantil dos valores auferidos em decorrência da adesão ao plano de opção de compra de ações. Recentemente, o Ministério Público Federal apresentou parecer no sentido de que os valores em questão não se prestam a retribuir o trabalho, não obstante decorrerem da relação existente entre o colaborador e companhia, afinal, como ressaltou o procurador da República responsável pelo caso, não existe salário pelo qual o trabalhador tenha que pagar.

Nossa expectativa é a de que, em breve, a 2ª Turma do STJ corrobore esse entendimento, conferindo a segurança jurídica necessária para a continuidade da utilização desse instituto, tão importante para o fomento do desenvolvimento em tempos de crise como o que vivemos, tornando, assim, a jurisprudência estável, íntegra e coerente, como exige o Código de Processo Civil.

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