Direito do Agronegócio

A suspensão do IPI da Lei 10.637/2009 para o setor de sementes

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

1 de novembro de 2019, 8h00

Spacca

O setor de produção de sementes tem de longa data sofrido uma indevida restrição no gozo do “benefício” da suspensão do IPI nas compras de embalagens, matérias-primas e produtos intermediários.

Para melhor compreensão do tema, convém citar o que preceitua o artigo 29 da Lei 10.637/2002:

“Art. 29. As matérias-primas, os produtos intermediários e os materiais de embalagem, destinados a estabelecimento que se dedique, preponderantemente, à elaboração de produtos classificados nos Capítulos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 23 (exceto códigos 2309.10.00 e 2309.90.30 e Ex-01 no código 2309.90.90), 28, 29, 30, 31 e 64, no código 2209.00.00 e 2501.00.00, e nas posições 21.01 a 21.05.00, da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, inclusive aqueles a que corresponde a notação NT (não tributados), sairão do estabelecimento industrial com suspensão do referido imposto. (Redação dada pela Lei nº 10.684, de 30.5.2003)
(…)
§ 5º A suspensão do imposto não impede a manutenção e a utilização dos créditos do IPI pelo respectivo estabelecimento industrial, fabricante das referidas matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem.
§ 6º Nas notas fiscais relativas às saídas referidas no § 5o, deverá constar a expressão "Saída com suspensão do IPI", com a especificação do dispositivo legal correspondente, vedado o registro do imposto nas referidas notas.
§ 7º Para os fins do disposto neste artigo, as empresas adquirentes deverão:
I – atender aos termos e às condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal;
II – declarar ao vendedor, de forma expressa e sob as penas da lei, que atende a todos os requisitos estabelecidos.”

Segundo texto normativo citado, o adquirente deve cumprir os seguintes requisitos para o gozo da aquisição com suspensão de IPI:

(i) – ser matéria-prima, produto intermediário ou material de embalagem;
(ii) – a venda estabelecimento do adquirente (a lei não exige, muito menos, menciona estabelecimento industrial, sobretudo em sentido estrito, conforme artigo 8º do RIPI, de maneira que será qualquer estabelecimento);
(iii) – o estabelecimento da adquirente deve elaborar determinado produto de forma preponderante;
(iv) – deve elaborar um dos produtos do “caput;
(v) – a venda será com suspensão de IPI, inclusive para aqueles a que corresponde a notação NT.
(vi) – as notas fiscais relativas às saídas deverão ter a expressão “saída com suspensão do IPI”, bem como as empresas adquirentes deverão declarar ao vendedor, de forma expressa, que atende aos requisitos legais.

Convém, inclusive, lembrar que na exposição dos motivos da Medida Provisória 66/2002, com convertida na Lei 10.637/2002, há expressa menção à sua finalidade:

“20.  O art. 31 institui a suspensão do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), na saída dos produtos que menciona, visando evitar a acumulação de créditos, o que implica atribuir melhores condições operacionais e de fluxo financeiro para as empresas nacionais, tornando-as mais competitivas, inclusive mediante redução de preços de seus produtos. Registre-se, por oportuno, que essa suspensão é estendida às empresas preponderantemente exportadoras, nos termos e condições que serão estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, com vista a apoiar a atividade exportadora nacional.” 

Possível notar que a finalidade normativa busca reduzir o ônus tributário referente ao IPI sobre os principais produtos (matéria-prima, produto intermediário e embalagem) utilizados para a produção nacional de diversos itens, garantindo competitividade e o consumo diante da redução de preços.

No caso da produção de sementes, o produto consta expressamente do artigo 29, notadamente, no capítulo 12 (por exemplo, semente de soja), porém, há o entendimento da Receita Federal no sentido de que não caberia o gozo deste direito uma vez que somente seria possível para contribuinte do imposto, de tal sorte que produtos NT não estariam dentro desta permissão.

Vejamos Solução de Consulta 68, de 21 de março de 2014:

“Assunto: Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI
REGIME SUSPENSIVO. AQUISIÇÕES. INDUSTRIAL.
Não fazem jus à suspensão do IPI de que trata o art. 46, inciso I, do Ripi/2010, as aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem realizadas por estabelecimento industrial (contribuinte do IPI), pela legislação do imposto. A suspensão do imposto só é aplicável quando o adquirente das matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem for um estabelecimento industrial (contribuinte do IPI) e dedicado preponderantemente à elaboração de produtos relacionados no mencionado inciso I. Dispositivos legais: Lei n. 10.637, de 2002, art. 29, “caput” (na redação do art. 25 da Lei n. 10.864, de 2003); Decreto n. 7.212, de 2010 (Ripi/2010), art. 2º, art. 3º, art. 8º, art. 24, inciso II, art. 35, inciso II, e art. 46, inciso I e § 1º, IN RFB n. 948, de 2009, art. 21.

Entendemos que esta interpretação não leva em consideração a finalidade normativa e, sobretudo, os requisitos estampados expressamente no artigo 29, da Lei 10.637/2002, não se tratando de qualquer interpretação extensiva ou analógica a permissão da compra de insumos, produtos intermediários e embalagens com suspensão do IPI por pessoas jurídicas produtoras de sementes classificadas no Capítulo 12 da TIPI.

Conforme exposto na lei, o adquirente, em verdade, deve adquirir tais itens destinados à utilização no produto a ser elaborado com classificação fiscal NCM 12, independentemente de tributação — caso de NT. Equivale dizer: independentemente de ser ou não contribuinte do IPI.

Não há exigência na lei de que o produto elaborado pelas sementeiras seja tributado para gozar do incentivo da legislação. Fazer esta exigência seria contrariar o próprio dispositivo legal, mediante interpretação sem razoabilidade, além de criar distinções não impostas em lei, o que fere a legalidade e igualdade.

Ora, seria de todo modo contraditório mencionar na lei o produto NCM 12, que é NT, e, ao mesmo tempo, dizer que uma pessoa jurídica que o elabore de forma preponderante não poderá adquirir a embalagem com suspensão de IPI. Seria uma interpretação contrária à lei e contraditória.

Não se nega que referida suspensão não alcança a simples comerciante ou revendedor, o que é diferente da produção de sementes.

Não resta dúvida, portanto, do correto entendimento no sentido de permitir a venda com suspensão de IPI, nos termos do art. 29, da Lei n. 10.637/2002, quando se tratar de adquirente que elabore de forma preponderante produto NCM 12, independentemente deste ser NT (ou seja, não ser contribuinte do IPI).

Aliás, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região que:[1]

“TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO. OBTENÇÃO DE MATERIAS-PRIMAS, PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS E MATERIAIS DE EMBALAGEM. INCENTIVO FISCAL.  PESSOAS JURÍDICAS PREPONDERANTEMENTE EXPORTADORAS. NÃO CONTRIBUINTE DO IPI. ARTIGO 29, § 2º, DA LEI 10.637/2002. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA.
1. O artigo 29 da Lei 10.637/2002 suspende o Imposto sobre Produtos Industrializados das matérias-primas, dos produtos intermediários e dos materiais de embalagem destinados aos estabelecimentos que se dediquem a produção dos produtos que indica (caput e § 1º), como também às pessoas jurídicas preponderantemente exportadoras (§ 2º).
2. Em relação às pessoas jurídicas preponderantemente exportadora, a única exigência feita pela lei, no § 3º do art. 29 em sua redação original, era que sua receita bruta decorrente de exportação, no ano calendário imediatamente anterior ao da aquisição, fosse superior a 80% de sua receita bruta total no mesmo período.
3.
É de ver-se que não se exige que tal empresa seja contribuinte do IPI. Quando a lei quis referir-se ao contribuinte do IPI o fez, conforme se verifica no já citado caput e no § 1º do art. 29. Aliás, no caput há, inclusive, permissão para a suspensão do IPI quando o insumo for destinado a empresas de produtos não tributados, o que implica na concessão do incentivo fiscal a empresas que podem ser não contribuinte do IPI.
4. Vale ressaltar que não se pleiteia a aplicação do princípio da não-cumulatividade do IPI, previsto no art. 153, parágrafo 3º, II, da Constituição Federal, nos moldes de creditamento do que seria devido em relação a operações econômicas anteriores isentas, não-tributadas ou tributadas à alíquota zero, situações estas tidas como não ensejadoras desse mecanismo constitucional de compensação do tributo segundo interpretação do STF em seus julgados proferidos nos REs  353657/PR e 370682/SC. Discute-se, na verdade, o exercício de um incentivo fiscal conferido pelo art. 29 da Lei  10.637/2002.

5. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial a que se nega provimento.”

Em tais condições, a partir do próprio texto normativo, bem como sua finalidade, a interpretação mais adequada será no sentido de reconhecer o direito previsto no artigo 29, da Lei 10.637/2002 para as pessoas jurídicas produtoras de sementes (NCM 12 da TIPI), até mesmo em respeito aos princípios de legalidade, igualdade e razoabilidade/proporcionalidade.


[1] – TRF 1ª Região, AC 0020480-86.2004.4.01.3300, Rel. CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS, j. 24/09/2013.

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    é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.

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