Opinião

Decisão de câmara do TJ-SC sobre vagas em creches é "ponto fora da curva"

Autor

  • Rafael Schreiber

    é procurador do município de Joinville (SC) advogado especialista em Direito Público pela LFG e em Direito da Economia e da Empresa pela FGV e graduado em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb).

28 de março de 2019, 18h19

No dia 25/03/2019, às 8h21 a ConJur publicou a seguinte notícia: "TJ-SC multa município por recurso protelatório em caso de vaga em creche".

Noticiou-se que o município teria apresentado recurso protelatório e por conta disso foi condenado ao pagamento de multa de 5% sobre o valor atualizado da causa. A 1ª Câmara de Direito Público (1CDP) entendeu que a mãe da criança necessita de tempo para reingressar no mercado formal de trabalho e, portanto, o infante necessitava de vaga em creche no período integral. Destacou, a notícia, que o município seria "useiro e vezeiro" em situações como as do processo e que o ente insistiria em negar vagas em creche.

Da notícia publicada é preciso esclarecer todo o conjunto e não apenas um fato isolado.

Isso porque o município de Joinville não nega vagas em creche, mas apenas defende a Lei e zela pelo cumprimento da jurisprudência, principalmente a do próprio TJ-SC.

Curioso é que a notícia divulga apenas decisão proferida pela 1CDP do TJ-SC, mas nada publicando em relação às demais decisões emanadas das outras quatro Câmaras de Direito Público, que acolhem a tese do Município e não aplicam multa.

Aliás, existe no TJSC um Enunciado aprovado pelo próprio Grupo de Câmaras de Direito Público, nos seguintes termos: "ENUNCIADO X – Deve ser promovida a conciliação entre a oferta de educação infantil em período integral e parcial a partir da demonstração da efetiva necessidade de todos aqueles que compõe o núcleo familiar de que participa o (a) infante, analisando-se o caso concreto". (Vide IRDR nº. 0025410-61.2016.8.24.0000/50000).

Com base nesse enunciado e analisando caso a caso, todas as Câmaras de Direito Público do TJSC – à exceção da 1CDP – aplicam-no com maestria. Nesse sentido (dentre inúmeros outros casos):

"Na hipótese em apreço, observa-se que o infante possui 2 anos de idade (fl. 19) e reside com a mãe, a qual está desempregada. A matrícula do infante em período parcial não inviabiliza o acesso da mãe ao mercado de trabalho, especialmente em razão da inexistência de prova em sentido contrário" (Autos nº. 0307300-02.2017.8.24.0033, da 2CDP).

"Na hipótese, resta demonstrado que a genitora do infante desempenha duas atividades laborais na condição de operadora de produção (p. 24 do processo na origem), enquanto o pai encontra-se desempregado. Desse quadro, evidente que ao menos o genitor pode demandar cuidados ao infante. […]

É que concessão em meio período, para aqueles que não demonstram a necessidade de assistência integral, visa, também, possibilitar que o maior número de crianças usufruam do direito que lhes assiste. Daí, o atendimento ao longo de todo o dia possui potencial para prejudicar outros postulantes. Assim, havendo possibilidade de um dos genitores permanecer na companhia do filho, deve ser deferido o efeito suspensivo, em parte, apenas para limitar o período de prestação do serviço" (Autos nº. 4019914-28.2018.8.24.0900, da 3CDP).

"O tema atinente ao período de oferta de vaga em creche na educação infantil não é novo nesta Corte, tendo o Grupo de Câmaras de Direito Público, editado o Enunciado n. X, nos seguintes termos: […]. Contudo, a analise deve ser efetuada caso a caso. Na hipótese vertente, com a devida vênia, depreende-se dos autos inexistir comprovação cabal da necessidade de concessão da vaga em período integral, haja vista que, o núcleo familiar do menor e formado pelos pais, e embora esteja comprovado que a genitor cumpre jornada laboral em horário comercial (fl. 21), a genitora, declara-se desempregada (fl. 02), o que permite comprometer-se com os cuidados do menor no contra turno" (Autos nº. 0303538-26.2018.8.24.0038, da 4CDP).

"Pleito de concessão de vaga em período integral. Busca o insurgente a reforma da sentença para que seja provida a vaga em creche de forma integral. A tese não comporta acolhimento. No caso dos autos a genitora da criança está desempregada (fl. 14) e sem auferir renda (fl. 15), enquanto o pai trabalha com pintura predial. Assim, inviável o deferimento da vaga em período integral neste caso tendo em vista que a genitora do autor está desempregada. Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência: […]. Assim, não comporta provimento o recurso do autor para deferimento da vaga em período integral" (Autos nº. 0302634-41.2018.8.24.0091, da 5CDP).

Fácil perceber que a decisão noticiada é "ponto fora da curva", que se distancia do entendimento das outras Câmaras do TJSC. Distancia-se, também, do entendimento firmado em sede de recurso repetitivo do STJ quanto à aplicação da multa, vez que é amplamente majoritário o entendimento no sentido de que o agravo interposto contra decisão monocrática do Tribunal de origem, com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e do extraordinário, não é manifestamente inadmissível ou infundado, o que torna inaplicável a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC (REsp 1198108/RJ).

Entender que o exercício regular do direito é algo manifestamente improcedente, inclusive passível de penalização (multa), é rasgar a própria Constituição, que garante o acesso à justiça, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, principalmente quando ocorre erro por parte do próprio Poder Judiciário e quando determinada Câmara prefere não cumprir o entendimento dominante do próprio Tribunal (arts. 926 e 927, do CPC).

Portanto, indaga-se: será que é o Município realmente o "useiro e vezeiro"?

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  • é procurador do município de Joinville (SC), advogado, especialista em Direito Público pela LFG e em Direito da Economia e da Empresa pela FGV e graduado em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb).

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