In dubio pro societate

Júri não pode ser convocado com base em relato preliminar, diz 2ª Turma do STF

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26 de março de 2019, 19h04

Por maioria de votos, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal reformou, nesta terça-feira (26/3), decisão que mandou dois acusados de homicídio serem julgados pelo tribunal do júri com base no princípio do in dubio pro societate.

No caso, a turma analisou um agravo contra decisão Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Os réus foram denunciados pelo crime de homicídio supostamente praticado em 28 de junho de 2008. Na ocasião, o juiz de primeiro grau julgou improcedente a denúncia e impronunciou os réus em abril de 2011. O Ministério Público, então, recorreu ao TJ-CE, que submeteu os acusados ao Tribunal do Júri em dezembro de 2013 sob o fundamento do no princípio do in dubio pro societate.

Na prática, o princípio do in dubio pro societate significa que, em determinadas fases do processo penal — como no oferecimento da denúncia e na prolação da decisão de pronúncia — inverte-se a lógica: a dúvida não favorece o réu, e sim a sociedade.

Em outras palavras, ao receber os autos do inquérito policial, havendo dúvida, deve o promotor de Justiça oferecer a denúncia. Da mesma maneira na fase da pronúncia: se o juiz ficar em dúvida sobre mandar o processo a júri ou não, deve optar pela solução positiva.

Prevaleceu entendimento do relator, ministro Gilmar Mendes. Para ele, este é um caso que demonstra claramente os efeitos problemáticos ocasionados pela construção do in dubio pro societate como critério de decisão para o juízo de pronúncia no Júri.

"Embora existam precedentes deste Supremo Tribunal Federal no sentido de uma aplicação sem maiores cautelas de tal princípio, inclusive de minha relatoria, creio que esta é situação que carece de atenta análise. Como visto das razões do Tribunal de Justiça, em lugar de testemunhas presenciais que foram ouvidas em juízo, deu-se maior valor a relatos obtidos somente na fase preliminar, os quais, não submetidos ao contraditório em juízo, não podem ser considerados elementos com força probatória razoável", disse Gilmar.

Para o relator, embora inexistam critérios de valoração rigidamente definidos na lei, o juízo sobre fatos deve ser orientado por critérios de lógica e racionalidade.

"Trata-se de níveis de convencimento ou de certeza, que determinam o critério para que se autorize e legitime o proferimento de decisão em determinado sentido. E o ponto central é que o atendimento a tal standard deve ser controlável intersubjetivamente", defendeu.

De acordo com o ministro Gilmar Mendes, a questão deve ser resolvida a partir da teoria da prova no processo penal.

"Sem dúvidas, para a pronúncia, decisão que não põe fim ao processo e leva ao Júri, não se exige uma certeza além da dúvida razoável, necessária para a condenação. Neste caso concreto, conforme reconhecido pelo juízo de primeiro grau e também em conformidade com os argumentos aportados pelo Tribunal, há uma preponderância de provas no sentido da não participação dos acusados nas agressões que ocasionaram o falecimento da vítima", avaliou o ministro.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Celso de Mello seguiram entendimento do relator. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia

Pronúncia e Impronúncia
A impronúncia é a decisão por meio da qual o juiz conclui que não há provas da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação para levar o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri.

Já a pronúncia é uma decisão que não põe fim ao processo: ela apenas decide que existem indícios de um crime doloso contra a vida e que o acusado pode ser o culpado e que, por se tratar de um crime doloso contra a vida, o processo será julgado por um tribunal do júri e não por um juiz sozinho.

Clique aqui para ler o voto do relator.
ARE 1067392

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