Opinião

Atribuir competência eleitoral a juízes federais é inconstitucional

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  • Flávio Henrique Costa Pereira

    é sócio coordenador do departamento de Direito Político e Eleitoral do escritório BNZ Advogados especialista em Direito Eleitoral e um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

26 de março de 2019, 16h55

Em qualquer democracia, a legitimidade dos Poderes constituídos depende de três elementos que a ela são intrínsecos: eleições que permitam a representatividade de acordo com a maioria, exercício do poder em consonância com a moralidade e subserviência dos agentes públicos à Constituição Federal.

No Brasil, diariamente estamos assistindo tentativas de importantes membros do Poder Judiciário e do Ministério Público de interpretar a Constituição de acordo com convicções pessoais, ainda que contrárias à literalidade da norma.

Um novo capítulo desta história acaba de ser publicado: a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pretende atribuir aos juízes federais a competência para assumir as varas eleitorais de primeira instância, com a pretensão de contornar a decisão do Supremo Tribunal Federal de atribuir à Justiça Eleitoral a competência para julgar os crimes conexos às infrações penais eleitorais.

Mais uma vez busca-se atalhos para impor o desejo de uma instituição, à revelia da Constituição da República. O parágrafo 1º, do artigo 121 da Carta Magna é expresso em consignar que as zonas eleitorais serão de competência dos juízes de Direito. Aliás, assim ocorre no Brasil há mais de 50 anos.

A questão jurídica posta é que, sem mudança da Constituição Federal, não será possível entregar aos juízes federais as funções eleitorais, como quer a Procuradoria-Geral da República. Fazê-lo seria legitimar um retalho interpretativo à Constituição. E não será por retalhos que conseguiremos fazer do Brasil um país sem corrupção. A história, afinal, é pródiga ao revelar que as ações autoritárias de hoje resultarão em mais corrupção no futuro.

É o caso da famosa operação mãos limpas, que varreu o mundo político italiano e serviu de referência para a “lava jato”. Em entrevista recente, o jornalista italiano Gianni Barbacetto lembrou que a mãos limpas resultou em novos esquemas de corrupção. Dentre as ações que levaram ao fracasso da operação, Barbacetto lembrou que, “em algumas procuradorias, ocorreu uma corrida em que juízes jovens, que queriam fazer carreira, abriram investigações e cometeram erros. Não chegaram a lugar nenhum”.

Outro ponto ressaltado pelo jornalista, estudioso da operação italiana, foi a decisão de juízes e procuradores de deixarem suas cadeiras para assumirem cargos políticos.

Fica evidente que todos os esforços até aqui despendidos no combate à corrupção somente serão preservados e deixarão legado se os membros do Ministério Público e do Judiciário continuarem cumprindo suas missões institucionais. Para tanto, a única cartilha a seguir é a Constituição.

Lamentavelmente, temos visto iniciativas em sentido oposto. Se não se impuser freio aos açodados, repetiremos o insucesso italiano. E aqueles que gritam à imprensa que a operação “lava jato” está em risco construirão uma urna funerária ao combate à corrupção.

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