Uniformização de leis

Suprema Corte dos EUA vai decidir se alegação de insanidade é defesa aceitável

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23 de março de 2019, 8h37

A Suprema Corte dos EUA decidiu julgar dois casos que podem mudar significativamente a legislação criminal do país. Em um deles, a corte vai decidir se a alegação de insanidade mental deixa de ser uma defesa aceitável. Em outro, se o veredicto do júri tem mesmo de ser unânime. Com quaisquer decisões, a corte vai uniformizar as legislações estaduais, que hoje diferem umas das outras.

Sean Pavone
Suprema Corte dos EUA julgará dois casos que podem mudar significativamente a legislação criminal do país
Sean Pavone

Em cinco dos 50 estados americanos (Kansas, Alasca, Idaho, Montana e Utah), a lei aboliu a alegação de insanidade mental do processo penal. O processo perante a Suprema Corte é um caso de Kansas, onde James Kahler foi sentenciado à pena de morte em 2009, por matar sua ex-mulher Karen, suas duas filhas e a avó de Karen.

A lei de Kansas (e dos outros quatro estados) determina que doença ou deficiência mental não constitui uma defesa aceitável se o réu tem a intenção de cometer o crime, independentemente de ele saber se suas ações são erradas, segundo os jornais Los Angeles Times e Washington Post.

“Uma vez que ele sabe que está matando um ser humano — seja porque ele acredita que o diabo o mandou fazer isso, porque um delírio o leva a pensar que a vítima queria matá-lo ou porque não tinha capacidade de controlar suas ações —, ele é culpado”, escreveu em sua petição à Suprema Corte o advogado Jeffrey Green.

Em fevereiro do ano passado, o Tribunal Superior de Kansas manteve a condenação de Kahler. A corte concluiu que seus crimes se enquadram no padrão de “crime hediondo, atroz ou cruel”, que justifica a pena de morte.

Em 2003, o mesmo tribunal já havia mantido sua lei estadual ao julgar o recurso de Michael Bethel contra sua condenação por homicídio.

Mas essa decisão foi criticada por ministros de tribunais superiores de outros estados. Eles alegaram que tribunais superiores de outros sete estados têm jurisprudências que reconhecem o direito constitucional do réu à defesa por insanidade mental, desafiando esforços de Legislativos locais de impor restrições a ela ou de eliminá-la completamente.

Citaram, especificamente, uma decisão do Tribunal Superior de Nevada segundo a qual a alegação de insanidade pela defesa é um princípio fundamental e bem estabelecido na lei dos Estados Unidos, protegido pelas cláusulas do devido processo nas Constituições do país e do estado.

Apontaram precedente do Tribunal Superior do estado de Washington, segundo a qual a alegação de insanidade tem uma longa história, que vem com os princípios da common law. Segundo esse tribunal, a defesa baseada em alegação de insanidade já existia antes da adoção da Constituição dos EUA.

Alguns ministros foram mais longe. Afirmaram que o direito do réu à defesa baseada em insanidade mental já foi exposto por pensadores hebreus e gregos nos séculos V e VI, antes de Cristo. E que ela encontra suas raízes na common law desde o século XII.

Ao garantir writ of certiorari ao pedido da defesa, os ministros da Suprema Corte disseram entender que o caso de Kahler é um “veículo ideal” para determinar se as restrições desses estados à alegação de insanidade mental violam os direitos constitucionais do réu, previstos na Oitava Emenda da Constituição — a que proíbe punições cruéis e incomuns, fiança excessiva, multas excessivas etc.

E também para acabar com a “disparidade” entre estados. Segundo a corte, em 46 estados Kahler não teria sido declarado culpado por causa de seu estado mental. Em Idaho, um tribunal de recursos decidiu que o devido processo não exige a defesa baseada em alegação de insanidade em nível estadual nem em federal.

Um entendimento comum é o de que um veredicto de “culpado”, em oposição a um veredicto de “mentalmente insano”, impede que o réu receba o necessário tratamento médico. Como se sabe, as prisões não estão equipadas para oferecer tratamento de saúde mental adequado ao preso.

Veredicto unânime
A Suprema Corte também aceitou julgar um caso do estado de Louisiana, em que deve decidir se a Constituição do país requer que os veredictos do júri têm de ser ou não por unanimidade.

Louisiana e Oregon são os únicos estados do EUA que não requerem decisões unânimes do júri em julgamentos de processos criminais sérios. Os advogados de defesa desses dois estados vêm pedindo há anos para a Suprema Corte examinar essa disparidade.

Em uma decisão de 1972, a corte determinou que a Sexta Emenda da Constituição, que reconhece o direito do réu a julgamento rápido e público, por um júri imparcial, não requer unanimidade no veredicto do júri. Mas, em outra instância, a corte determinou que, nos julgamentos federais, a decisão tem de ser unânime.

Esta última decisão pode modificar a anterior. Recentemente, a Suprema Corte decidiu que a Oitava Emenda proíbe a Justiça Federal de aplicar multas excessivas, em um caso que limitou o confisco de bens de traficantes. Nesse caso, a corte decidiu que a Justiça estadual deve seguir os preceitos da Justiça Federal.

No caso perante a Suprema Corte, os advogados de Evangelisto Ramos, que foi condenado em 2016 por homicídio de segundo grau por 10 votos a 2 do júri e posteriormente sentenciado à prisão perpétua, alegam que a lei de Louisiana é uma reminiscência das “leis Jim Crow”.

“Jim Crow” era uma designação pejorativa para negros, igual ou pior que as gírias da época. As “leis Jim Crow” institucionalizaram o racismo, promovendo a segregação racial nas escolas, nos ônibus, nos trens, em restaurantes, em banheiros públicos, em fontes de beber água e outros lugares públicos.

Os advogados de Ramos alegam que um dos objetivos principais da criação de uma das “leis Jim Crow”, aprovadas por alguns estados no final do século XIX e início do século XX, foi o de reduzir o impacto das decisões de jurados negros. Assim, se dez brancos votam pelo veredicto de “culpado” e dois negros pelo de “não culpado”, prevalecem os votos dos brancos.

O estado de Louisiana se opõe ao pedido da defesa. O procurador do estado argumenta que, se a Suprema Corte tomar uma decisão favorável ao réu e ela for retroativa, haverá um transtorno nos dois estados. Terão de anular milhares de julgamentos.

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