Opinião

Conheça os projetos de lei apresentados pelos parlamentares da Região Norte

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22 de março de 2019, 12h20

Em janeiro de 2018, a BBC publicou notícia a respeito do crescimento do número de homicídios em Rio Branco (AC) em razão da “guerra de facções” — o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), em expansão de causar inveja a qualquer empresa que busque explorar novos mercados do país, mantêm “filiais” de suas organizações criminosas no extremo oeste do Brasil, onde decidiram se digladiar. Nem mesmo o Burger King, com sua campanha agressiva de crescimento, conseguiu ser mais rápido. Antes de 2017, época de inauguração de sua primeira franquia no estado, já se noticiava a respeito das decapitações, meio de execução frequentemente utilizado pelas mencionadas organizações criminosas.

Por curiosidade, antes de dar início à pesquisa dos projetos de lei dos parlamentares acrianos, decidi conferir as notícias do dia em um site local, em busca de um retrato melhor do que aquele trazido pela BBC, há pouco mais de um ano. Todavia, ao que parece, não houve melhora. Já na página inicial encontrei três notícias a respeito das facções. Por isso, não me causou surpresa ter encontrado mais de um projeto com propostas extremas no combate à violência.

O senador Márcio Bittar (MDB-AC) propõe, no PL 647/19, o fim da saída temporária, benefício previsto no artigo 122 da Lei 7.210/84 e concedido a condenados em regime semiaberto. A medida tem como objetivo a promoção da ressocialização do preso, mas, não preciso dizer, goza de pouca ou nenhuma aceitação pela sociedade. Já no PL 648/19, o senador quer impor regime inicial fechado em determinadas hipóteses — evidente situação de reação legislativa, pois o STF, em outro momento, entendeu pela inconstitucionalidade de dispositivo da Lei 8.072/90 que trazia previsão semelhante. Ademais, o projeto prevê o teto de 50 anos para o cumprimento de penas privativas de liberdade.

Contudo, de todos os projetos do parlamentar, o que mais chamou a minha atenção foi o PL 651/19. A proposta tem como objetivo proibir a realização das audiências de custódia. De certa forma, o projeto mantém a mesma linha dos demais, com foco em punições mais rigorosas e em restrição de direitos do preso. Até aqui, nenhuma novidade. No entanto, as justificativas do projeto são suficientes para longos debates. Segundo o senador, a audiência de custódia deve ser proibida por desvalorizar o trabalho do policial. Ademais, o procedimento seria oportunidade para que o preso minta e acuse injustamente “agentes da lei”.

Entretanto, a violência não é a única preocupação do senador do MDB. Como era de se esperar em um estado integrante da Amazônia Legal, foram oferecidos projetos de Direito Ambiental. No PL 1.551/19, é proposto o fim das reservas legais — importante registrar que, no Acre, estado onde o congressista foi eleito, o Código Florestal impõe que 80% do imóvel rural seja composto de vegetação nativa a título de reserva legal. Para o senador, o Brasil já protege de forma eficiente a vegetação nativa, ao contrário do que dizem os “burocratas ecológicos”, como ele mesmo diz.

Na Câmara dos Deputados, os parlamentares frustraram minhas expectativas. Em vez de preocupação com a violência, encontrei o PL 1.668/19, do deputado Jesus Sérgio (PDT-AC), que busca melhores tarifas de energia elétrica para a região. No PL 1.530/19, a deputada Mara Rocha (PSDB-AC) quer incluir hipótese de dedutibilidade do Imposto de Renda que não mudará a vida do sedentário subscritor deste artigo: as despesas com atividades físicas. Ademais, a deputada Jéssica Sales (MDB-AC) quer assegurar que 3% dos ingressos de eventos de entretenimento sejam destinados a idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos.

Admito, as proposições legislativas do Acre me deixaram confuso. Na Câmara, como visto, os projetos englobam os mais diversos temas — de acesso a shows à produção de energia elétrica. No começo da série de artigos regionais, imaginei que, com base nas propostas legislativas, poderia traçar, com certa confiabilidade, os maiores problemas de cada estado brasileiro. No entanto, na terra de Chico Mendes, não pude perceber esse fenômeno.

Em seguida, parti para a vizinha Rondônia. Para o deputado Léo Moraes (Pode-RO), no PLP 68/19, o recebimento de denúncia no STF deve tornar inelegível o pretenso candidato ao cargo de presidente da República. Do mesmo deputado, o PL 1.173/19, que prevê a criação de um seguro de vida aos servidores integrantes de órgãos de segurança pública. Já no PL 1.527/19, o deputado quer estabelecer reserva de vagas destinadas a pessoas com deficiência nos concursos seletivos para ingresso em cursos de instituições federais de ensino superior e de ensino técnico de nível médio.

Em seu segundo mandato, a deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO) ofereceu apenas um projeto, o PL 1.136/19, para instituir o Dia Nacional de Conscientização das Doenças Cardiovasculares na Mulher, a ser celebrado em 14 de maio. De maior relevância, importante mencionar o PL 1.696/19, do deputado Coronel Chrisóstomo (do PSL, é claro!), que busca a criminalização do “stalking”. Para quem não está familiarizado com a expressão, trata-se da conduta de perseguir alguém, de forma que ultrapasse a razoabilidade.

De Roraima, estado frequentemente confundido com Rondônia — drama vivido pelo autor do artigo, que, de tanto ser chamado de “Leandro”, já não sabe, ao certo, qual o seu nome —, imaginei encontrar projetos relacionados à crise dos imigrantes venezuelanos. No entanto, mais uma vez, minhas expectativas foram frustradas. No PL 875/19, do senador Telmário Mota (Pros-RR), são propostas sanções penais e administrativas para atividades lesivas ao meio ambiente. No PL 551/19, o senador Mecias de Jesus (PRB-RR) quer reduzir a área de reserva legal — medida menos extrema que a proposta pelo senador Márcio Bittar, que pretende dar fim à medida de proteção ambiental.

Na Câmara, admito, comecei pelos projetos da deputada Shéridan (PSDB-RR) — provavelmente, a mais conhecida parlamentar daquele estado. No PL 656/19, é proposta a obrigatoriedade de o poder público oferecer assistência psicológica gratuita aos agentes de segurança pública ativos e inativos. Sem dúvida alguma, o “combo”, baixa remuneração e extremo risco no exercício da profissão, deve fazer com que os servidores de segurança pública sofram com graves problemas de natureza psicológica.

Apesar da minha curiosidade sobre os projetos da deputada Shéridan, descobri que o deputado Nicoletti (PSL-RR) é responsável por quase metade dos projetos de lei dos parlamentares roraimenses. No PL 1.423/19, o deputado quer estabelecer limite máximo de valor para a inscrição em concursos públicos. No PLP 37/19, a proposta trata da competência da União para o licenciamento ambiental para pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais da Amazônia Legal. Para entender melhor a proposta, busquei informações a respeito da extração de minérios em Roraima. Descobri muitos artigos a respeito do nióbio, tema de interesse do presidente da República, Jair Bolsonaro, do mesmo partido do deputado Nicoletti.

Do estado com o maior território do Brasil, o Amazonas, iniciei a pesquisa imaginando que encontraria muitos projetos tratando a respeito de corrupção — infelizmente, há algum tempo, são frequentes as notícias sobre falcatruas na administração pública amazonense. Na Câmara, confirmei minhas suspeitas. No PL 1.628/19, o deputado Marcelo Ramos (PR-AM) quer a perda automática do cargo público do agente condenado por corrupção. Também preocupado com a criminalidade, o deputado Capitão Alberto Neto (que não é do PSL, mas do PRB-AM) quer implantar o mecanismo de “botão de pânico” para vítimas de violência doméstica — algumas cidades brasileiras fizeram experimentos com o equipamento e os resultados foram positivos.

No Senado Federal, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) quer dar fim às sacolas plásticas, o que já ocorreu em alguns estados brasileiros. Os canudos, perseguidos desde o angustiante vídeo da “tartaruguinha”, não foram lembrados no PL 1.330/19. Em outra direção, o PLP 19/19, do senador Plínio Valério (PSDB-AM), que dispõe sobre a nomeação e demissão do presidente e diretores do Banco Central do Brasil. Pela especificidade da matéria, procurei descobrir o porquê da proposta. Não encontrei informações relevantes. Portanto, só me resta acreditar na justificativa dada pelo próprio senador: assegurar maior autonomia ao Banco Central.

No Amapá, apenas cinco projetos foram oferecidos em 2019. No PL 1.582/19, o deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP) quer aumentar o investimento público em ferrovias. Embora o assunto esteja em debate desde a crise dos caminhoneiros, quis entender melhor o interesse do parlamentar por ferrovias. Em notícia do G1 publicada em 2017, descobri que 60% das estradas do Amapá são de terra. Ademais, o deputado fez mestrado no Canadá, país com grandes malhas ferroviárias. Talvez venha daí a motivação.

Do mesmo autor, o PL 912/19, que pretende regulamentar a atividade de parteira tradicional. Contudo, de todos os projetos do parlamentar, o que mais me chamou a atenção foi o PL 1.495/19, que garante a realização de cirurgias reparadoras às vítimas de escalpelamento. De onde surgiu essa preocupação? Seria o escalpelamento um problema recorrente no Amapá? Se sim, como isso está acontecendo? A justificativa do projeto:

“Mais de 1,5 mil pessoas foram vítimas de escalpelamentos na Amazônia nos últimos anos. O escalpelamento é o arrancamento brusco e acidental do escalpo humano (pele do crânio). O acidente ocorre quando as vítimas, ao se aproximarem do motor de pequenas embarcações por acaso, têm seus cabelos puxados e arrancados, totalmente ou em parte, pelo eixo do motor. Em alguns casos podem ser arrancadas inclusive sobrancelhas, parte do rosto e orelhas, causando deformações graves e até a morte”.

Na terra do belíssimo parque do Jalapão, o Tocantins, quais seriam as mazelas da caçula das unidades federativas? Sinceramente, do pouco que sei sobre o estado, não me recordo de ter ouvido notícias ruins. Por isso, dei início à pesquisa sem saber o que encontraria. Na Câmara, li a respeito do PL 566/19, do deputado Vicentinho Júnior (PR-TO), que pretende melhorar a acessibilidade em supermercados a pessoas deficientes. O parlamentar foi o segundo deputado do Tocantins com mais projetos apresentados.

Em número de projetos de lei, o deputado Carlos Henrique Gaguim (DEM-TO) foi o “campeão”. As suas propostas tratam desde a obrigatoriedade de seções em supermercados com alimentos para diabéticos e hipertensos (PL 1.493/19) até a criação de um “cadastro de pedófilos”. O cadastro seria público, com fotografia, descrição do delito praticado e endereço residencial atualizado (PL 1.490/19). Embora, é bem provável, o projeto goze de simpatia de boa parte da população, é praticamente nula a chance de aprovação em razão de violação a direitos fundamentais.

Por derradeiro, o Pará. Embora tenha nascido no estado da “estrela solitária”, pouco sei a seu respeito. Acredito que, como a maioria dos demais brasileiros, o Pará me remete a conflitos de terra, ao caso Dorothy Stang e a Fafá de Belém. Por esse motivo, comecei o levantamento dos projetos com o pensamento voltado a problemas agrários. Para a minha surpresa, não encontrei um único projeto sobre o tema.

O deputado Júnior Ferrari (PSD-PA), o mais ativo do seu estado, demonstra, em seus projetos, especial preocupação com o Código Penal e com Direito do Consumidor. No PL 241/19, o parlamentar quer criminalizar as intituladas fake news — em outro artigo, comentei sobre o projeto, que pretende tipificar a propagação de qualquer notícia falsa, em clara afronta à fragmentariedade. Outro curioso projeto do deputado é o PL 242/19, que criminaliza a conduta de “tirar fotografia por baixo da saia de mulheres”. Na redação do dispositivo proposto, o deputado complementa: “mesmo que as vítimas façam uso de roupas íntimas que não possibilite a exposição explícita de suas partes íntimas”. Ou seja, o fato de a genitália não estar visível em razão do uso de calcinha não afasta a tipicidade da conduta.

Outro projeto que prevê sanção a condutas foi oferecido pelo deputado Celso Sabino (PSDB-PA), que impõe multa a quem, após atropelar um animal, não prestar o devido socorro (PL 1.362/19). Na via inversa, o PL 885/19, do deputado Paulo Bergtson (PTB-PA), que, de forma não declarada, quer assegurar imunidade aos líderes religiosos por suas manifestações, desde que não haja incitação à violência.

Representem ou não os problemas de uma região, os projetos de lei refletem o que foi dito no artigo anterior: há Brasis em nosso país. Os projetos do Norte do Brasil em nada se assemelham aos do Sul. Em Santa Catarina, preocupado com a violência no trânsito, não vi projetos sobre reserva legal, objeto de propostas de congressistas acrianos e roraimenses. No Paraná, não localizei projetos de lei para a melhoria do escoamento da produção agrícola local, algo que incomoda os amapaenses.

O acompanhamento semanal dos projetos de lei me fez ver o Brasil com outros olhos. Se, no passado, não entendia o porquê de a população de uma determinada unidade federativa sustentar posicionamento contrário ao restante do país, hoje busco analisar o motivo de nossas diferenças. Todos buscam o que é mais benéfico para as suas vidas. Em um país tão grande, é fundamental a compreensão de que o sapato não aperta de maneira uniforme para todos.

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