Opinião

Mudança de entendimento da Receita para isenção de IOF-câmbio é ilegal

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19 de março de 2019, 16h00

Desde o final do ano passado, o contribuinte que precisa fazer operações de câmbio de moeda estrangeira, em razão do recebimento de valores em conta no exterior decorrentes da exportação de bens e serviços, vem sendo submetido a uma situação, no mínimo, inusitada.

A Receita Federal entendeu que não se pode aplicar a alíquota zero do IOF-câmbio nos casos em que o pagamento ao exportador é feito através de depósitos em contas bancárias mantidas no exterior e, em data posterior, o dinheiro é remetido ao Brasil. Tal entendimento consta da Solução de Consulta Cosit 246, publicada em 11 de dezembro de 2018. A nosso ver, a manifestação da Receita Federal é absolutamente inválida, se analisada à luz da legislação vigente.

De acordo com a referida solução de consulta, sem maiores considerações, o recebimento de recursos em conta estrangeira encerra o ciclo de exportação, de modo que a realização do contrato de câmbio para remessa dos valores ao Brasil em data posterior ao recebimento estará sujeita à alíquota geral de 0,38% do IOF-câmbio (sendo inaplicável o inciso I do artigo 15-B do Regulamento do IOF que estabeleceu a alíquota zero).

Desde então, instalou-se um cenário de insegurança para as empresas exportadoras e, ainda, para os bancos responsáveis pela liquidação dos contratos de câmbio bem como pelo recolhimento do imposto. Há incerteza tanto da conduta a ser adotada nas próximas operações quanto pela possibilidade de autuação das operações ocorridas nos últimos cinco anos, devendo ser lembrado que a postura agora assumida na solução de consulta jamais havia sido veiculada pela administração federal e vai em sentido oposto à prática do mercado nos últimos dez anos.

Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que a norma que estabelece a alíquota zero para receitas de exportação de bens e serviços (inciso I, artigo 15-B do Decreto 6.306/2007) tem por objetivo incentivar as operações de exportação, que trazem relevantes divisas para o país. Trata-se de mais uma norma ligada ao export drive, que, de tão importante para a economia nacional, foi alçado à Constituição Federal que imuniza do ICMS e das contribuições as receitas de exportação. Diante disto, pensamos que o norte interpretativo da norma do IOF, como das demais que envolvam os tributos incidentes sobre a exportação, deverá ser sempre no sentido da desoneração dos ingressos de recursos no país em razão da atividade econômica de nacionais.

Em segundo lugar, não há no dispositivo que veicula a alíquota zero do IOF qualquer restrição temporal para o ingresso desses recursos no país. Dessa forma, sendo possível à empresa comprovar a origem dos recursos em razão de operações de exportação, o recebimento em conta no exterior para posterior remessa ao Brasil não deveria ter qualquer impacto tributário, seja qual for o tempo em que os recursos tenham sido mantidos no exterior. Até porque, nos parece óbvio, a manutenção desses recursos no exterior durante algum tempo não modifica a sua natureza jurídica, que continua sendo de receita decorrente de exportação, logo, beneficiada pela alíquota zero prevista na lei.

Além disso, o entendimento da Receita Federal, vinculado por solução de consulta, contraria toda uma prática reiterada que ocorre desde 2008, observada por exportadores de diferentes ramos econômicos bem como dos bancos responsáveis pela liquidação dessas operações, e jamais contestada por qualquer ato administrativo federal que se tenha notícia (seja por soluções de consulta, seja por autuações fiscais).

Trata-se, na verdade, de preocupante inovação no ordenamento jurídico, com impactos tributários relevantes a todos exportadores nacionais, sob o disfarce de um ato meramente interpretativo. Assim, no mínimo, conforme determina a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu artigo 24, parágrafo único, as práticas administrativas reiteradas devem ser levadas em consideração ao menos para preservar as situações já consolidadas, de modo que a exigência do imposto, quando muito, poderia se dar apenas em relação às liquidações de câmbio ocorridas após a publicação da SC 246/18. Tal interpretação é corroborada pelo parágrafo único do artigo 100 do CTN, que exclui a penalidade nessas ocasiões, e ainda pelo artigo 146 do CTN, que estatui norma cujo conteúdo a doutrina assinala como verdadeiro princípio contra a retroação de novos entendimentos adotados pelo Fisco.

Portanto, acreditamos haver sólidas razões jurídicas para contestar a legitimidade do entendimento veiculado pela Solução Cosit 246/18 ou, ao menos, que esse entendimento seja aplicado apenas a situações posteriores à publicação do ato, preservando situações passadas que observavam toda uma prática administrativa e de mercado.

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