Imunidade absoluta

Mesmo presidente, Trump pode ser processado na Justiça comum

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17 de março de 2019, 12h42

Desde que o presidente Donald Trump começou a ter problemas pessoais com a Justiça, uma questão constitucional chegou a cortes do país: um presidente pode ser processado civilmente durante seu mandato? Nesta semana, dois tribunais de recursos, um federal e um estadual, disseram que “sim” – e autorizaram duas ações contra Trump a prosseguirem.

Na sexta-feira (15/3), o Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, no estado de Virgínia, decidiu começar o julgamento de um caso em que Trump é acusado de usar o cargo de presidente dos Estados Unidos para obter lucros e vantagens para o Trump International Hotel, em violação à cláusula dos emolumentos da Constituição. Duas outras ações sobre o mesmo caso estão em andamento em tribunais federais.

Na quinta-feira (14/3), o Tribunal de Recursos do Estado de Nova York determinou o seguimento de uma ação em que Trump é acusado de difamação, movida por Summer Zervos, uma ex-participante de um programa de televisão (The Apprentice), do qual Trump era o apresentador. Summer havia acusado Trump de abuso sexual, durante a campanha presidencial de 2016.

Enquanto isso, outro processo está na fila de espera em um tribunal do estado de Nova York. O juiz aguardava a decisão do caso de Summer Zervos para começar a julgar (ou trancar) um processo em que Trump é acusado de usar a Fundação Donald J. Trump para fins ilícitos. O processo envolve os filhos de Trump Eric Trump, Ivanka Trump e Donald Trump Jr., todos membros do conselho da fundação.

Precedentes
Em todos os casos, os tribunais tiveram de discutir, inicialmente, se um presidente pode ser processado civilmente durante seu mandato ou se tem imunidade absoluta contra ações judiciais. Os dois casos que chegaram aos tribunais de recurso foram decididos com base em precedentes.

Em 1982, no caso Nixon vs Fitzgerald, a Suprema Corte decidiu, por 5 votos a 4, que o presidente tem direito a imunidade absoluta contra responsabilização civil por danos em seus atos oficiais. Segundo a Wikipédia, a corte enfatizou que o presidente não é imune a acusações criminais, derivadas de seus atos oficiais (ou não oficiais), durante o mandato.

Mas a corte explicou que a garantia de imunidade absoluta ao presidente não lhe concede poder irrestrito. As ações do presidente já estão sujeitas a controles formais e informais, como a vigilância permanente da imprensa, a supervisão constante do Congresso e a ameaça de impeachment, se cometer abusos. Além disso, há incentivos para o bom comportamento como o de ser reeleito, a necessidade de manter seu prestígio como elemento de influência e a preocupação com seu legado histórico.

Em 1997, no caso Clinton versus Jones, a Suprema Corte abriu uma brecha decisiva nessa história de imunidade absoluta. A corte decidiu que o presidente em pleno mandato não é imune a ações civis contra ele, em tribunais federais, por atos cometidos antes de tomar posse no cargo ou que não sejam relacionados ao cargo. Em particular, não há imunidade temporária, de forma que não é necessário esperar que o presidente deixe o cargo para processá-lo.

No caso da ação de difamação, movida por Summer Zervos, os advogados de Trump alegaram que essa decisão da Suprema Corte não se aplica a casos movidos em tribunais estaduais. A corte decidiu que esse raciocínio não se aplica a tribunais estaduais. Isso “é meramente identificado como uma preocupação constitucional”. Mas, apesar dessa preocupação, a corte determina que um tribunal estadual tem jurisdição sobre o presidente que é réu em uma ação civil.

Cláusula dos emolumentos
A Constituição dos Estados Unidos incluiu a cláusula dos emolumentos para conter a “influência corruptora estrangeira”. Tecnicamente, ela proíbe o governo federal de conceder títulos de nobreza e os membros do governo de receber presentes, emolumentos, escritórios ou títulos de estados estrangeiros e monarquias, sem o consentimento do Congresso.

Emolumento, do latim emolumentum, foi traduzido pelas cortes – e adotado na decisão do tribunal federal de recursos – como "lucros, vantagens, ganhos ou benefícios".

Segundo a acusação, desde que Trump foi eleito presidente dos EUA, o Trump Tower recebeu muitas delegações de Estados estrangeiros, que queriam obter algum favor do presidente, em prejuízo de outros hotéis de Washington, D.C. O hotel se tornou o “ponto quente” para lobistas de todo tipo.

Como exemplo, os procuradores citaram que uma firma de relações públicas da Arábia Saudita gastou quase US$ 270 mil em quartos e alimentação. As embaixadas do Kuwait e das Filipinas promoveram festas no hotel.

Os advogados de Trump alegaram que a cláusula dos emolumentos só proíbe compensações feitas em conexão com serviços prestados na condição de autoridade governamental ou em uma espécie de “relação de trabalho”. E que a cláusula não proíbe autoridade governamentais de fazer transações empresariais privadas com clientes governamentais.

Os procuradores-gerais de Maryland e o Distrito de Colúmbia (o distrito federal dos EUA) argumentam que Trump, ao assumir a Presidência, teria, legalmente, que se desfazer de seus negócios, inclusive do Trump International Hotel em Washington, onde autoridades governamentais estrangeiras se hospedam para obter favores do presidente – o que vem acontecendo diariamente.

Fundação
No caso da Fundação Donald J. Trump, a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, alega que Trump e seus filhos vem praticando “persistentemente atos ilícitos” em sua instituição beneficente há 31 anos. Entre outras alegações, ela diz que Trump usou o dinheiro da fundação para pagar acordos judiciais relativos a suas empresas, para comprar quadros muito caros dele mesmo e para servir como uma extensão de seu comitê de campanha eleitoral em 2016, fazendo doações orquestradas por seu pessoal de campanha.

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