Opinião

"Lava jato" e Justiça Eleitoral: transparência e imparcialidade nos argumentos

Autor

  • Fernando Neisser

    é mestre e doutor em Direito Penal pela USP membro fundador da Abradep e presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do Iasp.

15 de março de 2019, 12h27

Dentre as propostas apresentadas pelo ministro Sergio Moro no pacote "anticrime", constam alterações do Código de Processo Penal e do Código Eleitoral, com o intuito de redefinir competências da Justiça Eleitoral. Pretende-se, com isso, que quando houver dois ou mais crimes conexos — sendo apenas um deles eleitoral —, haja uma cisão do processo. A Justiça Eleitoral julgaria apenas a parte eleitoral, enquanto à Justiça comum — estadual ou federal — competiria o restante.

Atualmente, por uma regra prevista no Código Eleitoral, ocorre a atração da competência do julgamento de todos os crimes para a Justiça Eleitoral, o que é criticado por juízes e membros do Ministério Público envolvidos na operação "lava jato". Segundo sustentam publicamente, a Justiça Eleitoral não teria o preparo técnico para julgar casos complexos de crimes financeiros, como os de lavagem de dinheiro.

A questão não é tão simples. O instituto da conexão, no processo penal, tem uma função específica: evitar decisões contraditórias quando entre dois ou mais crimes existir uma relação.

O primeiro argumento dos que defendem a mudança — o da falta de estrutura e conhecimento técnico da Justiça Eleitoral — não tem sustentação na realidade. A Justiça Eleitoral pertence à União, tal qual a Justiça Federal, na qual hoje tramitam as ações da operação "lava jato". Tanto uma quanto outra podem receber os aportes de infraestrutura que sejam adequados às missões que precisam cumprir.

Além disso, nunca se pode esquecer que a Justiça não investiga nada; apenas julga. Quem investiga é a autoridade policial, em algumas situações em colaboração com o Ministério Público.

A polícia judiciária eleitoral é a mesma Polícia Federal que vem conduzindo a operação "lava jato". O Ministério Público Eleitoral, variando nas diferentes instâncias, é formado por membros do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos dos estados. Ora, como sustentar que PF e MPF sejam competentes e aparelhados para investigar crimes de lavagem de dinheiro e corrupção quando atuam na "lava jato", mas percam tais qualidades se estiverem oficiando perante a Justiça Eleitoral?

O segundo argumento coloca sob suspeita a Justiça Eleitoral pelo fato de que seus tribunais são compostos de forma mista, com juízes, desembargadores, ministros de tribunais superiores e advogados. Trata-se de uma frágil e ofensiva cortina de fumaça. Frágil, porque delegamos a esta mesma Justiça Eleitoral, com imenso sucesso, a realização das eleições no Brasil há mais de oitenta anos. Por qual razão delegaríamos a mais sensível missão de manutenção da nossa democracia a um órgão facilmente aparelhável por interesses políticos?

Ofensiva, pois não só coloca sob suspeita as dezenas de juízes e ministros dos tribunais eleitorais que vieram da advocacia, sem qualquer acusação sólida, mas por também estender tal crítica a toda magistratura brasileira.

Talvez muitos não percebam, mas esse discurso aponta que só há três ou quatro varas aptas, probas e imparciais o suficiente para julgar corrupção no Brasil: em Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. E o restante dos milhares de juízes e dezenas de milhares de servidores do Poder Judiciário? Inaptos, incapazes, parciais?

Por fim, cortina de fumaça, pois oculta os reais motivos por trás da proposta. A operação "lava jato" representa uma captura, por parte dos acusadores, sobre os julgadores. Quem acusa atua em parceria com quem julga, fazendo desaparecer a linha tão necessária que separa estas funções em uma democracia. O espírito punitivista, que só vislumbra sucesso em uma investigação se culminar em condenações, espraia-se para juízes, desembargadores e ministros que analisarão os processos, embalados em uma cobertura jornalística que compra e reverbera a lógica messiânica dos salvadores da pátria.

E essa captura não há — e dificilmente haverá — no âmbito da Justiça Eleitoral. Exatamente por sua composição mista, trazendo diferentes visões de mundo para os julgamentos, torna-se muito difícil que caiam todos no enredo da inquisição.

A operação "lava jato" não quer "seus" processos fora de controle. Não os quer analisados com imparcialidade, por mãos que não se comprometeram com sua lógica punitivista.

Autores

  • Brave

    é advogado, sócio do Rubens Naves Advogados, coordenador adjunto da Abradep - Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, e doutor em Direito Penal pela USP.

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