Opinião

Tribunais precisam encerrar dúvida sobre prazo de contestação

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15 de março de 2019, 7h31

A contagem do prazo de contestação, com o Código de Processo Civil de 2015, é polêmica. O professor José Rogério Tucci fez importante alerta à comunidade jurídica, em 2017, acerca de uma diferente interpretação para identificar o termo inicial da contagem do prazo de apresentação de defesa no novo CPC. O título do artigo, publicado na ConJur, bem identifica a problemática: “Mais uma armadilha do novo CPC: o início do prazo de contestação”[1].

Por força de sutil alteração do dispositivo do estatuto processual que trata das múltiplas hipóteses de início do prazo de defesa, observou o professor Tucci que, “ao que tudo indica, ao menos numa interpretação literal do artigo 231, c/c. a do artigo 335, inciso III, do Código de Processo Civil, o dies a quo do cômputo do prazo para contestação é aquele da própria juntada aos autos do aviso de recebimento ou do mandado devidamente cumprido, bem como nas outras hipóteses discriminadas em seus inúmeros incisos”.

O ilustre professor concluiu, entretanto, que essa interpretação literal dos referidos dispositivos legais não deveria prevalecer, por contrariar a tradicional sistemática do cômputo do prazo de contestação. Como advogado militante, ao ler referido artigo, tomando conhecimento dessa possível alteração da forma de contagem do prazo de defesa que, na prática, reduz o prazo de 15 para 14 dias úteis, por cautela, passei a apresentar minhas defesas no prazo de 13 dias úteis, já que, também por cautela, “o prazo vence na véspera”.

Comecei, paralelamente, a acompanhar as decisões judiciais acerca do termo inicial da apresentação da defesa — dia da juntada ou dia útil seguinte. Passados quase três anos da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, não há, ainda, definição segura do termo inicial do prazo de defesa[2]Não foi formada uma clara corrente majoritária, não obstante, para tal importante prazo processual, quiçá o mais importante deles. Não podemos nos guiar pela posição majoritária, já que, na loteria da Justiça, o processo pode ser julgado por juiz ou câmara de tribunal que adote a corrente minoritária, ocasião em que nosso constituinte será considerado revel, com a aplicação de severas consequências.

Essa indefinição é absolutamente inadmissível, tanto considerando-se a importância do prazo de oferta de defesa quanto se considerarmos que o novel diploma processual tem como um de seus pilares a adoção dos princípios da boa-fé, da primazia do julgamento do mérito e do contraditório amplo e efetivo, com a criação de regras para simplificar diversos procedimentos, vedar decisões surpresas e eliminar a denominada jurisprudência defensiva.

Como é sabido, o cumprimento do prazo de defesa é essencial para o desenvolvimento do contraditório no processo. A perda do prazo acarreta a presunção de veracidade de todos os fatos alegados, salvo se o litígio versar sobre direito indisponível ou, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação ou, por fim, se a inicial não estiver instruída com instrumento que a lei considere indispensável à prova do fato (cf. artigo 345). Uma vez que o demandado é considerado revel, a sua derrota é praticamente certa — tendo ele razão ou não.

Assim como o professor Tucci, entendo que não procede a interpretação literal dos artigos 231 e 335 do CPC. Isso não só porque, como apontou o ilustre professor, tal interpretação pega no contrapé os advogados militantes, prejudicando os jurisdicionados, já que contraria, de forma irrazoada, “a tradicional sistemática relativa ao cômputo dos prazos processuais”. Mas, principalmente, porque o novel diploma processual alterou alguns dispositivos legais com o claro e explícito objetivo de aperfeiçoar a efetivação do contraditório e da ampla defesa.

O atual código alargou o prazo de defesa, alterando a forma de contagem dos prazos processuais, passando a computar, tão somente, os dias úteis (artigo 219). Antes, contavam-se os prazos em dias corridos apenas — não iniciando ou vencendo em dia não útil. E, mais significativo para o tema tratado, foi alterada a redação do artigo 184, parágrafo 1º, do CPC/73, de modo que, no atual código, tanto nos dias em que o expediente começar mais tarde quanto encerrar mais cedo não haverá o vencimento de qualquer prazo, o qual se prorrogará para o próximo dia útil (artigo 224, parágrafo 1º).

A nova redação do parágrafo 1º, do artigo 224, do CPC tem o claro objetivo de que as partes tenham, durante todos os 15 dias úteis do prazo, um expediente forense normal e completo de trabalho para elaborar a sua defesa.

Por óbvio, a prevalecer a interpretação literal dos artigos 224 e 331 do CPC, com o início do prazo de defesa na data da juntada, à parte não será concedido todo o dia útil para elaborar a sua defesa, já que, naturalmente, a juntada ocorre durante o expediente forense — o que retira parte do expediente para a elaboração da contestação e, por consequência, contrária o objetivo do legislador (artigo 219 e 224, parágrafo 1º).

Daí porque o prazo de defesa começa no primeiro dia útil seguinte à ocorrência de uma das hipóteses previstas no artigo 335 do CPC (juntada carta de citação, mandado de citação, realização da audiência de conciliação ou término da tentativa de mediação entre as partes).

A rigor, pouco importa qual é a correta interpretação. Ou melhor, o relevante é que nossos tribunais, por meio de um dos mecanismos de definição de tese jurídica previstos no estatuto processual (recursos repetitivos, IRDR, IAC, súmula vinculante), decidam qual dos dois termos iniciais do prazo de defesa é o correto. Assim, os jurisdicionados e, especialmente, os advogados, públicos e privados, saberão, de forma precisa, qual é o dia final para a apresentação da defesa de seus constituintes.

Não há dúvidas de que aquele que protocolou a defesa de seu cliente no prazo de 15 dias úteis, a contar do dia seguinte da juntada da carta/mandado de citação/audiência de conciliação etc., não perdeu o prazo. Apenas o interpretou de forma diferente. Assim, é inadmissível, sob pena de se privilegiar a surpresa, decretar-se, neste caso, a revelia.

Lembre-se que o princípio da boa-fé, além das partes, dirige-se ao magistrado: “A vinculação do Estado-juiz ao dever de boa-fé nada mais é senão o reflexo do princípio de que o Estado, tout court, deve agir de acordo com a boa-fé e, pois, de maneira leal e com proteção à confiança”[3].

Em suma, embora o CPC atual ainda viva os seus primeiros anos, não é aceitável que o mais importante prazo do processo — o de apresentação de defesa — permita duas interpretações. Isso expõe jurisdicionados e operadores do Direito às graves e irremediáveis consequências da perda do prazo de apresentação de defesa, decorrente de divergência na interpretação, afetando o devido processo legal.

É necessário que os tribunais definam, de uma vez por todas, qual é o dia de início do prazo de defesa, mantendo a jurisprudência uniforme, íntegra e estável.


[1] https://www.conjur.com.br/2017-ago-22/paradoxo-corte-armadilha-cpc-inicio-prazo-contestacao
[2] Julgados favoráveis à interpretação literal: (1) Apelação 1014552-62.2017.8.26.0161; (2) Agravo de Instrumento 2014532-18.2018.8.26.0100; (3) Agravo de Instrumento 2027337-03.2018.8.26.0000; (4) Agravo de Instrumento 2031915-09.2018.8.26.0000.
Julgados favoráveis ao início do prazo no dia seguinte: (1) Apelação 1000243-50.2016.8.26.0394; (2) Apelação 1006583-87.2015.8.26.0606; (3) Apelação 1016964-86.2016.8.26.0100; (4) Apelação 1048040-31.2016.8.26.0100.

[3] Fredie Didier, in “Comentários ao Novo Código de Processo Civil”, coordenadores Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer, 2ª edição, Forense.

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