Imunidade soberana

Suprema Corte decide que Banco Mundial pode ser processado nos EUA

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15 de março de 2019, 10h09

O Banco Mundial e outras instituições financeiras internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, podem ser processadas nos EUA, quando seus investimentos em projetos de desenvolvimento no exterior causam danos a comunidades locais, decidiu a Suprema Corte dos EUA, no processo Jam versus International Finance Corporation (IFC).

A decisão reverte o antigo entendimento, que prevalecia desde a fundação do Banco Mundial em 1945, de que a IFC, instituição de propriedade do Banco Mundial sediada em Washington, D.C., e outras instituições financeiras internacionais que financiam projetos de desenvolvimento no exterior são inteiramente imunes a ações judiciais.

A ação, primeira dessa espécie contra uma instituição do Banco Mundial, foi movida em 2015 por um grupo de fazendeiros e pescadores de Gujarat, um estado no litoral oeste da Índia. Eles alegaram que a usina movida a carvão Tata Mundra, que entrou em operações em 2012, contaminou a água, a terra e o ar da localidade, prejudicando gravemente sua subsistência e suas vidas.

A usina foi construída com um empréstimo de US$ 450 milhões da IFC. Segundo os autores da ação, a IFC não cumpriu um compromisso, que fazia parte do contrato de empréstimo, de assegurar que o projeto aderisse a salvaguardas rigorosas de proteção ambiental. E, portanto, a instituição era responsável pelos danos.

A ação foi movida em um tribunal dos EUA porque a IFC é sediada nos Estados Unidos — uma condição para processar tais organizações no país. E porque o dano em questão teve origem em uma decisão alegadamente irresponsável, tomada nos EUA, de financiar a usina energética apesar dos riscos.

A IFC alegou, por sua vez, que estava protegida contra ações judiciais por uma lei de 1945, que garante às organizações internacionais sediadas nos EUA “a mesma imunidade contra ações ou quaisquer procedimentos judiciais que é garantida a governos estrangeiros”. Alegou ainda que a mudança desse padrão iria provocar uma avalanche de ações frívolas.

Os autores da ação foram representados pela EarthRights International, uma organização sem fins lucrativos, sediada em Washington, D.C., que está patrocinando os esforços dos agricultores e pescadores da Índia. A ação chegou à Suprema Corte porque os tribunais de primeiro e segundo grau tomaram decisões diferentes.

O voto da maioria focou, em grande parte, a palavra “mesma” da alegação de que as instituições financeiras tinham a mesma proteção garantida aos governos estrangeiros, que são essencialmente imunes a ações judiciais.

O autor do voto, o presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts, escreveu que a Lei das Imunidades Soberanas Estrangeiras, aprovada em 1977 pelo Congresso, tornou possível processar governos estrangeiros nos EUA, quando a queixa do demandante é relacionada a atividades financeiras ou comerciais.

No caso perante à corte, Roberts concluiu que o “mesmo” padrão deve ser aplicado, portanto, à IFC e outras organizações financeiras internacionais, incluindo o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos. “A IFC não é, portanto, imune a ações judiciais”, concluiu o voto.

A decisão da Suprema Corte abrirá as portas para muitas outras ações judiciais contra instituições financeiras internacionais. Uma segunda ação contra a IFC está na espera em um tribunal federal em Delaware, porque o juiz decidiu aguardar a decisão da Suprema Corte sobre o caso da Índia.

A segunda ação se refere à produção de azeite de dendê em Honduras, um projeto que recebeu US$ 15 milhões da IFC. Os autores de dessa ação acusaram guardas de segurança da empresa encarregada da parte agrícola do projeto de atacar e matar residentes nas vizinhanças, a partir de 2010. A violência foi documentada em 2013 em um relatório do ombudsman da própria IFC, encarregado de monitorar projetos apoiados pela instituição, em que lhe falta autoridade pra implementar reformas.

Os autores da ação acusam a IFC de, sabidamente, lucrar com o financiamento de assassinatos, violência e grilagem de terras. E busca indenização para as vítimas e suas famílias.

Agora os dois casos, o da Índia e o de Honduras, serão julgados nos tribunais dos EUA. O de Honduras irá em frente ainda neste mês.

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