Opinião

A incidência de contribuição previdenciária sobre prêmios por desempenho

Autor

  • Maria Carolina Maldonado Mendonça Kraljevic

    é conselheira titular da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf mestre e doutoranda em Direito Tributário pela PUC-SP especialista em tributação internacional pelo IBDT graduada em contabilidade pela Trevisan e em Direito pelo Mackenzie e professora de Direito Tributário e contabilidade em cursos de pós-graduação.

14 de março de 2019, 6h26

Introdução
Em 14/7/2017, após meses de intensos debates, foi publicada a Lei 13.467, que, dentre outros aspectos, alterou a legislação trabalhista e previdenciária para determinar que importâncias pagas a título de prêmio aos empregados, trabalhadores avulsos, contribuintes individuais e facultativos não constituem base de incidência de encargos trabalhistas ou previdenciários.

A desoneração do prêmio objetivou expressamente “permitir que o empregador possa premiar o seu funcionário sem que isso seja considerado salário” e, com isso, incentivar tal conduta[1]. No entanto, não obstante a legislação, corroborada pelos motivos que a embasaram, seja clara acerca da não incidência de contribuições previdenciárias, as controvérsias em torno do instituto tendem a perdurar por muito tempo.

Isso porque a CLT, que regula as relações de emprego, conceitua prêmios como sendo “as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”, enquanto que a Lei 8.212/1991, aplicável também aos trabalhadores avulsos, contribuintes individuais e facultativos, se limita a prever a exclusão dos prêmios do salário de contribuição, base de cálculo das contribuições previdenciárias, sem qualquer requisito ou referência à legislação trabalhista.

Além disso, a CLT permite que o prêmio seja pago com habitualidade, sem a estipulação de qualquer limite temporal ou quantitativo, o que, além de não ter correspondência na legislação previdenciária, dá margem a interpretações distintas acerca dos contornos do instituto.

Controverso é, ainda, o conceito de “desempenho superior ao ordinariamente esperado”, que justificaria o pagamento do prêmio; os meios de prova necessários para comprovar tal desempenho; e, se a elaboração de política de premiação escrita facilitaria a comprovação de tal desempenho ou retiraria o caráter de liberalidade do pagamento.

Assim, o objetivo deste estudo é enfrentar essas questões polêmicas e, sem a pretensão de esgotar o assunto, tratar da tributação do prêmio pelas contribuições previdenciárias, de forma a contribuir para o debate de um tema de extrema relevância para o mundo corporativo e que, por fim, caberá ao Poder Judiciário ou Legislativo lapidar.

1. Da (não) incidência de contribuições previdenciárias sobre prêmios
Conforme adiantado acima, o artigo 457 da CLT, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei 13.467/2017, prevê que as importâncias pagas a título de prêmio, ainda que habituais, não estão sujeitas à incidência de contribuições previdenciárias.

Após a publicação da referida norma, foi editada a Medida Provisória 808/2017, que, em seu parágrafo 22, incluiu no conceito de prêmio a limitação de pagamento em até duas vezes ao ano. A medida provisória, entretanto, não foi convertida em lei, tendo perdido sua eficácia em abril de 2018 e, a partir de então, não há na legislação qualquer limitação temporal ao pagamento de prêmio.

A ausência de limite temporal expresso na legislação significa, pois, que, em tese, o pagamento do prêmio pode se dar em qualquer periodicidade — inclusive mensal —, desde que atrelado, de forma objetiva, ao efetivo desempenho extraordinário do empregado.

No entanto, o fato de o desempenho ser extraordinário, por si só, já indica algo eventual, tendo em vista que o contínuo desempenho extraordinário poderia ser interpretado como ordinário e, portanto, de natureza salarial.

Assim, ainda que a legislação trabalhista admita a habitualidade do prêmio, no caso concreto, o seu pagamento habitual pode atrair a incidência de contribuições previdenciárias, em razão da inobservância de um dos requisitos do prêmio, qual seja, a correlação lógica entre o seu pagamento e o desempenho extraordinário do empregado, que será tratado adiante.

Igualmente, não há na legislação trabalhista limitação quantitativa ao prêmio, isto é, referência ao seu valor máximo. Na exposição de motivos do Projeto de Lei 6.787/2016, que originou a Lei 13.467/2017, o relator trata, exemplificativamente, dos prêmios por venda consistentes em “uma viagens ou determinado objeto”[2] — o que poderia induzir à conclusão de que os prêmios que não integrariam o salário e, portanto, não seriam base de incidência de contribuições previdenciárias, seriam aqueles de pequena monta.

Entretanto, entendemos que os prêmios não estão limitados a determinado valor, mas é preciso que haja razoabilidade entre o salário do empregado e o valor e frequência dos prêmios, de forma que estes não sejam substitutivos daquele, isto é, que o empregador não remunere o empregado com salário travestido de prêmio.

Ainda, nos termos do artigo 457 da CLT, para que não haja a incidência de contribuições previdenciárias sobre os prêmios pagos no âmbito das relações de emprego, os pagamentos devem ocorrer por liberalidade.

Há quem entenda que a simples existência de ajuste prévio, contendo os motivos de percepção do prêmio, retirariam o caráter de liberalidade[3]; enquanto outros defendem que a pactuação do prêmio não afasta sua liberalidade, sob pena de incorrer em interpretação restritiva do dispositivo[4].

Ora, a liberalidade exigida pela legislação refere-se à instituição da política de premiação — e não ao pagamento do prêmio em si. Explica-se: o empregador não tem a obrigação de premiar seus funcionários por um desempenho extraordinário, mas, objetivando incentivá-los a atingir determinadas metas, institui, por liberalidade, uma política de premiação. A partir da criação da política, o empregador está obrigado ao pagamento do prêmio caso os trabalhadores atinjam as metas previamente definidas — ou seja, não há liberalidade do pagamento.

A ausência de liberalidade no pagamento, entretanto, não desnatura o instituto e tampouco atrai a incidência de contribuições previdenciárias, vez que, frise-se, a política foi, originalmente, instituída por inegável liberalidade do empregador. Note que, de outra forma, isto é, se o empregado não tivesse conhecimento da possibilidade de recebimento do prêmio ao atingir a meta, a política de premiação não se prestaria para os fins para os quais foi criada, quais seja, incentivar o desempenho extraordinário dos empregados, sem acarretar ônus adicionais ao empregador.

Ademais, a jurisprudência trabalhista[5] entende que a habitualidade implica em ajuste tácito e o prêmio, objeto do artigo 457 da CLT, pode ser habitual e, ainda assim, livre de encargos trabalhistas e previdenciários. Logo, se o prêmio habitual é considerado tacitamente ajustado, nos termos da jurisprudência, e a legislação permite o seu pagamento com habitualidade, não há que se falar em vedação ao ajuste, tácito ou expresso, do prêmio.

Assim, não só é possível, como é recomendável, a elaboração de política escrita de premiação, na qual conste que o empregador poderá, por liberalidade, instituir e pagar ao empregado prêmio caso seu desempenho supere o ordinariamente esperado — documento esse que, contemplando a clara definição de participantes e da metodologia para apuração de resultados acima do ordinariamente esperado, servirá como prova do cumprimento dos requisitos previstos no artigo 457 da CLT em caso de eventual fiscalização.

A política de premiação não precisa, necessariamente, estar atrelada às vendas realizadas pelo empregado ou à sua contribuição para a lucratividade da empresa, podendo decorrer do atingimento de metas internas diversas. Assim, é perfeitamente possível que uma mesma empresa tenha políticas de premiação distintas para cada grupo de empregados.

Por outro lado, não é recomendável que a política de prêmios seja instituída em substituição a outro programa compulsoriamente concedido pela empresa, sem uma análise cuidadosa dos riscos envolvidos, tendo em vista a possibilidade de se entender que se trata de uma simulação, com a finalidade única de afastar os encargos trabalhistas e previdenciários.

Por fim, é indispensável que a premiação decorra de desempenho do empregado “superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”. Isto é, as exigências comuns aos empregados — como, por exemplo, assiduidade, pontualidade e subordinação —, não deveriam ensejar premiação. Além disso, deve haver uma correlação lógica entre o pagamento do prêmio e o desempenho efetivo do empregado.

Nesse contexto, pode-se concluir que não incidem contribuições previdenciárias sobre prêmios desde que (i) não substituam o salário do empregado, isto é, haja razoabilidade entre salário e valor e frequência dos prêmios; (ii) o programa seja instituído por liberalidade do empregador; (iii) o empregado desempenhe sua atividade de forma superior ao ordinariamente esperado; e (iv) o pagamento do prêmio tenha relação com o desempenho extraordinário do empregado.

Apesar de a Lei 8.212/1991 ser silente acerca de eventuais exigências para a exclusão dos prêmios da base de cálculo da contribuição previdenciária devida com relação aos trabalhadores avulsos, contribuintes individuais e facultativos, a conceituação de prêmio, para fins trabalhistas e previdenciários, é única e foi atribuída pela CLT e, portanto, os requisitos contidos na legislação trabalhista devem ser aplicados aos demais prestadores de serviços, sob pena de desvirtuação do instituto.

Portanto, não obstante a ausência de posicionamentos do Fisco e do Poder Judiciário sobre o tema, entendemos que, desde que cumpridos os requisitos supra, não há que se falar em incidência de contribuições previdenciárias sobre prêmios pagos a empregados, trabalhadores avulsos, contribuintes individuais e facultativos.

2. Conclusões
Diante de todo o exposto, resta claro que, a partir de novembro de 2017, com a vigência da Lei 13.467/2017, não mais incidem contribuições previdenciárias sobre os prêmios pagos, por liberalidade, aos empregados, trabalhadores avulsos, contribuintes individuais e facultativos, em razão do desempenho extraordinário de suas atividades.

No entanto, para que isso ocorra devem ser observados determinados requisitos, quais sejam: (i) os prêmios não substituam o salário do empregado, isto é, haja razoabilidade entre salário e valor e frequência dos prêmios; (ii) o pagamento do prêmio se dê por liberalidade do empregador; (iii) o empregado desempenhe sua atividade de forma extraordinária; e (iv) exista uma correlação lógica entre o pagamento do prêmio e o desempenho do empregado.

Nesse contexto, atendidos os requisitos tratados no presente trabalho e tomadas as devidas cautelas, para maximizar as chances de êxito em eventual questionamento pelas autoridades fiscais, entendemos que a concessão de prêmios é uma forma econômica, do ponto de vista tributário e trabalhista, de se incentivar os trabalhadores a desempenhar suas atividades de maneira extraordinária, contribuindo, assim, para o atingimento dos diversos objetivos empresariais.


Bibliografia
CARDOSO, Alessandro Mendes; CIRILO, Simone Bento Martins. Reforma trabalhista e a exclusão do prêmio do salário de contribuição. Disponível em https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI275447,71043-Reforma+trabalhista+e+a+exclusao+do+premio+do+salario+de+contribuicao, acesso em 5/2/2019.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTR, 2013.
OLIVEIRA, Carlos Henrique de. Reflexos Tributários da Reforma Trabalhista. In MANNRICH, Nelson (coord). Reforma Trabalhista: Reflexões e Críticas, 2. ed. São Paulo: LTR, 2018.


[1] Nesse sentido é a exposição de motivos do Projeto de Lei 6.787/2016, que originou a Lei 13.467/2017. Disponível em https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961&filename=SBT+1+PL678716+%3D%3E+PL+6787/2016, acesso em 31/1/2018.
[2] Disponível em https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961&filename=SBT+1+PL678716+%3D%3E+PL+6787/2016, acesso em 31/1/2018.
[3] OLIVEIRA, Carlos Henrique de. Reflexos Tributários da Reforma Trabalhista. In MANNRICH, Nelson (coord). Reforma Trabalhista: Reflexões e Críticas, 2. Ed. São Paulo: LTR, 2018, p. 251.
[4] CARDOSO, Alessandro Mendes; CIRILO, Simone Bento Martins. Reforma trabalhista e a exclusão do prêmio do salário de contribuição. Disponível em https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI275447,71043-Reforma+trabalhista+e+a+exclusao+do+premio+do+salario+de+contribuicao, acesso em 5/2/2019.
[5] Nesse sentido é a Súmula 207 do STF: “As gratificações habituais, inclusive a de Natal, consideram-se tacitamente convencionadas, integrando o salário”.

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