Opinião

A polêmica do exame da OAB: carta aberta ao presidente da República

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13 de março de 2019, 7h09

O presidente Bolsonaro externou, recentemente, sua intenção de abolir o Exame de Ordem, por considerá-lo, basicamente, injusto e desnecessário. Este breve artigo serve, então, para que o presidente, e, de resto, toda a comunidade, antes de qualquer resolução, reflita a respeito. Antes de mais nada, é fundamental assinalar que não foi a OAB que instituiu o Exame de Ordem: foi a lei que (re)criou a OAB (Lei 8.906/1994) que o instituiu. Para que se cogitasse, então, da sua supressão, nova lei, revogando-o, deveria ser editada pelo Congresso Nacional. Além disso, o exame cumpre, ao menos, duas relevantes funções: iniciática e de controle de qualidade.

As universidades não formam advogados, apenas bacharéis em Direito. Aliás, não formam nem juízes nem procuradores nem defensores públicos. Juízes, procuradores e defensores submetem-se a concursos públicos. Mas o concurso não é apenas uma modalidade necessária de contratação; é, na origem, um rito de passagem. E o mesmo se dá no Exame de Ordem. Não é só a prova em si, não é o evento isolado, não é nada disso, o que seria pouco. É, antes, e previamente, o contato com as práticas, os valores e com a maneira de pensar própria de um advogado. O Exame de Ordem, então, simboliza esse trabalho de transição, objetiva essa passagem. Nesse contexto, ainda que o ensino, de um modo geral, e o ensino nas universidades, notadamente as de Direito, de modo específico, fossem bons, mesmo assim o exame se justificaria por sua função batismal.

Mas o fato é que o ensino universitário, de um modo geral — e sempre há honrosas e tradicionais exceções que confirmam a regra —, não é bom. Antes, é muito deficitário. Com isso, a função de controle (mínimo de qualidade) exercida pela OAB, à luz da conjuntura atual (de décadas de retilíneo depauperamento linguístico-cultural), explica-se por si mesma, como uma verdade de Conselheiro Acácio. Como abrir mão dela, considerando todo o quadro da (des)arte em volta? Quanta responsabilidade, seriíssima, não está implicada no exercício da advocacia, que, ainda que privada, consubstancia, também ela, um serviço público? Aliás, por que, sendo ela também um serviço público, marcado pela nota da essencialidade (conforme artigo 133 da Constituição Federal de 1988), assim como a própria OAB é um serviço público (artigo 44, caput, da Lei 8.906/1994), deveria se dar com a advocacia de um modo diferente do que se dá com as demais carreiras públicas do Direito?

Tirando ministros do Supremo Tribunal Federal, para cujo cargo exige-se invulgar conhecimento jurídico, e as vagas dos tribunais da federação reservadas aos advogados pelo quinto constitucional, para cujo preenchimento, de igual modo, se pressupõe exitosa e bem encaminhada prática advocatícia, quem concebe hoje preenchimento de qualquer outra carreira jurídica sem um mínimo de controle de qualidade, por meio de concurso de provas ou provas e títulos? Seria uma temeridade, portanto, pelo pouco que até aqui já se expendeu, abolir o Exame de Ordem.

A OAB, com certeza, não irá salvar a educação no Brasil, até porque esse não é o seu mister. Por isso, fica aqui um apelo cívico: comecemos, enfim, a fazer a coisa certa. Comecemos, portanto, pela educação. O ensino universitário é ruim, porque os ensinos fundamental e médio são ruins — para não descermos mais fundo, até a educação infantil. E os ensinos médio e fundamental são ruins, porque a educação não é prioridade. A língua portuguesa, aliás, não é prioridade. E a situação só piora. O que vale, hoje, como dizem — e quem o diz são vozes oficiais — é comunicar e fazer-se entender, o resto é parnasianismo.

Com isso, e como sempre tem sido, em vez de projetarmos para cima e elevarmos o discurso e o padrão das relações, forjamos ideologias tropicalistas para nos absolver de erros históricos e culturais que nos condenaram à miséria — e nela somos mantidos. E assim seguimos, indulgentes e transigentes com tantos déficits. A pobreza de uma cultura começa com o rebaixamento de sua língua. Não se trata, aqui, de nacionalismos obsoletos. A língua é muito maior do que a nação: ela é transnacional. Nem se trata de virtuosismo estético: a língua é o nosso instrumento de inserção e integração no mundo e, como tal, o maior patrimônio de que um indivíduo, isoladamente considerado, e um país, tomando-o coletivamente, como soma de todos os indivíduos, pode dispor. A língua, que é uma experiência vital e criadora, pode levar qualquer um a qualquer lugar. Ela é, pois, o princípio da liberdade.

De mais a mais, num mundo de dispersões, tal como o de hoje, sem narrativas globais, próprio de uma sociedade heterogênea, multitudinária e fraturada — e haver diferença é bom, pois as tensões fazem parte do jogo —, o que, senão a língua, afinal, nos une? Aqui, excelentíssimo senhor presidente, encerramos este artigo. Que a nossa felicidade, ou aos menos uma parte dela, individual e coletiva, seja a busca do tempo perdido na área da educação.

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