Opinião

Lei Anticorrupção Empresarial e o impedimento de contratar com o governo

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13 de março de 2019, 6h17

No dia 1º de agosto de 2013 foi promulgada a Lei Federal 12.846, denominada Lei Anticorrupção Empresarial, que prevê a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Esse normativo inovou no tema da responsabilização por atos lesivos em face da administração pública, pois permitiu a figuração de pessoas jurídicas no polo passivo de um processo sancionatório por atos de corrupção.

Dentre as condutas passíveis de punição sob a égide da Lei 12.846/13[1], nota-se que o legislador destinou especial atenção aos atos lesivos praticados no âmbito de um processo licitatório e da execução dos contratos dele decorrentes.

No intuito de estancar tais ações ilícitas, o artigo 6º da Lei 12.846/13 cominou sanções administrativas de enorme impacto financeiro e reputacional para as empresas, a saber, multa e publicação extraordinária da decisão condenatória, que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.

A multa é a sanção pecuniária, que alcança o patrimônio da empresa corruptora. Essa modalidade sancionadora pode ser aplicada no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior. Caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6 mil a R$ 60 milhões. A CGU normatizou, por meio da Instrução Normativa 01/2015, a metodologia para apuração do faturamento bruto anual e dos tributos a serem excluídos para fins de cálculo da multa.

A chamada sanção vexatória, por sua vez, impõe à empresa condenada a publicação da decisão administrativa condenatória na forma de extrato de sentença, cumulativamente em meio de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, como também em edital afixado no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo que permita a visibilidade pelo público, pelo prazo mínimo de 30 dias e em seu site com destaque na página principal do endereço.

Além das sanções acima citadas, a lei em comento prevê, em seu artigo 22, a necessidade de inscrição da pessoa jurídica punida em processo de responsabilização administrativa no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP).

O CNEP foi regulamentado por meio da Instrução Normativa 2, de 7 de abril de 2015, baixada pela Corregedoria-Geral da União. De acordo com esse normativo, os órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo poderão se cadastrar no Sistema Integrado de Registro do CNEP, mediante solicitação de habilitação a ser feita por meio do Sistema Integrado de Registro de CEIS/CNEP.

Nesse cadastro deverão constar, também, informações relativas aos acordos de leniência, que deverão ser registrados após a celebração, exceto se causar prejuízo às investigações ou a processo administrativo com base na Lei 12.846/13. Registrar-se-á, ainda, o descumprimento do acordo de leniência.

Vale apontar que a Instrução Normativa 2 da CGU, em consonância com o artigo 23 da Lei 12.846/13[2], regula outro importante banco de dados, o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis), cuja destinação é o registro de sanções administrativas a pessoa física ou jurídica que impliquem restrição ao direito de participar em licitações ou celebrar contrato com a administração pública. Como exemplo, pode-se citar a sanção de declaração de inidoneidade e o impedimento de licitar e contratar com a administração pública, previstas, respectivamente, no artigo 87, IV, da Lei 8.666/93 e no artigo 7º da Lei 10.520/02.

Da breve comparação dos dois cadastros acima mencionados depreende-se que as implicações das punições advindas de um Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) com base na Lei 12.846/13 podem gerar situação incoerente com o espírito da Lei Anticorrupção Empresarial. Apesar do destaque dado às condutas ofensivas ao processo licitatório e à execução dos contratos administrativos, o normativo não contempla restrições às pessoas jurídicas condenadas em contratarem com a administração pública.

Ocorre que a ausência de concomitância do PAR e do processo administrativo sancionatório, regido pela Lei de Licitações, pode levar à situação atípica de uma pessoa jurídica condenada por ato de corrupção pela Lei 12.846/13 permanecer apta a contratar com a administração pública, em razão da demora ou ausência do outro processo administrativo que lhe imporá a suspensão ou impedimento de contratar com órgãos e entidades públicas.

Seguindo o raciocínio acima perfilhado, pode-se ficar diante do seguinte cenário: uma empresa é condenada por ato de corrupção com base na Lei 12.846/13, sofre as sanções de multa e/ou publicação extraordinária da decisão condenatória, é inscrita no CNEP, mas não estará suspensa ou impedida de contratar com a administração pública, inclusive com o ente que lhe aplicou a sanção, haja vista que não há previsão de medidas que alijam das contratações públicas as empresas condenadas pela Lei Anticorrupção Empresarial.

Oportuno consignar que, quanto a esse tema, o Decreto Federal 8.420/15, regulamentador da Lei Anticorrupção no âmbito do Executivo Federal, previu no seu artigo 12 que os atos previstos como infrações administrativas às normas de licitações e contratos da administração pública, que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei 12.846/13, serão apurados e julgados conjuntamente, nos mesmos autos, aplicando-se o rito procedimental do processo administrativo de responsabilização. Deste modo, o regulamento estabelece que serão aplicadas, no mesmo processo, as sanções da Lei Anticorrupção e da Lei de Licitações e Contratos.

Com relação a essa orientação do regulamento federal convém frisar que o PAR passaria a agasalhar penalidades administrativas previstas na Lei de Licitações que não constam do rol descrito no artigo 6º da Lei 12.846/13. Ademais, a liturgia do procedimento sancionatório de contratação é disciplinado pelo órgão ou entidade pública[3] contratante, que prevê em normativo interno a autoridade competente para a prática dos atos, bem como os prazos processuais, e muitas vezes estes não se alinham com o previsto no regulamento do processo de responsabilização administrativa.

Afora isso, o artigo 30 da Lei 12.846/13 prevê que as sanções nela previstas não afetam os processos que envolverem atos ilícitos alcançados pela Lei 8.666/93 ou outras normas de licitação e contratos da administração pública, inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), o que reforça a independência entre os procedimentos do PAR e os demais processos administrativos.

Em razão do exposto, é possível depreender que é necessária a instauração de dois processos administrativos distintos, um para aplicar as sanções previstas na Lei de Licitações e outro para aquelas impostas na Lei Anticorrupção Empresarial. Frisa-se a importância de ambos os processos tramitarem, na medida do possível, em concomitância[4], a fim de se evitar a situação supramencionada de uma empresa condenada por corrupção permanecer apta a contratar com a administração pública, haja vista a ausência de dispositivo na Lei 12.846/13 que permite a sua suspensão ou impedimento.

Adotando-se o entendimento da necessidade de instauração apartada de processos, no entanto, retorna-se à questão da possibilidade de empresa condenada no âmbito de um PAR permanecer hábil a participar de processo licitatório e a contratar com a administração, caso não seja iniciado, também, o devido processo administrativo.

Essa possível lacuna na Lei Anticorrupção Empresarial pode, então, tornar-se um empecilho para assegurar um ambiente negocial ético aceitável na administração pública, fim maior da citada norma, em razão da ausência de previsão de se aplicar, no procedimento do PAR, a suspensão temporária para participar de licitações, a declaração de inidoneidade ou o impedimento de contratar com a administração.

Em reforço à questão suscitada, importa mencionar que tramita no Congresso Nacional o PLS 252/2018, almejando a alteração de alguns artigos da Lei Anticorrupção Empresarial, com o intuito de evitar que empresas condenadas por atos de corrupção participem de novas contratações públicas.

O projeto propõe a inclusão de inciso prevendo, dentre as sanções cominadas no artigo 6º, a suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a administração, por prazo não superior a cinco anos. Veja-se:

Art. 1° O artigo 6º, da Lei n° 12.846, de 1º de agosto de 2013, passa a vigorar, com a seguinte redação;

“Art. 6º Na esfera administrativa serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções:

I – multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;

II – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 5 (cinco) anos;

III – publicação extraordinária da decisão condenatória.” (NR)

Por todo o exposto, verifica-se que há no ordenamento jurídico leis importantes no combate à corrupção e aos ilícitos praticados nas contratações com o poder público, as quais, todavia por não “conversarem” entre si, podem criar um ambiente propício para que empresas condenadas por atos de corrupção continuem a contratar com a administração pública. 


[1] Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV – no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública.
[2] Art. 23. Os órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo deverão informar e manter atualizados, para fins de publicidade, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS, de caráter público, instituído no âmbito do Poder Executivo federal, os dados relativos às sanções por eles aplicadas, nos termos do disposto nos arts. 87 e 88 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
[3] Cita-se para ilustrar: Portaria 334/16, que institui o rito processual administrativo de apuração de responsabilidade de eventuais infrações praticadas por fornecedores no Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC); Instrução Normativa 4/19 do Ministério da Infraestrutura/Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.
[4] Questão relacionada à possível ocorrência de bis in idem será abordada em trabalho apartado, dada a importância e extensão do tema.

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