Paradoxo da Corte

É preciso aplaudir a preocupação do TJ-SP em aprimorar seu sistema

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

12 de março de 2019, 8h05

Os órgãos que representam os advogados têm procurado, ao longo do tempo, manter diálogo aberto e franco com a direção do TJ-SP, sugerindo e reivindicando, sob a perspectiva administrativa, soluções que visam a racionalizar a prestação jurisdicional em geral e otimizar a atuação do advogado em particular.

É certo, outrossim, que os advogados, quase sempre, mantêm postura conservadora diante de mudanças que possam alterar o cotidiano forense. Lembro a esse propósito a luta aguerrida do nosso Tribunal de Justiça para introduzir o processo eletrônico, que acabou sendo implantado, como uma das principais inovações das últimas décadas. A despeito da resistência então verificada, inclusive por integrantes do Poder Judiciário, verifica-se hoje que a tramitação virtual do processo acarretou sensível diminuição da marcha processual, em simétrica harmonia com o decantado princípio da duração razoável do processo.

Dúvida não há, contudo, que o sistema eletrônico do SAJ-JUD, que foi implantado pelo TJ-SP há mais de 15 anos encontra-se obsoleto. Como advogado militante, apesar de habituado a lidar com as informações eletrônicas, arrisco-me a afirmar que em pouco tempo tal sistema estará completamente ultrapassado ou então exigirá, caso seja possível, um valor colossal para ser atualizado e adaptável às múltiplas inovações que surgem nos domínios da comunicação virtual.

Considerando estes problemas que emergirão de forma inexorável, a evidenciar verdadeiro esgotamento tecnológico do SAJ, a direção do TJ-SP, no correr do ano de 2018, procurou ir a fundo para saber até que ponto seria recomendável uma nova contratação nesta importante área.

Pois bem, após detalhado exame em três diferentes planos, a direção do TJ-SP deliberou levar adiante o projeto para a implantação de nova plataforma digital. A temática é sem dúvida complexa, mas, permito-me, com a exclusiva finalidade de informação aos meus estimados colegas advogados, de delinear, em apertadíssima síntese, os fatores determinantes da oportuna e necessária contratação.

Do ponto de vista técnico, restou comprovada pela STI do TJ, em inúmeros aspectos, a obsolescência do sistema SAJ, visto que não é ele compatível com modelos mais modernos e seguros, em plataforma de nuvem, exigindo, assim, vultosos investimentos em data center e backups, sem qualquer possibilidade de ser utilizado em dispositivos eletrônicos móveis. Ademais, os frequentes “travamentos” e as constantes manutenções exigidas pelo atual sistema prejudicam sobremaneira a qualidade do serviço oferecido aos jurisdicionados.

Mas o mais grave de tudo é que o SAJ não atende aos ditames do artigo 194 do vigente Código de Processo Civil, que prenuncia uma “plataforma digital interoperacional”, vale dizer, que assegure ampla acessibilidade a todos os interessados, pouco importando a ferramenta ou o programa para se obter, em tempo real, a informação desejada. Dispõe, com efeito, o referido art. 194:

“Os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos atos, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções”.

É dizer, o novel diploma processual praticamente impõe ao Poder Judiciário providência para adotar mecanismos eletrônicos de ponta, que possam, em breve tempo, assegurar a qualquer jurisdicionado o acesso às informações processuais, da forma mais ampla e efetiva possível!

A denominada interoperabilidade, portanto, que não pode ser oferecida pelo sistema SAJ, foi um dos fatores decisivos em prol da substituição da obsoleta plataforma hoje disponível.

Igualmente, o armazenamento dos dados em ambiente de nuvem oferece maior segurança, destacando-se, no sistema a ser introduzido, a criptografia e a redundância.

Ademais, a decisão de contratar novo modelo digital também se alicerçou em fundamentos jurídicos. A direção do TJ-SP, por meio da prestigiosa Fundação Arcadas, solicitou a opinião legal dos atuais titulares de Direito Administrativo da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, professores Floriano de Azevedo Marques Neto e Fernando Dias Menezes de Almeida, que subscreveram substancioso parecer.

Concluíram estes ilustres pareceristas, no que se refere aos pontos fulcrais da respectiva consulta, que:

a) delineia-se possível identificar pelos menos dois dos três requisitos exigidos pelo artigo 20, caput, da Lei de Inovação, quais sejam: “(i) a parte a ser contratada (Microsoft) é empresa relacionada à pesquisa e desenvolvimento e possui reconhecimento de sua capacitação tecnológica no mercado; e (ii) o objeto delineado visa a solucionar um problema técnico específico vivenciado pela Administração, que não possui, até o momento, resposta em outros sistemas já existentes”;

b) a contratação da empresa Microsoft pelo TJ-SP é perfeitamente possível de ser enquadrada “como uma hipótese de inexigibilidade de licitação, com base no art. 25, caput, da Lei de Licitações e por via reflexa e nos termos da resposta anterior, é possível enquadrar a contratação direta também na hipótese de dispensa prevista no art. 24, XXXI”; e, por fim,

c) descortina-se “regular a determinação do sigilo, seja com base na criticidade do projeto e das informações a ele vinculadas, que podem colocar diretamente em risco a segurança do TJSP e da própria função jurisdicional (art. 23, VII), seja pela possibilidade de prejudicar e causar prejuízos diretamente ao projeto de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da nova plataforma digital (art. 23, VI, ambos da LAI)…”.

A significativa economia, em termos financeiros, é outro relevante elemento que norteou a tomada de posição da direção do TJ-SP para celebrar o contrato com a Microsoft. Após o desenvolvimento da nova plataforma digital, o custo anual será da ordem de R$ 148 milhões, ou seja, como anunciado, uma redução de cerca de 40% do desembolso atual.

Assim, qualquer que seja a perspectiva, entendo que os operadores do Direito devem aplaudir a preocupação do TJ-SP em aprimorar o seu respectivo sistema de organização dos processos judiciais eletrônicos, bem como dos correlatos acesso e disseminação de informações. Na verdade, toda tentativa de redução do tempo de tramitação do processo e de otimizar a qualidade da prestação jurisdicional merece ser secundada.

A notícia de implantação da nova plataforma digital, no que toca especificamente aos advogados, inclusive aqueles da “velha guarda”, também não pode ser criticada, uma vez que essas alterações, cercadas das devidas cautelas impostas aos administradores públicos, não é de ser encarada com exacerbado ceticismo.

Como tudo na vida, não se deve sofrer por antecipação!

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