Opinião

Impactos da reforma na dispensa coletiva de trabalhadores

Autor

  • Filipe dos Santos Silva

    é advogado professor membro do Getrab-USP especialista em Direitos Fundamentais e Humanos na Universidade Católica do Porto/Portugal mestre pela PUC-SP pós-graduado em Direito no IBMEC-SP pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho no Instituto Damásio e doutorando USP.

12 de março de 2019, 7h28

1. A dispensa coletiva até o advento da reforma trabalhista e aspectos doutrinários e conceito de dispensa coletiva
A dispensa coletiva pode ser denominada de diversas maneiras, a saber: “dispensa em massa”, “despedimento coletivo”, “dispensa massiva”, “licenziamento collettivo", dentre outras nomenclaturas.

É importante enfatizar que a Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista) foi o primeiro diploma legal interno a tratar expressamente sobre a dispensa coletiva, porém não estabeleceu parâmetros legais nem mesmo um conceito jurídico definindo o que venha a ser dispensa coletiva. Remanesce a emblemática pergunta do professor Carlos Alberto Reis de Paula: “Afinal, o que é dispensa coletiva?”.

Impende destacar que a doutrina clássica e contemporânea debruçou-se sobre o tema, estabelecendo alguns pilares básicos para conceituação e caracterização da dispensa coletiva.

Orlando Gomes foi um dos primeiros juristas a conceituar a dispensa coletiva. Para ele, trata-se da “rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados” (GOMES, 1974, p. 575). Nessa linha de raciocínio, doutrinadores contemporâneos como Nelson Mannrich definem a dispensa coletiva como sendo “a ruptura diferenciada do contrato de trabalho de natureza objetiva, de iniciativa patronal, decorrente de causas homogêneas que, durante um determinado período de tempo, atingem certo número de trabalhadores” (MANNRICH, 2000, p.555).

Desta maneira, a dispensa coletiva pode ser caracterizada como a cessação de múltiplos contratos de trabalhos em determinado empreendimento e lapso temporal, por ato do empregador baseado em motivos objetivos, ou seja, não vinculados à pessoa do empregado, geralmente decorrente de causas econômicas, de natureza estrutural, organizacional, tecnológico, financeiro, de produção ou conjuntural sem o designo de abrir novas vagas, mas, sim, reduzir definitivamente o quadro de pessoal.

A par desses elementos caracterizadores, é pertinente averiguar em linhas gerais as repercussões da dispensa coletiva na sociedade.

Diferentemente da dispensa individual que afeta o trabalhador individualmente considerado e seu núcleo familiar, a dispensa em massa abrange uma coletividade de trabalhadores com potencial de abalar a própria ordem social local.

Nessa toada, Cláudio Jannotti da Rocha cita um exemplo preciso: "Assim, uma dispensa coletiva, a depender do número de trabalhadores afetados, pode ensejar, até mesmo, outras dispensas coletivas, interferindo na ordem econômica local e ganhando ares de direito individual homogêneo, como no caso uma grande dispensa coletiva atingindo centenas ou milhares de empregados, em um contexto de crise econômica. Dependendo do tamanho do município ou da região, várias outras empresas ficarão prejudicadas na venda de seus produtos e, logo, irão dispensar seus empregados, fazendo com que outras dispensas coletivas também ocorram" (ROCHA, 2017, p. 98).

Logo, uma demissão coletiva em certo empreendimento e região pode gerar novas demissões coletivas, causando um efeito massivo naquela localidade e prejuízos para o próprio Estado e população local. Claro está que os reflexos da dispensa em massa transcendem a esfera particular do trabalhador, sendo capaz de abalar a própria paz social e economia local, mormente quando o número de trabalhadores atingidos for expressivo.

2. Inovações da reforma trabalhista
Em sentido totalmente oposto aos paradigmas existentes, a Lei 13.467/2017 (denomina reforma trabalhista) inovou no ordenamento jurídico brasileiro ao dispor expressamente sobre a dispensa coletiva, desfavoravelmente aos direitos dos trabalhadores, colidindo com as orientações da OIT, legislações mais modernas de países desenvolvidos, a Constituição Federal, o precedente paradigmático do TST e a melhor doutrina.

Ao inserir o artigo 477-A na CLT, dispôs: as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.

Diante disso, é necessário analisar em apartado as inovações criadas pela reforma trabalhista.

2.1. Equiparação das dispensas individuais, plúrimas e coletivas para todos os fins
O artigo 477-A, da CLT, introduzido pela reforma trabalhista, estabelece a equiparação para todos os fins das dispensas individuais, plúrima e coletivas.

Pedro Paulo Teixeira Manus, de antemão, adverte que o legislador inapropriadamente equipara as dispensas imotivadas individuais, plúrimas e coletivas como se fossem figuras jurídicas passíveis de equiparação, esquecendo-se que os efeitos da dispensa coletiva geram grande impactos não só na vida empresarial, mas de toda a comunidade (MANUS, 2017).

Em termos práticos, podemos distinguir dispensa coletiva e dispensa individual, pois esta atinge um único empregado, diferentemente daquela, que constitui múltiplas demissões de trabalhadores num determinado lapso temporal.

No que se refere à dispensa plúrima, ambas lidam com multiplicidade de desligamentos no decorrer de certo lapso temporal e determinada empresa ou estabelecimento. Porém, o aspecto diferenciado dessas duas modalidades de dispensa está no elemento volitivo de cada instituto.

Nas dispensas plúrimas, tais como nas individuais, a intenção do empregador é dispensar um ou alguns empregados específicos por razões subjetivas. Já na dispensa coletiva o empregador rescinde o vínculo empregatício de vários trabalhadores por razões objetivas, normalmente de ordem econômico-conjuntural.

Outro aspecto, agora doutrinário, é o posicionamento desses institutos nas ramificações do Direito do Trabalho, haja vista que uma está ligada ao direito individual do trabalho, e a outra, catalogada no direito coletivo do trabalho, sujeitos a princípios, normas e institutos próprios.

Nessa toada, Enoque Ribeiro dos Santos ensina que a dispensa coletiva deve ser analisada sob o prisma dos “direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, e os direitos mais elevados da dignidade da pessoa humana” (SANTOS, 2017).

Não obstante isso, a novel legislação equipara essas três modalidades de dispensa para todos os fins, sendo este o primeiro impacto da reforma trabalhista na dispensa coletiva.

Sendo assim, o primeiro impacto da reforma trabalhista na dispensa coletiva é a equiparação para todos os fins com a dispensa individual e plúrima, o que desnorteia todo regramento até então estabelecido e perturba a doutrina construída.

2.2. Não necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo para sua efetivação
O novo artigo 477-A da CLT, introduzido pela reforma trabalhista, além de equiparar as dispensas individuais, plúrimas e coletivas, estabelece a desnecessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para a efetivação das referidas dispensas.

Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado compreendem que a inovação legislativa pretende afastar a intervenção do sindicato de trabalhadores no grave e dramático contexto socioeconômico da dispensa coletiva, e acrescentam: "O novo art. 477-A da Consolidação das Leis do Trabalho agrega mais um impactante elemento no rol de medidas tomadas pela Lei da Reforma Trabalhista no sentido de enfraquecer o sindicalismo de trabalhadores no País, afastando-o de suas bases profissionais e dos problemas mais candentes por estas enfrentadas" (DELGADO, e NEVES DELGADO, 2017, p. 180).

Os referidos autores são enfático ao criticarem o referido dispositivo: "Demonstra também, lamentavelmente, a depreciação do diploma legal ordinário com respeito ao Estado Democrático de Direito constituído no país pela Constituição de 1988, com seus pilares normativos estruturantes de natureza democrática e inclusiva- todos manifestamente negligenciados pelo recém aprovado art. 477-A da Consolidação das Leis do Trabalho. Todas essas várias normas constitucionais (princípios e regras da Constituição de 1988) continuam em plena vigência no País, embora, a partir da vigência da Lei n. 13.467/2017, mostrem-se claramente desrespeitadas pelo afastamento do ser coletivo obreiro da dinâmica das dispensas massivas deflagradas pelo empregador em sua empresa ou em estabelecimentos dela componentes" (DELGADO, e NEVES DELGADO, 2017, p. 181).

Além de ir de encontro ao posicionamento jurisprudencial pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho, a referida norma colide com normas internacionais da OIT e países desenvolvidos, supramencionadas, bem como desrespeita no âmbito interno nada mais nada menos que a própria Constituição Federal de 1988.

Verifica-se que a inovação legislativa age em verdadeiro retrocesso, estabelecendo um regramento hiperindividualista dos idos de 1891, já superado pelo país há séculos, porém não afasta as normas constitucionais vigentes.

Conclusão
Como verificado, a Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista) foi o primeiro diploma legal interno a tratar expressamente sobre a dispensa coletiva, porém não estabeleceu parâmetros legais nem mesmo um conceito jurídico definindo o que venha a ser dispensa coletiva.

Diante da omissão legislativa sobre o assunto, coube ao Poder Judiciário estabelecer as balizas para o despedimento coletivo, tal como o fez em 2009 no (Dissídio Coletivo 0309/2009) que estabeleceu a diferença da dispensa coletiva das individuais/plúrimas e fixou a premissa de que a negociação coletiva era imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, em conformidade com as regras e princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, e condiz com o tratamento estabelecido pela Organização internacional do Trabalho, União Europeia e inclusive no âmbito do Mercosul, como ocorre na Argentina.

Na sequência à recente reforma trabalhista aflorou essa problemática, pois, em aparente contradição com o entendimento anteriormente fixado, estabelece expressamente que não há necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para efetivação da dispensa coletiva.

Diante disso, pode-se identificar dois principais impactos da reforma trabalhista nas dispensas coletivas: a) a equiparação para todos os fins com a dispensa individual e plúrima, o que desnorteia todo regramento até então estabelecido e perturba a doutrina construída; e b) a desnecessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para a efetivação das referidas dispensas.

Na linha do que entendem Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, “todas essas várias normas constitucionais (princípios e regras da Constituição de 1988) continuam em plena vigência no País”, devendo ser observadas pelo aplicador do direito diante do caso concreto (DELGADO e NEVES DELGADO, 2017. p. 181).

É importante salientar que à luz da Constituição Federal a negociação coletiva é amplamente prestigiada, ainda mais em questões grupais, como a dispensa coletiva, não podendo ser afastada por lei infraconstitucional “ao arrepio da constitucionalidade”.

Além disso, observa-se que, a partir de uma interpretação harmônica do ordenamento brasileiro, se pode afirmar a imprescindibilidade da negociação coletiva para o despedimento em massa, pois o artigo 615 da CLT não permite a recusa à negociação coletiva, devendo os sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais, inclusive as empresas, buscarem a solução pacifica e consensual dos conflitos.

Se não bastasse, fazendo uma interpretação sistemática com outros artigos da reforma trabalhista (por exemplo, o artigo 611-A, CLT), observa-se o prestígio à negociação coletiva, à resolução consensual dos conflitos, o incentivo à participação dos sindicatos, o princípio da prevalência do negociado sobre o legislado, dentre outros instrumentos que determinam a participação dos sindicatos nas relações laborais.

A reforma trabalhista, portanto, não poderia ser esquizofrênica ao ponto de prestigiar a negociação coletiva com o sindicato dos trabalhadores, sendo essa sua viga mestra, e ao mesmo tempo afastar a negociação coletiva no momento mais importante, que é a rescisão do contrato de trabalho, ainda mais de uma coletividade de trabalhadores.

Mesmo após todos esses motivos, verifica-se que o artigo 477-A da CLT analisado sem sua literalidade não exclui a necessidade de negociação prévia para fins de dispensa coletiva, apenas diz ser desnecessária a "autorização" do sindicato e a "conclusão" das negociações em convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho.

Diante de todo o exposto, pode-se concluir que a corrente mais acertada com os pilares do Direito do Trabalho enxerga que a inovação da reforma trabalhista (artigo 477-A, CLT), seja a partir de uma análise isolada e literal, seja sistematicamente com todos demais dispositivos, ou com as diretrizes internacionais bem como constitucionais, constata-se que continua sendo imprescindível a "negociação coletiva" prévia com os sindicatos dos trabalhadores para efetivação da dispensa em massa.


Referências
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo: RODC 00309/2009-000-15-00.4. Rel. Ministro Maurício Godinho Delgado. Brasília, 10 ago. 2009. Publicado no Diário Oficial Eletrônico em 10 ago. 2009.
GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturação da empresa- aspectos jurídicos do desemprego tecnológico. São Paulo: LTr, 1974. p. 575.
MANNRICH, Nelson. Dispensa coletiva: da liberdade contratual à responsabilidade social. São Paulo: LTr, 2000.
ROCHA, Cláudio Jannotti da. A tutela jurisdicional metaindividual trabalhista contra a dispensa coletiva no Brasil. São Paulo: LTr, 2017.

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  • Brave

    é professor, advogado, mestrando na PUC-SP, especialista em Direitos Fundamentais e Humanos pela Universidade Católica do Porto (Portugal) e pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado pelo IBMec e em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Damásio Educacional.

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