Transparência judicial

Suprema Corte dos EUA estuda adoção de código de ética próprio

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11 de março de 2019, 8h53

Em uma audiência no Comitê do Orçamento da Câmara dos Deputados dos EUA, a ministra Elena Kagan deu uma notícia inesperada: a Suprema Corte está considerando a elaboração e adoção de um código de ética próprio. Há anos os ministros da corte resistem à ideia de adotar um código de ética, com o argumento de que ele não é necessário — por mais que a comunidade jurídica, a imprensa e políticos insistam nela.

Todos os juízes do país, à exceção dos 11 ministros da Suprema Corte, são regidos pelo Código de Conduta dos Juízes dos Estados Unidos. Os ministros da Suprema Corte não estão sujeitos a esse código ou a qualquer outro.

No relatório de 2011 do Judiciário, o presidente da corte, ministro John Roberts, escreveu que o Código de Conduta é um bom ponto de partida para os ministros. Mas que a corte não precisa adotar um código próprio porque os ministros já consultam uma ampla variedade de fontes quando precisam de orientação sobre questões éticas.

Mas os críticos apontam uma lista de problemas éticos que a corte poderia evitar, como participar de encontros de organizações partidárias e de instituições beneficentes para levantamento de fundos, vazar notícias sobre decisões para a imprensa, viajar com autoridades que têm casos perante a corte, criticar candidatos políticos, comentar questões jurídicas e usar auxiliares judiciários em trabalhos pessoais, como o de escrever livros. Todos esses são problemas que já ocorreram recentemente.

A questão mais séria, no entanto, é a do conflito de interesse, em que não há regras para obrigar os ministros a se declararem impedidos. Às vezes, alguns ministros se declaram impedidos quando vão julgar o caso de uma empresa da qual são acionistas, mas isso não é garantido. E ministros podem não se declarar impedidos quando vão julgar casos de interesse do presidente que os nomeou para a corte. Isso é particularmente preocupante no governo Trump, que tem muitos casos em andamento na justiça — e vai ter mais.

O que provocou a mudança na opinião dos ministros, principalmente do presidente da corte, foi um projeto de lei aprovado no início do ano pela Câmara dos Deputados, agora com maioria democrata. O PL propõe uma série de medidas para moralizar o sistema político-eleitoral do país e estabelece que os ministros da Suprema Corte, o presidente e o vice-presidente devem se reger por um código de ética.

O PL também obriga os candidatos à Presidência a divulgar suas declarações do imposto de renda nos últimos dez anos (o que Donald Trump se recusou a fazer como candidato e como presidente). Por essa e outras razões, o PL não vai virar lei. O líder da maioria no Senado Mitch McConnel já anunciou que nunca vai colocar esse PL em votação pelo plenário. Mas serviu para preocupar os ministros da Suprema Corte.

Na audiência no Comitê do Orçamento, o ministro Samuel Alito, que participou da audiência junto com a ministra Elena Kagan, disse que a proposta dos deputados de obrigar os ministros da Suprema Corte a seguir o código de conduta dos juízes de tribunais inferiores iria criar problemas constitucionais.

“Penso que é inconsistente com a estrutura constitucional ter juízes de tribunais inferiores examinando as coisas feitas por ministros da Suprema Corte, para garantir conformidade com as regras da ética”, ele disse.

Câmeras na Suprema Corte
A discussão entre os ministros e os deputados da comissão surgiu de preocupações dos parlamentares sobre a transparência do Judiciário e, especialmente, da Suprema Corte. Os deputados insistiram que as audiências da Suprema Corte deveriam ser filmadas e transmitidas ao público, como já fazem tribunais inferiores.

Samuel Alito e Elena Kagan afirmaram que isso não vai acontecer, pelo menos tão cedo. Ambos disseram que eram a favor de câmeras nas salas de audiência quando atuavam em tribunais inferiores, mas mudaram de ideia quando chegaram à Suprema Corte.

O principal problema da transmissão das audiências, segundo os ministros, é o de que os advogados irão jogar para o público, usando frases de efeito e outros recursos para garantir algum tempo no noticiário da CNN, MSNBC e Fox News no horário nobre.

“Há um entendimento coletivo na corte de que isso seria irresistível e iria minar nossa função essencial, que é decidir casos da melhor maneira possível”, disse Alito, segundo o jornal The Washington Post e os sites Courthouse News Service e SCOTUSblog.

Outro problema, segundo Elena Kagan, é que os ministros exercem deliberadamente, muitas vezes, o papel do advogado do diabo, para forçar os advogados a defender melhor suas teses. Uma frase de um ministro, tirada fora de contexto para ser aproveitada no noticiário, pode ter uma repercussão muito ruim.

Segurança cibernética
Os ministros foram convidados pela Comissão do Orçamento para a audiência, algo que ocorre a cada três ou quatro anos apenas, com o objetivo de explicar por que a Suprema Corte está pedindo um aumento de US$ 3,4 milhões em seu orçamento.

Os ministros explicaram que essa dotação orçamentária será destinada a melhorar a segurança física e cibernética da corte. Alito disse aos parlamentares que, no ano passado, um número “espantoso” de hackers tentou invadir o sistema de computação da corte.

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